A juíza federal Ana Lúcia Petri Betto, da 6a Vara Cível Federal de São Paulo/SP, anulou o passaporte diplomático concedido a Romildo Ribeiro Soares (RR Soares) e sua esposa Maria Magdalena Bezerra Ribeiro Soares, membros fundadores da Igreja Internacional da Graça de Deus. A sentença, do dia 16/7, foi proferida em ação popular movida pelo advogado Ricardo Amin Abrahão Nacle.
No pedido, o autor da ação alegou que os corréus não exercem função ou missão de interesse do país que possa justificar a concessão do passaporte diplomático e os benefícios dele decorrentes. Além disso, a medida estaria em desacordo com o Decreto 5.978/2006, configurando desvio de finalidade, contrário à moralidade pública.
Em 5/6/19, uma liminar já havia suspendido os efeitos da Portaria do Ministro das Relações Exteriores que concedeu os passaportes diplomáticos aos corréus, determinando-se o imediato recolhimento dos documentos e/ou o seu cancelamento. No entanto, em 13/12/19, o Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF3) acolheu um recurso apresentado pela União Federal (agravo de instrumento) e derrubou a liminar, fazendo com que o processo retornasse ao 1o Grau para o julgamento da sentença.
Em sua manifestação, a União Federal alegou a inadequação da via eleita. Sustentou que o Poder Judiciário não pode exercer o controle de mérito do ato administrativo, em alinhamento com o princípio da separação de poderes, bem como, que os atos administrativos trazem em si a presunção de legitimidade e que nenhum julgador pode, monocraticamente, afastar em exame de mera delibação.
Todavia, no entendimento da magistrada, a ação popular tem por finalidade a anulação de todo e qualquer ato administrativo tido como ilegal e lesivo ao interesse público, assim considerados aqueles por si aptos a causar dano ao patrimônio público material ou imaterial, encontrando-se, portanto, adequada a via eleita.
“Importa salientar que, embora a autoridade administrativa detenha o poder discricionário para a aferição ‘dos interesses do país’, tal mister deve ser balizado pela ordem jurídica, em especial pelos princípios constitucionais que norteiam a administração pública, dentre eles os princípios da moralidade e da impessoalidade”, afirma Ana Lúcia Petri na sentença.
Ademais, diz a juíza, “os motivos determinantes do ato devem ser declarados, a fim de viabilizar tal controle, demandando minuciosa fundamentação, pois, dada a discricionariedade administrativa para praticar o ato, há que se saber se o comportamento adotado atendeu ou não ao princípio da legalidade, se foi concernente com a finalidade normativa, se obedeceu à razoabilidade e à proporcionalidade”.
Ana Lúcia Petri ressalta que, quando da expedição da Portaria, o ministro das Relações Exteriores não apresentou a necessária justificativa vinculada ao atendimento do interesse do país, fundamentando apenas no fato dos corréus “poderem desempenhar de maneira mais eficiente suas atividades em prol das comunidades brasileiras no exterior”.
Na opinião da juíza, o ministro das Relações Exteriores agiu de forma omissiva, infringiu os limites objetivos do Decreto 5978/2006 e, em especial, os princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade. “Saliente-se, ainda, ser o Brasil um Estado laico, que assegura o exercício pleno de toda e qualquer crença religiosa, filosófica ou política, de modo que a concessão de passaporte diplomático a líder religioso específico, em detrimento dos representantes das demais religiões, viola, de maneira frontal, o princípio constitucional da isonomia”.
Ana Lúcia Petri acrescenta, ainda, que a atuação como líder religioso no desempenho de atividades da igreja não importa em representação de interesse do país, de forma a justificar a proteção adicional consubstanciada no passaporte diplomático, sendo certo que as viagens missionárias, mesmo que constantes, e as atividades desempenhadas no exterior, não estarão prejudicadas com a utilização de um passaporte comum.
“Desta forma, patente a ilegalidade no procedimento que concedeu o passaporte diplomático aos corréus, devendo ser decretada a nulidade da Portaria de 3/6/2019, do Ministério das Relações Exteriores”, conclui a juíza na sentença. (RAN)
Veja a decisão.
Ação Popular no 5009970-83.2019.4.03.6100