TRT/MG: Servidor consegue redução de jornada para cuidar de pai com Alzheimer

O servidor impugnou lei municipal que restringe dispensa de jornada somente para as servidoras.


Uma lei do município de João Monlevade que autoriza a redução de jornada de trabalho apenas para servidoras do sexo feminino cuidarem de dependentes com deficiência foi impugnada, por discriminatória, na Justiça do Trabalho de Minas Gerais. No caso, um motorista, servidor do município, pediu que a mesma condição fosse estendida a ele, para que pudesse acompanhar o pai, diagnosticado com quadro avançado de mal de Alzheimer. A pretensão foi acatada tanto em primeiro grau como pelos julgadores da Quinta Turma do TRT de Minas. Com base no voto do juiz convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque, relator do caso, os integrantes do colegiado reconheceram o tratamento discriminatório dado aos servidores, decidindo negar provimento ao recurso do município e confirmar a sentença que determinou a redução da jornada ao trabalhador.

A Lei Municipal nº 1.225/94 previu, em seu artigo 1º, a possibilidade de a servidora pública da administração direta ou indireta dos Poderes Executivo ou Legislativo, mãe, esposa ou companheira, tutora, curadora ou que detenha a guarda e responsabilidade de pessoa com deficiência, ser dispensada de parte da jornada de trabalho. Com relação ao servidor público, estabeleceu, no artigo 2º, a aplicação quando se tratar de viúvo, separado judicialmente ou divorciado, que tenha sob sua guarda filho, tutelado ou curatelado com deficiência, assim como qualquer outra pessoa nessa condição sob sua responsabilidade.

Em defesa, o município alegou que, normalmente, o servidor do sexo masculino não é quem despende os cuidados a familiares quando há outro membro da família disponível para essas atribuições. Ademais, a dispensa de parte da jornada causa enorme impacto nos serviços e folha, inclusive considerando novas contratações, sendo o quadro feminino do município inferior.

Mas o relator não lhe deu razão. Pelas provas, convenceu-se de que o autor da ação é responsável por cuidar do pai, o qual apresenta quadro clínico compatível com “demência do tipo Alzheimer” e está totalmente incapaz para os atos da vida civil. Um especialista em neurologia afirmou que a incapacidade é permanente, progressiva e irreversível, sem cura provável. Segundo o profissional, a enfermidade causa limitação física e cognitiva ao paciente, que depende de terceira pessoa para exercer a sua representação para questões relacionadas à sua vida e à proteção de seus interesses.

Princípio da igualdade – De acordo com o relator, os princípios gerais da Administração Pública não podem ultrapassar os direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos. De fato, cabe ao administrador estabelecer restrições aos direitos em observância à lei. Por outro lado, ao dispor sobre os direitos sociais, a Constituição da República insere o princípio da igualdade no inciso I do artigo 5º, ao dispor que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Segundo o juiz convocado, essa igualdade proíbe o legislador de editar regras que estabeleçam privilégios em razão da raça, da religião, do estado civil ou do sexo, entre outras, devendo o juiz sempre interpretar a lei de maneira a não criar privilégios.

No caso, o juiz identificou o desrespeito a princípios e preceitos constitucionais, pois a Lei Municipal nº 1.225/1994 autorizou a concessão de dispensa de parte da jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração, apenas à servidora do sexo feminino ou ao servidor do sexo masculino, desde que viúvo, separado ou divorciado. No seu modo de entender, o dispositivo não poderia estabelecer limites que desrespeitam as garantias constitucionais. “Aceitar as disposições da Lei, como postas, configuraria também infração ao princípio da proibição de retrocesso social, que garante que a igualdade entre homens e mulheres e entre os próprios indivíduos do mesmo sexo sofram limitações ou restrições da legislação ordinária”, ponderou.

Outro aspecto pontuado foi o de que a sociedade moderna clama por atenção para pontos importantes como a igualdade entre gêneros e a divisão de tarefas domésticas. Atualmente, não se justifica mais dizer que cabe exclusivamente à mulher ou ao homem sem vínculo conjugal os cuidados com o filho ou o familiar com deficiência ou necessitado de atenção especial sob a sua guarda ou responsabilidade. Segundo o relator, deve ser observada uma harmonização plena entre os indivíduos, seja no que diz respeito a eliminar as desigualdades entre homens e mulheres, seja em relação às tarefas diuturnas dispensadas nos cuidados das pessoas sob guarda, tutela, curatela e responsabilidade dos entes da família, que não podem sofrer nenhuma diferenciação.

Ele frisou que a participação feminina na população economicamente ativa, cada dia mais crescente, não atende mais às circunstâncias observadas pelo legislador à época da edição da norma. Assim, conforme ponderou, é necessário haver uma adaptação das rotinas cotidianas nas famílias.

No caso concreto, apesar de casado, o autor demonstra interesse em amparar seu pai idoso e que se encontra em condição de saúde que exige cuidados especiais (ou “deficiente”, na concepção da lei invocada). Assim, está inserido na transformação do padrão de organização familiar, sustentada no princípio constitucional de igualdade de gêneros e da regra de proibição de diferenças motivadas em estado civil.

Inconstitucionalidade – A decisão atentou para o fato de que o benefício foi concedido às servidoras não em razão de condição particular que as difere dos servidores do sexo masculino, como, por exemplo, acontece em relação à licença-maternidade, mas tão somente porque se fundamenta na ideia de que pertence precipuamente às mulheres a atribuição de amparar os familiares que necessitam de atenção especial. No caso, identificou-se o estado de inconstitucionalidade não na concessão do benefício, mas na exclusão do servidor do sexo masculino casado ou em união estável.

“A ação do município, ao garantir o benefício apenas a um grupo restrito de servidores, em razão do estado civil, não se mostrou como uma medida que objetivou eliminar desequilíbrios”, registrou o juiz convocado, acrescentando que a interpretação literal do dispositivo legal resultaria em ofensa ao princípio constitucional da isonomia, em face do tratamento discriminatório dado aos servidores.

Por tudo isso, reconheceu a total incompatibilidade da expressão “(…) sendo viúvo, separado judicialmente ou divorciado”, inserida no inciso I do artigo 2º da Lei Municipal, em face da Constituição da República, adotando-se a técnica de interpretação conforme a Constituição. O município foi condenado a conceder ao motorista a dispensa parcial da jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração, enquanto comprovadamente necessário o acompanhamento ao pai, autorizada a avaliação semestral pelo Órgão Municipal de Saúde (artigo 3º da Lei nº 1.225/94). Foi facultada a elaboração de avaliação e calendário da dispensa da jornada e a fiscalização do tratamento, nos termos do parágrafo 2º do artigo 1º da Lei nº 1.225/94. A decisão foi unânime.


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