EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ….ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS DA COMARCA DE ….
…., pessoa jurídica de direito privado com sede na Av. …. nº …., na Comarca de …., inscrita no CGC/MF sob nº …., por seus advogados no final firmados, UT instrumento de mandato e substabelecimento inclusos (docs. …. e ….), Dr. ….., inscrito na OAB/… nº …. (CIC/MF nº …..), Dr. ….., inscrito na OAB/… nº ….. (CIC/MF nº ….); Dr. ….., inscrito na OAB/…. nº …. (CIC/MF nº ….), com escritório na Rod. BR …., Km …. nº …., na Comarca de ….., onde recebe intimações, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência impetrar o presente
MANDADO DE SEGURANÇA
contra ato iminente a ser praticado pelos Senhores …. e …. – ….ª Delegacia da Receita, ou pelas pessoas que suas vezes estiveram fazendo, podendo a primeira Autoridade ser encontrada na Rua …. nº …., na Comarca de ….; e a segunda Autoridade na Rua …. nº …., na Comarca de …., com suporte no artigo 5º, inciso LXIX da Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 1.533 de 31.12.51, pelos fatos, razões e fundamentos a seguir expostos:
I – DOS FATOS
1. A Impetrante é empresa que atua no ramo de comércio varejista de veículo automotores da linha …., conforme prova pelo “contrato padrão” celebrado entre a …. e a Revendedora, concessionária ora impetrante (doc. ….), atuando nas áreas demarcadas dos municípios de …. e …., no Estado do …., observada a Lei nº 6.729 de 28.11.79 e Convenção da Marca …., e como tal está sujeita à tributação pelo “Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS”, no referido Estado, como provado pelo documento anexo (doc. ….).
2. Todavia, por força das disposições do art. 3º do Decreto nº 6.465 de 29 de dezembro de 1989, no Estado do …., editado com base no Convênio – ICMS nº 107, de 24 de outubro de 1989, firmado também pelo Estado do …. e Estado de …. na ….ª Reunião Extraordinária do Conselho de Política Fazendária, realizada em …. em …/…/…, que dispõe sobre a tributação tributária nas operações com veículos automotores, passou a Impetrante a ser constrangida ao recolhimento antecipado do tributo, via montadora, eleita, no caso como substituta tributária, conforme consta da cláusula primeira do referido convênio (docs. …. e ….).
“Cláusula Primeira – Nas operações interestaduais com veículos classificados nas posições …. a …. da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias – Sistema harmonizado – fica atribuída ao estabelecimento industrial fabricante a responsabilidade pela retenção e recolhimento do Imposto de Circulação de Mercadorias devido na subsequência saída ou na entrada com destino ao ativo imobilizado.
§ 1º – O disposto nesta Cláusula aplica-se aos acessórios colocados no veículo pelo estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto.”
Com base de cálculo do ICMS nas operações com veículos automotores na referida substituição tributária, ficou firmado no Convênio acima referido:
“Cláusula Terceira – A base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária será o valor correspondente ao preço de venda ao consumidor constante na tabela estabelecida por órgão competente ou, na falta desta, pelo fabricante, acrescido do valor do frete e do IPI.” (Docs. …. e ….)
3. Com efeito para que possa continuar a desenvolver sua atividade fim de revenda de veículos automotores, a Impetrante deve desembolsar quando da aquisição das mercadorias o imposto que sempre seria devido a partir da revenda das mesmas (doc. …. oposição ao doc. ….).
E ressalta-se ainda que, diante da situação econômica pela qual passa o País, as revendas, como é notório, tem enfrentado muitas dificuldades para vender automóveis, que permanecem em média …. dias em seus pátios, estocados, aguardando compradores, e só são comercializados por força de promoções, nas quais se praticam preços inferiores aos estabelecidos nas tabelas das montadoras, que é base de cálculo do tributo de saída da fábrica, conforme o convênio e se prova pelo documento anexo (doc. ….).
4. Afora isso, a Lei nº 8.1323 de 26 de dezembro de 1990, que alterou dispositivos da Lei nº 6.729 de 28.11.79, em seu artigo 13, dispôs que: “… é livre o preço de venda do concessionário ao consumidor, …” relativamente aos veículos automotores e seus acessórios, objeto da concessão do fabricante. Isto vale dizer que a Impetrante é conduzida a vender suas mercadorias por preço abaixo da tabela do fabricante, com evidente prejuízo se considerado o fato apenas do ICMS pago a mais, por força da retenção e recolhimento quando da saída da montadora.
