Parecer jurídico – Rescisão de contrato de consórcio – Pagamento com cheque sem fundos

Sergio Wainstock
Advogado – Consultor Jurídico no Rio de Janeiro
Direito Civil e Comercial
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C O N S U L T A

ADRIANA vendeu, em 27 de maio de 2001, para o Sr. LUIZ, um veiculo de sua propriedade, de marca VW/SAVEIRO 1.8, TIPO CAMINHONETE, DE COR: VERMELHA, ANO 2001, com alienação fiduciária em favor do Consorcio ______. A negociação se deu na forma a seguir: LUIZ entregou à ADRIANA um cheque, no valor de R$ 13.500,00, , de sua titularidade; o comprador ficaria responsável pelo pagamento de mais R$ 5.000,00, (cinco mil reais), junto ao Consorcio _____, de saldo devedor, dividido em 30 prestações de R$ 256.16. Inadvertidamente, a autora entregou ao comprador o veículo e mais toda a sua documento original, necessária para trafegar, com exceção do documento de transferência. De posse dos referido cheque, a consultente o repassou para terceiros e este, por sua vez, depositou o cheque exatamente na data aprazada, dia 27/06/2001.

Ocorre que o referido cheque foi devolvido, por insuficiência de fundos, e, então, ADRIANA procurou o sr. LUIZ e até a presente data não logrou êxito a intenção de receber, amigavelmente, o que lhe é devido ou rescindir o negócio e obter o seu carro de volta. ADRIANA, assim, foi obrigado a resgatar o cheque entregue a terceiros e suportar prejuízo.

Além do mais, constatou a ora consultante que o veiculo se encontra com a vistoria atrasada junto ao Detran, com o pagamento do IPVA e do seguro atrasado, com multa de violação de trânsito, perfazendo um montante de R$ 1.074,56. E quanto às prestações assumidas pelo adquirente junto ao consórcio, sempre estão em atraso, gerando constantes notificações e protestos em cartório em nome da vendedora.

O fato é que a consultente está desesperada, pois não conseguiu, até agora receber o valor do cheque, não conseguiu reaver o automóvel de sua propriedade, e, além do mais, existe uma dívida que está se acumulando em seu nome, perante do Consórcio ______, e perante outros órgãos públicos; inclusive as multas que estão vindo em seu nome acumulam pontos, de forma que ela muito em breve, ficará impedida de dirigir.

E, assim, vem, a consultente solicitar um parecer jurídico para servir de orientação de uma possível medida judicial que vier a propor.

PARECER JURÍDICO

No caso de inadimplemento contratual, o ato violador de direito não é ato contra a pessoa, mas, sim, ato contra o conteúdo do contrato. Isto é, o interesse imediato a que se visa proteger é o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, razão por que o que se sanciona é o não cumprimento do contrato, e por causa dele é que, indiretamente, se protege o dano material resultante.

Pode-se considerar que a hipótese trata de um caso de inadimplemento contratual – ainda que verbal – que pode implicar na mera cobrança da obrigação, por meio de uma ação ordinária, onde exige-se prova convincente da negociação, bem como do respectivo débito; ou do pedido de rescisão contratual, voltando, as partes, ao status quo ante, também com a obrigação de o devedor indenizar ao credor, por perdas e danos.

O inadimplemento culposo das obrigações é disciplinado, principalmente, nos artigos 1.056 a 1.058, que se encontram no capítulo cujo título é este: “Das consequências da inexecução das obrigações”.

Relativamente ao art. 1.056 do Código Civil, cumpre ressaltar, mais uma vez, a base empírica ou suporte fático que constitui seu necessário pressuposto (“não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos…”).

Também sintomático é o entendimento da jurisprudência de nossos tribunais:

OBRIGAÇÃO DE FAZER – DECURSO DE PRAZO: CARACTERIZAÇÃO DA MORA DO DEVEDOR, VIOLAÇÃO DE DISPOSIÇÕES CONTRATUAIS: INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – ….. Violado o contrato, em várias de suas disposições, ocorre a obrigação de indenizar. Danos indenizáveis são aqueles que resultam, necessariamente, da falta de cumprimento de obrigação. …..Princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos permitem que às perdas e danos se acrescerá a pena estipulada por inadimplência de cláusula contratual, conforme estipulado pelas partes. Recurso improvido. (TJBA – AC 217/85 – 3ª C. – Rel. Dês. Mário Albiani)

Estamos, em realidade, diante de um contrato bilateral. Com o inadimplemento da obrigação impõe-se, nos termos do art. 1.092, § único, do Código Civil a rescisão do contrato, com a imposição de perdas e danos.

Dispõe o art. 1.092 do Código Civil:

Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro…………….

Parágrafo único. A parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos.

