Sentença. Excessos de encargos na aquisição de linha telefônica

Márcia Silvana Cezar Silveira
Advogada em Porto Alegre/RS
Juíza leiga do 5º Juizado Especial Cível de Porto Alegre/RS

Esse trabalho foi elaborado quando a Dra. Márcia Silvana Cezar Silveira atuou como Juíza leiga do 5º Juizado Especial Cível de Porto Alegre/RS
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Doc. elaborado em 23 de setembro de 1999.

5º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

REQUERENTE:

REQUERIDO: …COMPANHIA TELEFÔNICA …

N.º DO PROCESSO:

VISTOS, ETC.

1. RELATÓRIO

Dispensado na forma do art. 38 da lei 9.099/95.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de relação de consumo, em que o adquirente de boa-fé não foi devidamente esclarecido da real situação, ou seja, da existência de uma taxa de habilitação pendente em relação ao bem adquirido. Apesar de ter adquirido o bem do primeiro requerido, este não tem a mesma obrigação da Segunda requerida, que é a real prestadora de serviços em fornecer todos os esclarecimentos pertinentes e devidos com fulcro no art. 6º, III, do Código de Defesa do consumidor, que determina a prestação de todas as informações do real estado do bem, objeto de consumo, serão prestadas ao consumidor. Ao adquirir a transferência da linha e o aparelho ofertado pelo primeiro requerido, o requerente se dirigiu até uma das lojas da Segunda requerida, buscando as informações sobre o bem supra citado. Contudo, conforme depoimento pessoal do requerente e do primeiro requerido, ambos procuraram a Segunda requerida, tendo-lhes esta informado que não havia débito pendente. Frente a prova colhida, observa-se que o requerente e o primeiro requerido (ambos pessoas muito simples), apesar de leigos, no que concerne a telefonia móvel foram unânimes em suas respostas, e uma vez inquiridos, foram uníssonos em dizer: “que não havia débitos pendentes” (fl. 16/verso), mais contundente é a colocação do requerente a fl. 16, quando diz: “que o débito não havia sido agendado no dia em que procuraram a primeira vez as informações junto a CRT “. Ora, certamente é o tipo de informação prestada por quem ali trabalha. De outra sorte, alega a requerida a fl. 18:

“Sendo que o autor tomou ciência de todos os atos relativos à aquisição do celular quando da assinatura do Termo de Transferência Definitiva (em 19/02/99)”, porém mais adiante coloca que “Ao celebrar a compra e venda do documento, o Autor deveria Ter tomado a cautela necessária, resguardando seus direitos e obrigações quanto à negociação dos valores cobrados na prestação do serviço móvel celular junto com o cedente.

No presente caso, não havia sido rodada nenhuma fatura, razão pela qual o Autor ao adquirir o documento assumiu o valor da taxa de habilitação” (copiei e grafei)

Contudo, já foi elucidado anteriormente que o requerente e o primeiro requerido compareceram a uma das lojas da Segunda requerida, tendo lá obtido a informação de não haver débito pendente. Ademais, a fornecedora de serviço efetivamente é a Segunda requerida, cabendo-lhe portanto todos os esclarecimentos de preços, serviços, datas, valores, vencimentos, tudo pormenorizado, segundo o que preceitua o art .6º-CPC

“São direitos básicos do consumidor

III- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços , com especificação correta de quantidade , características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam.”

Porém como já foi colocado anteriormente, trata-se de pessoa simples, por isto, no caso em tela, cabe a aplicação, ainda, do art. 39, IV, do CDC que diz:

“É vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas:

– prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;” (grafei)

Ademais o doc. de fl. 25 juntado pela Segunda requerida e grifado pela mesma diz: “.. não se eximindo de eventuais débitos anteriores, responsabilizando-se, também, pelas informações contidas neste documento”, porém, o que aqui se vislumbra é exatamente a falta de informação prestada pela Segunda requerida, e mais desfavorável a mesma é a imposição de cláusulas leoninas como obrigar alguém a se tornar credor de débitos eventuais, vindo esta imposição na contramão, mais uma vez, do CDC em seu art. 51, IV:

“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

– estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;”

Reitera-se aqui a necessidade da especificação de todas as informações de forma clara e objetiva, então a existência de débitos eventuais é uma ficção, aliás, muito lucrativa para a Segunda requerente. Outrossim mister salientar, ainda, que o doc. juntado pela Segunda requerida a fl. 37, além de estar assinado pelo primeiro requerido, não prova em nenhum momento que o requerente tenha tomado conhecimento do mesmo, nem da diferença entre o sistema digital e analógico. No entanto, cabe esclarecer que o requerente reconheceu seu débito no valor de R$ 216,83 durante o período de utilização da linha que se deu entre 20/02 a 01/04 de 1999.

3. DA DECISÃO

Isto posto, opino pela PARCIAL PROCEDÊNCIA da ação para condenar a Segunda requerida a desbloquear a linha telefônica, sucumbindo também no que tange ao recebimento do valor de R$ 434,57(quatrocentos e trinta e quatro reais e cinquenta e sete centavos) referente a cobrança da linha analógica, uma vez que deu causa a presente demanda não tendo cumprindo o que preceitua o CDC quanto as informações e esclarecimentos que devem ser prestados ao adquirente. Ao requerente caberá o pagamento das demais despesas inclusas nas contas telefônicas (fl. 29), cujo o total perfaz R$216,83(duzentos e dezesseis reais e oitenta e três centavos), corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir do ajuizamento e juros legal da citação, eximindo-se do pagamento tanto ao que se refere a taxa de habilitação, como das demais cobranças que ocorreram após o corte da linha. Os valores serão compensados no que se equivalerem. O primeiro requerido deverá ser excluído da demanda, por não ser ele o fornecedor do serviço, portanto também não é sua a obrigação de esclarecimentos, restando esclarecido que a relação de consumo se deu diretamente entre o requerente e a Segunda requerida.

A apreciação do juiz de direito do 5º Juizado Especial Cível.

Porto Alegre, 23 de setembro de 1999.

Marcia Silvana Cezar Silveira

Juíza leiga

Fonte: Escritório Online

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