TRT/MG: Gerente de clube de pôquer não tem reconhecida relação de emprego por inexistência de objeto lícito

A Justiça do Trabalho não reconheceu a relação de emprego entre um clube de pôquer e um trabalhador, que exercia a função de croupier dealer, conhecido também como gerente de jogos. A decisão é dos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, que mantiveram, sem divergência, a decisão proferida pelo juízo da 3ª Vara do Trabalho de Uberlândia.

A desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, relatora no processo, entendeu que, tratando-se de vínculo de emprego celebrado em decorrência de prática ilícita, não há como conferir validade ao negócio jurídico, nos termos do artigo 104 do CCB, que expressamente exige objeto lícito. Segundo a julgadora, aplica-se ao caso, por analogia, o entendimento cristalizado na OJ-199 da SBDI-I do TST. “É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico”, diz o texto da orientação normativa.

O trabalhador informou que firmou contrato com a empregadora em 18/2/2016, realizando as atividades de embaralhar (cartas de baralho), administrar as mesas de pôquer, manter a ordem das mesas, distribuir e gerenciar os jogos, os torneios e as apostas. Contou ter sido dispensado em 17/3/2020, sem justa causa. No intuito de provar suas alegações, juntou os documentos que comprovam os créditos e os débitos de valores na empresa, o uso de uniforme na mesa de carteado, o movimento do local e as conversas em grupos de aplicativo de mensagens.

Segundo a julgadora, ao contrário do alegado pela empregadora em defesa, havia ingerência dos proprietários na prestação de serviços. E testemunhas ouvidas no processo confirmaram a prestação de serviços. Uma delas disse que “foi contratada, em fevereiro de 2016, para exercer a função principal de caixa, mas também trabalhava como atendente e garçom”.

Explicou ainda que recebia remuneração fixa de R$ 4.500,00 por mês, mais gorjetas de R$ 500,00 a R$ 1.000,00, e que trabalhava seguindo escala em três ou quatro dias por semana. Informou ainda que a casa fechou em março de 2020, em razão da pandemia, mas que só foi dispensada em maio daquele ano.

Apesar disso, a relatora entendeu que o caso dos autos apresenta óbice intransponível ao reconhecimento da relação de emprego, consubstanciado na validade do próprio negócio jurídico. “Isso porque uma das funções do trabalhador era o gerenciamento de apostas. Neste cenário, muito embora possa se afastar a configuração do pôquer como jogo de azar, por não depender exclusiva e principalmente do elemento sorte, as apostas efetuadas constituem-se como práticas ilícitas, afrontando o artigo 104 do CCB, que exige, para a validade do negócio jurídico, a existência de objeto lícito”, explicou.

Para a magistrada, não há como dissociar o trabalho prestado pelo reclamante e o objeto ilícito no qual se sustentava a atividade da empregadora diante da realização das apostas. “É certo que tal ilicitude atrai a nulidade do negócio jurídico. Entendimento contrário pode estimular a prestação de labor em atividades ilícitas, vedadas pelo ordenamento jurídico”, ressaltou a julgadora, que, dessa forma, não reconheceu o vínculo de emprego do profissional com o clube de pôquer e outra empresa de eventos, que juntas faziam parte do mesmo grupo, e ainda com os dois sócios, que também eram réus no processo. Não houve mais recursos e o processo já foi arquivado definitivamente.

Processo n° 0010789-36.2020.5.03.0103


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