Neste sentido, é também a jurisprudência de nossos tribunais:

PROMESSA DE COMPRA E VENDA – CESSÃO DE DIREITO. INADIMPLEMENTO. RESCISÃO CONTRATUAL. – O contrato de cessão de promessa de compra e venda e bilateral, o que implica na impossibilidade de execução de prestação nela prevista. Seu descumprimento leva a rescisão, com perdas e danos. Incidência do art. 1092 do CCB. (TARS – AC 26.334 – 3ª CCiv. – Rel. Juiz Sérgio Carvalho Moura – J. 28.10.1981)

Assim, tem-se que os atos jurídicos são anuláveis por dolo quando este for a sua causa (art. 92 do Código Civil). Considerando que o cheque é um título de pagamento à vista, a falta de fundos implica em nulidade do contrato por emissão indevida do documento.

Na verdade, o cheque sem fundos não constitui pagamento e é causa de rescisão contratual. Se a transação não foi aperfeiçoada com o pagamento do preço ajustado, em razão de o cheque não ter provisão de fundos e restar evidenciado ter sido o vendedor induzido a erro pelo comprador, que entabulou o negocio sem pretender quitar o preço ajustado, resulta, inevitavelmente, na procedência do pedido para declarar rescindido o negócio, retornando, as partes, ao status quo ante, conforme unânime jurisprudência de nossos tribunais:

COMPRA E VENDA – Pagamento com cheque sem fundos: inadimplemento. Rescisão contratual. O contrato de compra e venda se exaure com a efetiva entrega do bem e efetivo pagamento. Quando o pagamento é feito com cheque, este tem caráter pro soluto, se houver fundos suficientes para o seu resgate. Se dado em garantia ou sem fundos ou por compra a prazo seu efeito é pro solvendo. Com a Lei 7.357, de 02.09.1985, o cheque somente se apresenta como título de crédito para pagamento à vista. No entanto, dadas as facilidades comerciais e o estímulo do próprio governo, o cheque é emitido como garantia de pagamento e não perde suas características originais consoante se vê do final do art. 4º. Para os formalistas, que sempre admitem o cheque como título de pagamento à vista, a falta de fundos implica nulidade do contrato por emissão indevida do documento – inteligência do art. 92 do CC. Para os liberais, o cheque dado em garantia ou sem fundos não constitui pagamento e é causa de resolução contratual. (TJDF – EIC 29.530 – DF – (Reg. Ac. 71.649) – 1ª C. – Rel. Des. João Mariosa – DJU 08.09.1994)

Acórdão Número: 20570 -Processo: 0267937-2 Apelação (Cv) -Ano: 1998-Comarca: Uberlândia/Siscon -Origem: Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais -Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível -Relator: Juiz Fernando Bráulio -Data Julgamento: 26/11/1998 -Decisão: Unânime –

Ementa: RESCISAO CONTRATUAL – COMPRA E VENDA – VEICULO – INADIMPLEMENTO -CHEQUE SEM FUNDOS – BUSCA E APREENSAO – PROCESSO CAUTELAR- HAVENDO OCORRIDO A INADIMPLENCIA DO COMPRADOR, QUE EFETUOU OPAGAMENTO DA MAIOR PARTE DO PRECO COM CHEQUE SEM PROVISAO DE FUNDOS,IMPOE-SE A CONFIRMACAO DA SENTENCA PELA QUAL FOI DECRETADA, POR ESSEMOTIVO, A RESCISAO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEICULO, E TORNADADEFINITIVA A BUSCA E APREENSAO DO REFERIDO BEM, DEFERIDA LIMINARMENTEEM ACAO CAUTELAR.

Acórdão Número: 20031 -Processo: 0253833-0 Apelação (Cv) -Ano: 1998-Comarca: Belo Horizonte/Siscon -Origem: Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais -Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível- Relator: Juíza Jurema Brasil Marins -Data Julgamento: 05/05/1998-Dados Publicados: RJTAMG 72/107 -Decisão: Unânime -Ementa: COMPRA E VENDA – VEICULO – PAGAMENTO – CHEQUE SEM FUNDOS – RESCISAO CONTRATUAL – PERDAS E DANOS – PEDIDO SUCESSIVO – MA-FE- INEXISTE OBICE LEGAL A ANULACAO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEICULO SE A TRANSACAO NAO FOI APERFEICOADA COM O PAGAMENTO DO PRECO AJUSTADO, EM RAZAO DE O CHEQUE NAO TER PROVISAO E RESTAR EVIDENCIADO TER SIDO O VENDEDOR INDUZIDO A ERRO PELO COMPRADOR, QUE ENTABULOU O NEGOCIO SEM PRETENDER QUITAR O PRECO AJUSTADO, HAVENDO, ASSIM, LICITUDE JURIDICA EM RETORNAR AS PARTES IN STATUS QUO ANTE.- NA HIPOTESE DE OS AUTORES, NA PECA DE INGRESSO, TEREM FORMULADO PEDIDOS SUCESSIVOS, E IMPRESCINDIVEL QUE OCORRA PRESTACAO JURISDICIONALA CADA UMA DAS PROPOSICOES, PARA O CASO DE SE BUSCAR, NA EXECUCAO, AQUELA QUE SE TORNAR VIAVEL EM FACE DA IMPOSSIBILIDADE DE SE OBTER O BENEFICIO EXPOSTO NO ATO SENTENCIAL, QUANDO OUTRO PUDER SUPRI-LO, EMBORA DE FORMA DIVERSA.

