TJ/MS: Desembargador relembra história e determina indenização por racismo

“Não somos mais Desembargadores do Paço. A humanidade diz ter evoluído. Mas remanescem tristes fragmentos de nossa história”, escreveu o Des. Alexandre Bastos, em decisão de processo de indenização por injúria racial.

O desembargador deu parcial provimento à apelação cível especificamente no tocante à pretensão da apelante de se ver compensada pelos danos morais sofridos em razão da injúria preconceituosa praticada contra ela por W.P. de A., que era funcionário e representante da empresa de televisão apelada.

A decisão foi por unanimidade dos desembargadores da 4ª Câmara Cível com a condenação da empresa em R$ 15 mil de indenização por danos morais e a responder integralmente pelos ônus de sucumbência fixados na sentença.

O voto resgata um triste passado da humanidade. “E se uma imagem tem mais poder de representação do que palavras, vieram-me a memória alguns desenhos e gravuras de Jean-Baptiste Debret, artista neoclássico que participou da fundação da Academia Imperial de Belas Artes. Porém, a lembrança nada tem com a beleza dos retratos da época, e, sim, com uma triste e às vezes esquecida realidade que infelizmente ainda assola a sociedade. Refiro-me a odiosa e repugnante fraqueza do ser humano em valorar a cor da pele de seus semelhantes, como se virtudes ou vícios pudessem revelar-se numa aquarela de cores”, escreveu o relator ao iniciar seu voto.

De acordo com os autos, em período compreendido entre os dias 15 e 20 de janeiro de 2011, o preposto da empresa difamou e injuriou a apelante, imputando fato ofensivo a sua reputação e ofendendo sua dignidade ou decoro, utilizando elementos referentes à sua raça/ cor. Na ocasião dos fatos, W.P. de A., ao ser delatado por M.A.P.B. ao proprietário da empresa onde trabalhavam, acerca de comportamentos irregulares, injuriou-a em razão de sua raça, dizendo: “Eu sabia que não podia confiar em preto! E essa preta safada e ladra não entra mais aqui!”. Além disso, difamou-a, dizendo: “aquela preta safada roubou até o balde”. O preposto foi condenado na esfera penal pelo fato com decisão transitada em julgado no ano de 2017.

O relator do processo ressaltou que a empresa apelada responde objetivamente pelos atos ilícitos praticados pelo seu preposto. “Não há mais o que se discutir sobre a existência do fato de injúria racial imputado a W.P. de A., haja vista que a materialidade e a sua respectiva autoria ficaram devida e inconcussamente comprovadas na esfera penal”. Sobre esse tema, o Código Civil disciplina, em seu art. 935, que “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.

Sobre a repercussão da sentença penal na esfera cível, o Des. Alexandre Bastos citou o art. 372 do CPC: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.

“Inarredável, portanto, a conclusão de que W.P. de A. – agindo na condição de preposto da Apelada – praticou conduta de injúria preconceituosa ou racista contra a Apelante, consistente na utilização de elementos referente à cor de sua pele, ultrajando-lhe, pois, com emprego de palavras racistas e pejorativas, deixando explícita a sua pretensão de, em razão da cor da pele, se julgar superior à pessoa de raça diferente – inclusive chegando ao ponto de determinar a proibição de a Apelante adentrar ao prédio da referida Apelada, que era o local de trabalho dos dois”, destacou o relator.

O desembargador afirmou que a conduta é tão grave que configurou crime. “A conduta acima narrada teve o condão de prejudicar, e muito, o ânimo psíquico, moral e intelectual da Apelante, ferindo, gravemente, os seus direitos da personalidade como a honra, a privacidade, os valores éticos e a vida social, notadamente porque produzida em seu ambiente de trabalho e propagada, inclusive, aos seus atuais e potenciais clientes – não podendo, portanto, ser admitida como mero dissabor. (…) As ofensas de cunho preconceituoso, consistentes no uso de xingamentos inconvenientes para se referir à Apelante por meio de preconceitos relacionados à cor da sua pele – com manifesta, covarde e lamentável intenção de diminuí-la num contexto ofensivo, indicativo de inferioridade – configura danos morais que devem ser compensados pecuniariamente”, concluiu.

No acórdão da 4ª Câmara Cível foi mantida a decisão de 1º Grau no tocante à pretensão de remuneração pelos meses trabalhados, de pagamento da cláusula penal e de indenização por perdas e danos.


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