5. Eivada de inconstitucionalidade, portanto, a exigência em causa, diante da forma abusiva e inadequada com que pretendem os Estados Signatários do referido Convênio, estabelecendo dita substituição tributária e exigência de recolhimento antecipado do ICMS (antes mesmo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária).
6. Assim, diante dos fatos e inegáveis reflexos financeiros e econômicos acarretados à Impetrante, que terá sua carga tributária evidentemente aumentada, com o agravante do momento, de acentuado aperto monetário e recessão por que atravessa o País, outra alternativa não lhe resta senão albergar-se no sempre independente e competente Poder Judiciário.
II – DA LEGITIMAÇÃO PARA O “WRIT”
7. A Impetrante tem interesse processual e é parte legítima para invocar a tutela jurisdicional do Estado porque, sendo sujeito passivo da relação obrigacional tributária que existe, entre o fisco e ela, o ato coator incidirá sobre a pessoa jurídica e sobre ela produzirá efeitos nefastos.
Com efeito, ao fazer a Impetrante pedido dos veículos automotores à montadora …. no Estado de …., é exigido dela Impetrante, não só o pagamento da parcela relativa ao tributo incidente nessa operação, como a antecipação do imposto que somente iria incidir na operação seguinte, de revenda ao consumidor final, ainda que esta não venha efetivamente a se realizar.
Na medida em que a Impetrante pleiteia o direito de não ter que desembolsar antecipadamente o valor do tributo correspondente à operação subsequente, de revenda dos veículos, evidencia-se a existência da legitimidade ativa para a impetração do presente “mandamus”.
Ora, a antecipação do imposto que somente será ressarcido quando e se os veículos automotores vierem a ser vendidos no Estado do …., causará à Impetrante sérios prejuízos financeiros, uma vez que receberá do consumidor final um valor corroído pela inflação, implicando assim, um aumento de sua carga tributária.
Registre-se que, a matéria relativa à legitimidade do contribuinte de fato contestar a legalidade de uma exigência tributária, já se encontra pacificada nos nossos tribunais superiores, como pode-se compulsar do seguinte excerto de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 97.749-0, confirmado acórdão proferido pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, nestes termos lançado:
“2. Em relação ao imposto em comento, a relação jurídico-tributária instala-se entre contribuinte de jure e o Estado, é certo. Essa relação, porém, que opera no campo do direito material, não inibe pretensão e o direito de ação – de ordem pública e decorrente da relação entre o administrador e o Estado, detentor do monopólio jurisdicional – que invoca a impetrante, posto que ela, como contribuinte de fato, suporta a carga tributária e é legítimo e moral que se rebele contra uma exigência que se lhe pareça injusta. Caracterização do legítimo interesse de agir.”
Fica simplesmente demonstrado o legítimo interesse da Impetrante em ingressar com o presente “mandamus”, a fim de assegurar o direito líquido e certo, violado, com sérias consequências para a própria Impetrante, tais como oneração desproporcional do seu patrimônio e aumento da carga tributária, como para o próprio ordenamento legal e constitucional, conforme será demonstrado adiante.
III – DO MÉRITO
8. O Sujeito passivo da obrigação tributária, como está assente no Direito Pátrio, é a pessoa que, por força de disposição constitucional, quando da instituição das competências tributárias, de forma explicita ou implícita, é posta como destinatária da carga tributária.
Na própria designação constitucional do tributo já consta, portanto, ainda que implicitamente, quem será o sujeito passivo, ou seja, a pessoa que, por imperativo constitucional, terá seu patrimônio diminuído como consequência da tributação, conforme leciona Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto, v. g.:
” … É óbvio, assim, que só pode ser sujeito passivo da relação obrigacional tributária de imposto de renda aquele que recebe a renda. Do imposto de exportação quem importa. Do de importação, quem importa. Como só pode ser sujeito passivo do imposto predial o dono do prédio. E assim por diante.
No caso do ICMS, os que realizam operações relativas à circulação de mercadorias, é dizer, os que promovem negócios jurídicos mercantis. E, assim mesmo, em relação a cada operação concretamente considerada.” (in Revista de Direito Tributário, vol. 49, págs. 73/74). (Doc. ….)