Na interpretação dos contratos e das cláusulas gerais de negócio, podemos afirmar que o MM. Juiz de atentar as exigências da equidade, para fixar o justo tempo entre os interesses e as pretensões das partes contratantes, preenchendo o vazio dos conceitos indeterminados e fazendo a valoração dos conceitos normativos, de modo a atender à exigência maior de justiça.

Ademais, a consultante poderá, também, solicitar a antecipação da tutela.

O direito a uma prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável é, indiscutivelmente, um direito de cidadania, e neste sentido novamente argumenta, com muita propriedade, o Professor JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (Tribuna do Direito, pág. 4), citando, inicialmente, como suporte jurídico para seu posicionamento, o multimencionado § 2º do artigo 5º da Lex Fundamentalis, que invoca os tratados e convenções, dos qual o Brasil seja signatário, para depois dizer que: “Oportuno lembrar, nesse particular, que o nosso País aderiu, em 26.05.92, à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, em 69, que preceitua em seu art. 8º, 1: `Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior…’. Ora, a despeito da garantia do `due process of law’ (art. 5º, LIV, CF), pressupor, por óbvio, o direito ao rápido desfecho do litígio ou da `persecutio criminis’, encontra aplicação, no ordenamento jurídico brasileiro, dada sua inequívoca compatibilidade, a regra contida na supratranscrita norma. ”

Frente ao importante objetivo da tutela antecipada, torna-se indispensável que os Juízes, tenham não só a real latitude deste instituto de pouco tempo de existência, mas principalmente a compreensão de usá-lo de forma adequada, se não afastando, pelo menos diminuindo o risco da morosidade da prestação jurisdicional.

Consoante se expõe, à guisa de embasamento, nas tutelas antecipadas, destaca-se que o Magistrado goza de certa discrição, embora esta não é de índole absoluta porquanto repousa em critérios legais autorizadores. Com efeito, analisando a excepcionalidade de cada caso, evidenciados o fundado receio de lesão, a sua gravidade ou irreparabilidade e a ineficácia da medida, é que se autoriza a referida medida como meio e modo de preservar certas situações, ou evitar que outras ocorram. Estes são exemplos típicos dos critérios que deve orientar o Juiz na aferição da oportunidade e plausibilidade da concessão da antecipação da tutela .

Portanto, o pressuposto para a concessão da tutela antecipada tem caráter de cunho provisório e tendente a garantir o resultado útil do futuro, consoante a doutrina da “instrumentalidade hipotética” de CALAMANDREI, e, no presente caso, se vislumbra, evidentemente, os pressupostos de sua admissibilidade, nos exatos termos do art. 273 do CPC, que assim dispõe:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, anterior, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança, da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Firmados tais conceitos, em consonância com o disposto no art. 273, do CPC, se configura os pressupostos da admisssibilidade da antecipação da tutela, dentre os quais, o fundado receio de dano irreparável. De fato, se faz necessário o deferimento de antecipação de tutela, em face do “periculum in mora” de que, até, os termos ulteriores do processo, a medida tornar-se-á ineficaz, com sérios prejuízos para a vendedora do bem.

Ou seja, em outras palavras, impõe-se, à hipótese a concessão da tutela antecipada, tendo em vista o fundado receio de dano irreparável e de difícil reparação, tendo em vista a possibilidade de o questionada veículo, que se encontra em mãos de terceiro, acabar por desaparecer das redondezas da comarca, passando a ser quase impossível a sua recuperação, vindo a causar à consultante um prejuízo irreparável.

CONCLUSÃO

Em suma, pode-se considerar que a hipótese trata de um caso de inadimplemento contratual que pode implicar tanto na mera cobrança da obrigação, por meio de uma ação ordinária, onde se irá exigir prova convincente da negociação, bem como do respectivo débito; ou do pedido de rescisão contratual, voltando, as partes, ao status quo ante, e também com a obrigação de o devedor indenizar ao credor, por perdas e danos.

Como já se afirmou, o cheque sem fundos não constitui pagamento e é causa de rescisão contratual. Se a transação não foi aperfeiçoada com o pagamento do preço ajustado, em razão de o cheque não ter provisão de fundos e restar evidenciado ter sido o vendedor induzido a erro pelo comprador, que entabulou o negocio sem pretender quitar o preço ajustado, resulta, inevitavelmente, na procedência do pedido para declarar rescindido o negócio, retornando, as partes, ao status quo ante, conforme entendimento unânime de nossos tribunais.

Para finalizar, caberá à consultante, em consonância com o disposto no art. 273, do CPC, se valer do pedido de antecipação de tutela, pois que se configura, na hipótese, os pressupostos de sua admisssibilidade, dentre os quais, o fundado receio de dano irreparável. De fato, se faz necessário o deferimento de antecipação de tutela, em face do “periculum in mora” de que, até, os termos ulteriores do processo, a medida tornar-se-á ineficaz, com sérios prejuízos para a vendedora do bem.

Este é o nosso parecer.

Fonte: Escritório Online

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