TJ/MG: Juiz dá sentença em versos sobre usucapião em prédio histórico

O imóvel fica em Palma, na Zona da Mata mineira.


A sentença de um processo de usucapião ajuizado pelo Estado de Minas Gerais foi proferida em forma de versos pelo juiz da Vara Única da Comarca de Palma, na Zona da Mata mineira, Antonio Augusto Pavel Toledo.

A sentença em verso, com métrica, rima e ritmo, trata de um processo referente ao sobrado histórico localizado na Praça Getúlio Vargas e onde há mais de oito décadas funciona o Fórum Wilson Alvim Amaral, da Comarca de Palma. O documento formaliza a situação legal do espaço.

Em estrofes de tamanho e esquema de rimas variáveis, o magistrado apresenta o pedido e os argumentos que sustentaram as alegações do autor da ação, o Estado de Minas Gerais. Foram apresentadas fotos de placas históricas da reconstrução do prédio, ocorrida entre 1977 e 1980, e do centenário da comarca, completado em 1992, além de fotos e depoimentos de uma testemunha de mais de 100 anos de idade. A solicitação contou com parecer favorável do representante do Ministério Público.

Na sentença em forma de poesia, datada de 11 de janeiro, o juiz Antonio Pavel Toledo recupera a história da edificação, que remonta aos fins do século XIX, mais precisamente a 1892, quando foi instalada a comarca, criada em 13 de novembro de 1891. Um novo prédio deverá em breve acolher o Fórum Wilson Alvim Amaral e os trabalhos jurisdicionais, disponibilizando a sede histórica para outras atividades.

Segundo os versos da sentença, o “portentoso e belo edifício”, que homenageia advogado nascido em 1910 e falecido em 1972, “é testemunha eloquente de um povo, sua gente, de uma terra e sua alma”. Por essa razão, é necessário preservar o monumento, patrimônio dos palmenses, honrando sua memória e protegendo-o do abandono.

O julgador ponderou que as provas dos autos confirmam a posse e as condições para o registro em nome do Estado e determinou a regularização da propriedade do atual prédio, para fins de destinação futura.

Processo n° 5000169-84.2021.8.13.0467


Veja a sentença na íntegra:

“Pede o Estado de Minas Gerais
Que se declare, por usucapião,
Observados os termos legais,
Em originária aquisição,
A propriedade de um sobrado
Onde se encontra instalado
Todo o serviço judicial:
O Fórum Wilson Alvim Amaral.
E para tanto o Estado argumenta,
Que desde a década de quarenta,
No século próximo passado,
Tem a posse do bem mencionado.
Alega que o possui mansamente,
De forma pacífica, inconteste,
Ausente lapso de interrupção.
Sem ato primitivo que documente,
Apresenta, como prova que o ateste,
A placa histórica da reconstrução.
E para melhor embasar o pleito,
Cita doutrina e jurisprudência.
Pede que se reconheça o direito,
Decidindo-se pela procedência.
Procedidas todas as citações,
E cada notificação de rigor,
Seguiu-se o rito sem altercações.
Nenhuma objeção apresentada,
Manifestou o Douto Promotor
A favor da medida pleiteada.
Sendo este o breve relato,
O necessário e adequado resumo,
Estando tudo nos termos, no prumo,
Atento ao instrutório correlato,
Focado nos limites do pedido,
Passo a analisar e decido.
Antes do estudo de mérito,
Remontando o tempo pretérito,
Faz-se importante ressaltar,
Que a história deste lugar,
Tem o Fórum como marca.
O surgimento do Município,
Se confunde, desde o princípio,
Com o nascer da Comarca.
Imponentemente erguido,
Na Praça Getúlio Vargas,
Por alguém temido e destemido,
De passagens boas e amargas,
Que firmo não ter existido,
Igual nesta e noutras plagas.
E assim tão bem erigido,
No centro e coração de Palma,
É testemunha eloquente
De um povo, sua gente,
De uma terra e sua alma.
É, portanto, um monumento,
Um portentoso e belo edifício.
Que aos olhos do habitante,
E mesmo do mero viajante,
Demonstra a pujança do início.
Não cabe deixar sem registro,
O bem histórico representado,
Acéfalo do seu legítimo dono.
Necessário preservar tudo isto,
Evocando o tempo passado,
E protegendo do abandono.
Define-se no Código Civil:
Aquele que mansamente se viu,
Possuidor de um bem imóvel,
Adquire-lhe a propriedade,
Tendo o domínio por móvel,
Ânimo de dono e autoridade.
Mas deve exercer esta posse,
Por década e meia, ao menos;
Sem interrupção, nem oposição.
Ter o bem como se próprio fosse.
Justo título e boa fé é de somenos;
Irrelevante, pra fundar a pretensão.
Poderá pedir, então, ao juiz,
Conforme o estatuto diz,
Que o declare em julgamento.
Para servir de documento,
Que, espelhando a realidade,
Lhe outorgue a titularidade.
As provas colhidas mencionam
Que os serviços funcionam
No prédio objeto do pedido
Há mais tempo que o exigido.
Sugerem os dados coligidos,
Que a posse realmente remonta
O limiar do século passado.
Época áurea de tempos idos
Que, segundo a história conta,
Fora um período abastado.
Não há, como se confessa,
Documento primitivo a respeito.
Mas outros demonstram o direito:
A posse aquisitiva pregressa.
Apura-se exata demonstração
Da época da reconstrução:
Mil novecentos e setenta e sete,
A mil novecentos e oitenta.
Respalda, assim, o que se pede;
O que na exordial se sustenta.
Prova-se devidamente o alegado,
Inclusive com a placa que marca
O centenário da Comarca,
Efusivamente comemorado,
Em mil novecentos e noventa e dois.
E ainda lá se encontra o edifício
Servindo, assim como no início,
Passados tantos anos depois.
Além do acervo fotográfico,
Há nos autos, emblemático,
O depoimento de Dona Fia.
Tomado da varanda de sua casa,
De onde vê o que se passa,
Enquanto o terço desfia.
Testemunha presente da história,
Arquivo vivo da memória,
De um povo e seu dia-a-dia.
Sra. Maria Rodrigues Pinto, Altiva e de porte distinto,
Do alto de mais de cem anos,
Coerente, segura, sem enganos,
De forma clara, declara: Desde a década de cinquenta
O prédio que se lhe apresenta,
Serviu somente ao Judiciário;
E não há prova em sentido contrário.
A instrução assim produzida,
Indica, sem um vacilo qualquer,
Que se deve acolher, dar guarida,
À pretensão nos autos trazida,
Àquilo que o Estado requer.
Pelo exposto e fundamentado,
Provada a posse e o tempo exigido,
Demonstrados os requisitos legais,
Não há como não ser acatado,
Na integralidade, o pedido,
Provado o fato, a não poder mais.
É assim que julgo procedente,
A pretensão estatal pertinente,
Declarando a aquisição originária
Da propriedade do bem descrito.
Determino expedição cartorária
Do mandado pra “lançar” o registro.
Não havendo qualquer resistência,
E como o Estado, ademais, é isento,
Descaracterizada a sucumbência,
Ao final deste pronunciamento.
E por conta desta circunstância
Repercutem, como corolários,
Ao menos nesta primeira instância:
Ausências de custas e de honorários.
Tendo a decisão por proferida,
Que atue o serviço, em seguida,
Intimando e também registrando,
Publicando para conhecimento.
E cerrem-se os autos, arquivando,
Após cumprido o julgamento.

Antônio Augusto Pavel Toledo – Juiz de Direito”


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento