IMPUGNAÇÃO

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DA …ª VARA ________ DA COMARCA DE ……………………

 

ESTADO DO XXXXXXXXXX (XXX), pela Procuradora do Estado infra-assinado, nos autos do Mandado de Segurança impetrado por XXXXXXXXX em face de ato imputado ao ILMO. SR. PRESIDENTE DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO XXXXXXXXXXX– DETRAN-XX vem oferecer IMPUGNAÇÃO na forma preceituada pelo Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado do rio de Janeiro, pelas razões de fato e de direito adiante aduzidas, para afinal requerer:

1 – DA PRETENSÃO AUTORAL

O impetrante, na qualidade de proprietária do veículo placa XXX – 0000, pede o deferimento da ordem, e de sua concessão liminarmente, para proceder à vistoria de seu veículo e emissão do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos, independentemente do pagamento de multa de trânsito que lhe foi aplicada. Pede, ainda, o cancelamento dos autos de infração das multas.

Como se passa a demonstrar, o pleito autoral desmerece prosperar.

2 – DA INEXISTÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO

O Licenciamento – a Legalidade do Ato da Autoridade Estadual

Não se pode deixar de relembrar a clássica definição do renomado professor Hely Lopes Meirelles do que seria o “direito líquido e certo”:

“Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração.” (in Mandado de Segurança, 15a Edição, Editora Malheiros, 1998, pág.25)

A par da discussão doutrinária sobre a natureza do direito líquido e certo, se seria condição da ação ou mérito no mandamus, o fato é que a impetrante carece de “direito líquido e certo” uma vez que, como se vai demonstrar, o ato da autoridade estadual foi praticado em absoluta observância dos termos da lei – Código Brasileiro de Trânsito, arts. 128, VIII, 128 e 131, §2º do CTB, verbis:

“Art.128. Para a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos:
VIII- comprovante de quitação de débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito vinculados ao veículo, independente da responsabilidade pelas infrações cometidas.
Art.128. Não será expedido novo Certificado de Registro de Veículo enquanto houver débitos fiscais e multas de trânsito e ambientais, vinculadas ao veículo, independente da responsabilidade pela infrações cometidas.
Art.131………………………………………………………………
§2°- O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributo, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independente da responsabilidade pelas infrações cometidas.”

A Constituição da República exige para a concessão do writ que o ato da autoridade seja “ilegal ou abusivo de poder” – inciso LXIX do art. 5º. Ora, se o ato da autoridade estadual está amparado pelos exatos termos dos artigos retro transcritos, a conclusão é lógica, qual seja, não há ilegalidade ou abuso de poder a ensejar a impetração de mandado de segurança.

O Poder de Polícia: Restrições à Liberdade Individual – Fonte Constitucional – Atributos da Auto-Executoriedade e da Coercibilidade – Finalidade Precípua (Obtenção de Ato Negativo)

Vale tecer algumas observações sobre o poder de polícia e à possibilidade restrição à liberdade individual consagrada na própria Constituição. De acordo com a definição conferida pelo artigo 78 do CTN:

“Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” .

Como se vê, o poder de polícia é o meio através do qual a Administração Pública impõe restrições à liberdade individual (art. 5º, caput), em prol do interesse público. Ao instituir limitações ao exercício do direito constitucional à liberdade, sua fonte não poderia ser outra senão a própria Constituição – somente norma de igual hierarquia poderia derrogar o direito constitucional à liberdade.

Estando clara sua fonte, cabe destacar que, segundo melhor doutrina, são atributos do poder de polícia a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade. Corroborando o pensamento exposto, afirma HELY LOPES MEIRELLES:

“A razão do poder de polícia é o interesse social e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo.” (in Direito Administrativo Brasileiro, Forense, 18ª edição, 2ª tiragem, pág. 116 ).

Pois bem, assegura a Constituição Federal o direito de propriedade, desde que atenda a sua função social (art. 5º, XXIII), sendo assim, decorre daí que, por razões de interesse público, pode o direito de propriedade ter seu exercício limitado.