Conclui-se, dessa forma, que o legislador ordinário não remanesce qualquer competência para, arbitrária ou aleatoriamente, eleger sujeitos passivos de obrigações tributárias, mas, ao contrário, ao fazê-lo, deverá ater-se estritamente aos termos da Lei Suprema.
É, portanto, o legislador ordinário, ao escolher o sujeito passivo, obrigado a colher como tal somente aquela pessoa que efetivamente corresponda às exigências do aspecto pessoal da hipótese de incidência, tal como determinada (pressuposta), em seus contornos essenciais, pelo próprio Texto Constitucional (Revista do Direito Tributário, vol. 49, pg. 74).
9. Ademais disso, antes do evento de saída de cada um dos veículos automotores (a circulação da mercadoria), no caso, do estabelecimento da Impetrante, não há que falar-se em fato imponível relativamente a tais operações, mas quando muito de mera suposição, ou simples expectativa da ocorrência do fato tributário futuro, o que não autoriza a exigência do tributo, conforme anotam os autores supra-referidos, que assim concluem:
“Essa exigência – é crucial – somente pode ser legitimamente feita após a incidência da norma tributária – que, por sua vez, só tem possibilidade jurídica de realizar-se no momento em que coexistem: (a) fato tributário suficiente, íntegro, já ocorrido (e não a suposição ou expectativa de fato futuro) e (b) norma jurídica (também suficiente), que o tenha suposto.”
(Doc. ….)
Várias vezes inconstitucional, portanto, a pretensão em causa dos Estados signatários do referido convênio, como a seguir se demonstrará.
10. Princípio da Capacidade Contributiva.
A Constituição Federal de 1988 adota, de forma expressa, o princípio da capacidade contributiva, não obstante esteja o mesmo já implícito no princípio da isonomia (CF/88, artigo 145, § 1º).
Impõe o dispositivo em referência que os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.
O núcleo da hipótese de incidência deve ser, então, em acato ao referido preceito constitucional, um fato signo presuntivo de riqueza, no dizer de Alfredo Augusto Becker, do contribuinte, e não de terceiro. O destinatário da carga tributária, que terá seu patrimônio reduzido em face da ocorrência de tal fato, haverá de ser a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência do tributo, tal como delineada na Constituição.
Ressalta à evidência, pois, a inconstitucionalidade da pretensão do Estado do …. em arrecadar antecipadamente o ICMS relativo à operação de circulação de mercadoria havia entre a montadora e a Impetrante, cujo imposto somente seria devido a operação subsequente de revenda entre a Impetrante e o Consumidor Final.
Restam, portanto, frontalmente feridos os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Com efeito, sendo a Impetrante a destinatária legal tributária, sua substituição, por terceiro, não poderia importar oneração de seu patrimônio em medida desproporcionada à do fato tributário que realiza, tal como ocorre no caso vertente, onde, a par da referida substituição, lhe é exigida exação tributária correspondente à operação futura, sequer ocorrida.
Bastante oportuna nesse sentido as palavras do Prof. Paulo de Barros Carvalho, ao demonstrar como o princípio da igualdade, abordado pelo critério da capacidade contributiva, pressupõe que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento:
“Podemos resumir o que dissemos em duas proposições afirmativas bem sintéticas: realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva, retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentam signos de riqueza; por outro lado, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento.” (in Curso de Direito Tributário, Saraiva, pág. 208)
A seguir, conclui o ilustre Professor que:
“No terreno do Direito Tributário, a igualdade impositiva está irremediavelmente ligado ao conteúdo econômico dos fatos escolhidos pela Lei, que são cometidos pela entidade que conhecemos por base de cálculo.” (ob. cit., pág. 209)
Assim, a efetividade do princípio da capacidade contributiva, verifica-se não apenas quando a lei preveja expressamente a base de cálculo do tributo, mas que a hipótese tributária prevista seja reveladora de riqueza do contribuinte.
Ora, o montante do imposto de circulação de mercadorias exigido da Impetrante, no caso, corresponde a fato de terceiro, a ser realizado quando da revenda do veículo, e não ao fato correspondente à operação com a montadora.
Assim, como falar-se em base de cálculo, como técnica de medição da intensidade com que a capacidade contributiva é revelada, quando o fato medido é fato de terceiro e não o fato daquele sujeito passivo considerado?
O princípio constitucional da capacidade contributiva, conforme Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto:
“Impõe que o legislador defina hipótese de incidência dos impostos de modo a que a ‘repartição do impacto tributário’ se faça de tal modo que os participantes dos fatos tributários contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento que eles – e não terceiros – realizem.” (in Revista de Direito Tributário, vol. 49, pág. 95). (Doc. ….)
Uma vez mais inconstitucional, portanto, a hipótese de substituição tributária examinada, por importar oneração do patrimônio da Impetrante em medida diversa daquela correspondente ao fato tributário de que participa.
11. Princípio da Tipicidade Tributária.
Como é cediço em Direito Tributário, não basta a existência de lei para que se dê o nascimento da obrigação tributária. Para tanto, necessário se faz a ocorrência do fato previsto abstratamente na hipótese legal (artigo 114 do CTN).
Conforme o inexcedível legado de Pontes de Miranda:
“A regra jurídica de tributação incide sobre o suporte fático, como todas as regras jurídicas. Se ainda não existe o suporte fático, a regra jurídica de tributação não incide; se não se pode compor tal suporte fático, nunca incidirá. O crédito do tributo (imposto ou taxa) nasce do fato jurídico, que se produz com a entrada do suporte fático no mundo jurídico. Assim, nascem o débito, a pretensão e a obrigação de pagar o tributo, a ação e as exceções. O Direito Tributário é apenas ramo do direito público; integra-se como os outros, na Teoria Geral do Direito.” (Comentários à Constituição de 1967, com Emenda 1/69, Ed. RT, T. II, pág. 366)
11.1. A integridade da hipótese de incidência, de outra parte, implica, necessariamente, a ocorrência concomitante de todos os seus aspectos (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo).
Todos são, pois, indispensáveis à composição do denominado fato tributário. À falta, portanto, de qualquer de seus aspectos, não há falar-se em tributo devido, porquanto não haverá exata subsunção do conceito do fato ao conceito da norma.
Alberto Xavier expõe magistralmente o tema da tipicidade, como se verifica do excerto que se transcreve:
“O fato tributário é necessariamente um fato típico: e para que revista esta natureza é indispensável que ele se ajuste, em todos os seus elementos, ao tipo abstrato descrito na Lei.
A tipicidade do fato tributário pressupõe, por conseguinte, uma descrição rigorosa dos seus elementos constitutivos, cuja integral verificação é indispensável para a produção de efeitos. Basta a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. O fato tributário, com o ser fator típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previsto que, por esta nova óptica, se convertem em elementos os aspectos do próprio fato.” (in Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, Ed. Rev. dos Tribunais, pág. 87)
Portanto, antes do evento, tal seja, da saída de cada um dos veículos automotores, do estabelecimento da Impetrante, não há falar-se em fato imponível relativamente a tais operações, mas quando muito de mera suposição, ou simples expectativa da ocorrência do fato tributário, o que não autoriza a exigência antecipada do tributo.
Lapidar nesse sentido, igualmente, a conclusão do Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto, que de forma peremptório afirmam ser:
“Absolutamente inaceitável ‘presumir’ a ocorrência de fatos futuros, no campo estrito do Direito Tributário. Se o fato tributável ainda não sucedeu, a exigência do tributo, sob fundamento de mera probalidade do seu acontecimento, importa violação da Constituição.” (Doc. …., pág. 93)
Oportuno que se transcreva, também, porquanto aplicam-se “in literis” à hipótese vertente, as seguintes conclusões dos conceituados autores exarados sobre questão semelhante (inconstitucionalidade da substituição tributária criada pelo artigo 18 do Decreto nº 27.778/89), relativamente a tributação das operações realizadas com petróleo e seus derivados, v.g.:
“Assim, se embora presente o aspecto material – a reavaliação de negócio mercantil – ainda nãos e verificou o aspecto temporal eleito pela Lei, não há se falar em obrigação tributária, por inocorrência de situação necessária de situação necessária e suficiente à ocorrência do fato tributário.