Nos primórdios de sua circulação, o uso, gozo e disposição do automóvel não sofria qualquer tipo de controle por parte do Poder Público. Daí, ao início do século deparou-se a sociedade com uma série de incidentes envolvendo tais bens – inúmeros eram os atropelamentos, abalroamentos etc –, percebendo, a partir de então, a necessidade de limitar seu uso através da imposição de regulamentos e proibições aos seus proprietários.

Foi notada a periculosidade que o exercício ilimitado desse direito oferecia ao cidadão, razão por que se estabeleceu como um dos requisitos para o seu uso a demonstração de idoneidade do proprietário. Esta passou a ser aferida, por conseguinte, mormente pela observância às regras de trânsito. Não por outro motivo se impõe a suspensão ou perda do direito de dirigir ao motorista reiteradamente infrator.

O motorista que sofre uma sanção e se nega a cumpri-la, não está apto a assumir as responsabilidades exigidas de um condutor. Exige a sociedade do Poder Público que zele para que somente cidadãos com noção de cidadania e respeito às leis recebam licença para conduzir veículos automotores.

Decorre exatamente das razões supra as regras trazidas nos artigos 128, VII, 128 e 131, §2º do CTB. Segundo estes dispositivos, somente será liberada a licença anual de veículo automotor, denominada de “Certificado de Licenciamento Anual”, quando seu proprietário comprovar a quitação de débitos relativos a multas de trânsito.
A condutora, além de descumprir as regras de trânsito, nega-se a arcar com as consequências de sua ilicitude, que é o pagamento das multas.

Insta salientar que, ao contrário do poder de polícia, o poder de tributar tem por finalidade a arrecadação de rendas ao Estado para lhe possibilitar a prestação dos serviços de sua responsabilidade, enquanto ente voltado à obtenção do bem comum.

A sua finalidade, portanto, é obter uma prestação positiva do cidadão, a saber: o pagamento do tributo, no que se diferencia por completo do poder de polícia. É certo que este, por vezes, exige prestações positivas do indivíduo, como por exemplo o pagamento de multa, como condição para o licenciamento de veículo, no entanto, ao assim agir, não está buscando obter o ingresso de rendas no Tesouro, mas sim, por razões de interesse público, limitar o exercício de uma liberdade individual.

Ilustrativa, a propósito, a lição de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (RDP 9:55):

“o poder de polícia é atividade negativa no sentido de que sempre impõe uma abstenção ao particular, uma obrigação de não fazer. Mesmo quando o poder de polícia impõe, aparentemente uma obrigação de fazer, como exibir planta para licenciamento de construção, fazer exame de habilitação para motorista, colocar equipamento contra incêndio nos prédios, ‘o poder público não quer estes atos. Quer sim, evitar que as atividades ou situações pretendidas pelos particulares sejam efetuadas de maneira perigosa ou nociva, o que ocorreria fora destas condições’. Por outras palavras, mesmo quando se exige prática de um ato pelo particular, o objetivo é sempre uma abstenção: evitar um dano oriundo do mau exercício do direito individual.” .

À luz do até aqui consignado já é possível perceber a distinção entre o poder de polícia e o poder de tributar. No exercício do poder de polícia, quando exigida uma prestação positiva do indivíduo (pagamento de multa como condição de licenciamento), esta não é um fim em si própria, mas meio de assegurar o cumprimento da atividade negativa que lhe é correlata e que atende ao interesse maior da sociedade, enquanto que no poder de tributar o recebimento do tributo é sua finalidade.

Não resta dúvida, então, que o cumprimento da prestação positiva, no poder de polícia, é medida coercitiva para se obter o atendimento à prestação negativa desejada, mas, como visto anteriormente, a coerção é atributo do poder de polícia, sem o qual este se esvai.

Posto que a coerção está intimamente ligada ao exercício do poder de polícia, e considerando que, por vezes, a coerção se concretiza através da exigência do cumprimento de uma prestação positiva do cidadão, com a finalidade de dele obter uma prestação negativa, então, a toda evidência as Súmulas 70, 323 e 587 do STF não se aplicam aos casos em que a Administração Pública age dentro de seu poder de polícia.