Preconizar substituição – antes mesmo de verificar-se o momento escolhido pela norma para considerar acontecido o fato tributário – é criar tributo sem o suporte fático que lhe dá causa. E isso, definitivamente, o sistema não autoriza. Só diante da ocorrência de fato que se subsuma a todos os aspectos da hipótese de incidência cabe cogitar de substituição tributária; antes desse tempo, haverá confisco, apropriação indevida da propriedade particular, o que não pode ser aceito, sob hipótese alguma. É impossível, logicamente, a subsunção de fato futuro a hipótese legal presente. Na verdade, somente pode haver obrigação tributária após ocorrido – no tempo previsto pela Lei – um fato que, mediante o lançamento, se constata ter realizado concretamente a imagem abstrata contida na hipótese de incidência legal tributária (fattispecie, tatbestand). Mesmo por isso que o artigo 142 do CTN dispõe ter, o lançamento, a função declaratória da obrigação tributária, na medida em que ‘tende a verificar a ocorrência do fato gerador’ correspondente. Ora, é absolutamente impossível a subsunção de um fato futuro – porque ainda não acontecido no tempo – a um preceito legal, atual. Se o fato não ocorreu – o momento não se verificou – como é possível contrastar suas notas àquelas descritas abstratamente na lei?
Por isso é inconstitucional estabelecer presunção no sentido de que haverá (fatalmente) essa subsunção. Admiti-la é subverter integralmente toda a doutrina do Direito Tributário, patrimônio comum do mundo ocidental. Esta foi construída exatamente à luz das exigências do princípio da tipicidade, tal como consagrados pela Constituição Brasileira, na linha de propostas constitucionais universais, a quem o Brasil, de modo decidido, se filiou. É isso, aliás, o que tranquilamente vem reconhecendo o nosso Poder Judiciário, especialmente pelo mais alto órgão, que é o STF.” (in op. cit., págs. 93/94) (Doc. ….)
12. O Princípio da Legalidade Tributária.
Não suficientes as inconstitucionalidades apontadas, identifica-se ainda, na exigência em causa, flagrante ofensa ao princípio da legalidade tributária.
Com efeito, a ninguém é dado desconhecer, no Direito Brasileiro, que a indicação do contribuinte e do responsável tributário há de ser efetuada por lei.
Somente a lei pode criara ou aumentar tributos, estatui a Constituição Federal em seu artigo 150, inciso I.
O próprio Código Tributário Nacional, de forma bastante didática, melhor explicita o conteúdo do referido preceito, v.g.:
“Art. 97 – Somente a lei onde pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou a sua redução, ressalvando o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvando o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV – a fixação da alíquota do tributo e de sua base de cálculo;
V – … omissis …;”
“Art. 128 – Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-se a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”
Convém que se traga à lume, nesse passo, para melhor demonstrar o alcance do referido princípio, a conhecida e multimencionada lição de Alberto Xavier:
“Se o princípio da reserva da lei formal contém em si a exigência da ‘lex escripta’, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidade de uma ‘lex stricta’: a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecidos. A decisão do caso concreto obtém-se, assim, por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação e subsumir o fato na norma, independentemente de qualquer livre valorização pessoal.” (op. cit., pág. 37)
Não paira nenhuma dúvida, portanto, no sentido de que somente a lei pode dispor sobre o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu substituto.
Semelhante lei, todavia, não foi editada, na hipótese vertente. E, como visto, nenhum ato, convênio ou decreto, senão a lei, poderá validamente criar, modificar ou deslocar a responsabilidade tributária.
Totalmente ineficazes são, portanto, o Decreto Estadual nº 6.465/89 e respectivo Convênio nº 107/89 no que permite a hipótese de substituição tributária, à mingua de lei ordinária estadual introduzindo dita alteração.
12.1. Com efeito, os convênios devem ser ratificados pelos Estados. Os Estados, por sua vez os têm ratificado por simples decretos do Executivo (A exceção única do Estado do …., que os tem ratificado pelo Legislativo). Porém, a ratificação só é válida quando feita pelo Legislativo, com o imperativo do princípio maior da legalidade tributária.
Sobre o assunto, o festejado tributarista Geraldo Ataliba assim disserta:
“O Executivo negocia os convênios e os submete à aprovação do Legislativo. Este, se e quando lhe dá aprovação, expede o decreto legislativo dela (aprovação) expressivo. É nítida a concordância de Souto Maior Borges com esta inteligência: O art. 23, § 6º da EC 1/69, não autoriza a concessão ou revogação da isenção do ICM senão pela via dos convênios. Essa afirmação todavia não exclui, na hipótese, a eficácia do princípio da legalidade, porque o convênio está sujeito a ratificação.” (Lei Complementar Tributária, p. 168). Idêntica é a opinião autorizada de Sacha Calmon (RDT 6/61). (Autor citado in Revista de Direito Mercantil, vol. 53, p. 8)
Em seu artigo doutrinário, Geraldo Ataliba invocando as doutrinas de Souto Maior Borges e Sacha Calmon Navarro Coelho, sobre a ineficácia do “Convênio” não ratificado pelo Legislativo, leciona:
“Nosso modo de ver, juntamente com Souto Borges, não é isolado. Com vigosos argumentos, Sacha Calmon demonstrou excelentemente – rigoroso jurista que é – ineficácia dos convênios não ratificados pelas Assembléias Legislativas.”