A aplicabilidade daqueles enunciados, portanto, é restrita às hipóteses em que o ente estatal invoca seu poder de tributar, caso em que para a cobrança do crédito, se resistido o pagamento, deverá fazer uso da execução fiscal.

No mesmo sentido de tudo o que ficou antes consignado, vale fazer referência aos acórdãos proferido pela 12ª e 18a Câmaras Cíveis do Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado, cujas ementas se seguem:

“O DIREITO DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR é limitado pelas normas que regulam o interesse público, sendo relativo, como é todo e qualquer direito que ornamenta o patrimônio material ou imaterial de cada integrante da sociedade, sempre limitados pelo interesse público ou social.
O direito assiste a quem cumpre o dever exigível.
Não cumprindo o dever exigível do pagamento de multas de trânsito, independentemente da responsabilidade das infrações cometidas, não poderá o proprietário de veículo automotor reclamar o direito de transferência ou licenciamento, por não encontrar sua pretensão respaldo no Direito Objetivo. Ato legítimo da administração.
Desprovimento do apelo interposto.
Atendimento dos artigos 123; 128, VIII; 128; 131, parágrafo 2º, e 285, do Código de Trânsito Brasileiro.” (TJRJ – 12ª Câm. Cível – Ap. Cível nº 3.627/2.000 – Rel. Des. Alexandre H. P. Varella – julg. 30/05/2.000).

“Mandado de Segurança. Exigência da autoridade de transito, que condiciona ao prévio pagamento das multas por infração a normas de circulação viaria a realização de vistoria no veículo, necessária `a expedição do certificado de licenciamento anual. Legitimidade. Expressa previsão legal introduzida posteriormente `a legislação que inspirou a Sumula 127 do STJ. Inaplicabilidade de seu Enunciado. Não ofende, a aludida exigência, as garantias constitucionais da observância do devido processo legal para perdimento de bens, e do direito de defesa assegurado a litigantes em processos administrativos ou judiciais. Reforma do julgado. (IRP)
(Processo n. 2000.001.8011 – Apelação Cível – 18a Câmara Cível – Rel. Desembargador Nascimento Povoas Vaz – Julg. 19.09.2000.)

Descabimento da Impugnação das Multas Impostas

Por fim, está totalmente desprovido de cabimento o pedido derradeiramente formulado, no sentido de anulação do auto de infração que impôs a multa por infração de trânsito.

A impetrante impugna especificamente o auto de infração nº Y28989058, que, de acordo com a própria exordial, é datado de 18/10/2000. Ora, já de há muito se expirou o prazo decadencial de 120 dias previsto na Lei nº 1533/51 para a impugnação de ato de autoridade pela via do mandado de segurança!

Ainda que assim não fosse, melhor sorte não teria o writ. Ocorre que esta via não é compatível com a instrução probatória inerente ao pedido autoral. Pretende a impetrante o desfazimento de ato administrativo sob a alegação de que a sinalização no local da multa estava em desacordo com as normas legais aplicáveis e que os instrumentos da barreira eletrônica devem ser periodicamente submetidos a manutenção e reajustes.

No entanto, não há a mais mínima demonstração probatória de que o local não dispusesse da devida sinalização. Tampouco há qualquer elemento válido e concreto capaz sequer de supor que os instrumentos da barreira eletrônica pudessem conter algum tipo de irregularidade. A prova de tais fatos, ainda mais diante do decurso de prazo transcorrido, não poderia ser produzida senão pela realização de perícia técnica e outras formas complexas de instrução probatória. A incompatibilidade com o rito do writ é incontestável.
Conclusão

Por todo o exposto e reiterando as informações da autoridade estadual apontada como coatora, impõe seja extinto o writ em relação ao pedido de anulação do auto de infração, diante da decadência e da incompatibilidade do pedido com o rito eleito e, de outro lado, seja denegada a ordem quanto ao pedido de licenciamento do veículo e expedição do certificado CRLV sem o prévio pagamento das multas devidas.

 

Pede Deferimento.
XXXXXXXXXXX, XX de XXXXXXXX de XXXX.

Advogado
OAB/UF


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