Escreve esse arguto jurista:
“A espécie, no entanto, exige um teste jurídico absolutamente necessário, capaz de aferir a legalidade da sistemática do leite. Consiste em perguntar se o convênio Autorizativo 07/77 foi devidamente homologado pelo Legislativo Estadual, ganhando com isto o caráter de Lei. É que embora a Lei Complementar 24 dispense a homologação dos convênios pelo Poder Legislativo dos Estados, em insanável divergência com o Texto Constitucional que lhe está acima (art. 23, 96), a doutrina e jurisprudência têm entendido que os convênios não ratificados pelas Assembléias estaduais são juridicamente ineficazes por falta de requisito intrínseco de validade.
O argumento tem fulcro no fato de que a obrigação tributária, todos os elementos estruturais constituem matéria sob reserva de Lei (art. 97 CTN e art. 153, e, da CF). A reserva de convênio não exclui a reserva de Lei. Os Estados não perderam competência tributária em favor dos convênios. Estes são resultantes das reuniões de Estados que, colegiadamente, exercem cada qual, uma competência tributária própria e indelegável.
Convênio é acordo, ajuste, combinação e promona de reunião de Estados-membros. A esta comparecem representantes de cada Estado, indicados pelo chefe do Executivo das Unidades Federadas. Não é, assim o representante do povo do Estado que se faz presente na Assembléia, mas o preposto do Executivo, via de regra um Secretário de Estado usualmente o da ‘Fazenda’ ou das ‘Finanças’. Nestas assembléias são gestados os convênios, ou melhor, as ‘propostas’ de convênios. Em verdade, o conteúdo dos convênios só passa a valer depois que as Assembléias Legislativas casas onde se faz representar o povo dos Estados – ratificam os convênios prefirmados nas assembléias. Com efeito, não poderia um mero preposto do chefe do Executivo Estadual exercer competência tributária exonerativa. Esta é do ente Político, não é do Executivo nem do seu chefe, muito menos do preposto, destituível ‘ad nutum’. O princípio da legalidade da tributação e da exoneração, vimos já neste trabalho, abarca por inteiro o disciplinado tributo e dos seus elementos estruturais. Sendo a isenção, a fixação das bases de cálculo e das alíquotas, a não-cumulatividade, a remissão, a concessão de créditos fiscais e sua manutenção, materiais sob reserva de lei, como admitir que um mero secretário de governo, agente do Poder Executivo, capaz só de praticar atos administrativos, possa pôr e tirar, restabelecer, graduar, reduzir ou aumentar tributação?
Caso isto fosse possível, derrogado estaria o princípio de legalidade da tributação e vulnerado o arquiprincípio da separação dos poderes, pressupostos da República e do Estado de Direito. Não, o Secretário do Estado, e seus assessores, tecnocratas, são meros funcionários subalternos, posto que especializados. A primeira rodada dos convênios – em assembléia dos Estados – é com eles que se realiza. Juridicamente, o principal vem depois, com a ratificação do que eles combinarem. A jurisdicidade sobrevêm quando a decisão tomada em convênio é aprovada pelas Assembléias Legislativas Estaduais, pressuposto indeclinável de eficácia.
A Assembléia de Estados-membros não detém nenhuma parcela de competência tributária. Não é ente autônomo a ombrear ou a dividir faixas de competência com a União (competência exonerativa heterônona) e com o Estado-membro (competência exonerativa autonômica). Ao contrário, é mera fórmula de exercício de competência tributária. Através dos convênios tirados em assembléias de Estados estes exercem uma competência que lhes é própria e derivada da Carta. Os convênios resultam de fórmula plural de exercício de competência tributária pelos Estados. É errôneo supor que os ‘convênios’ surrupiaram aos Estados parcelas de competência. Os Estados não a perderam. Simplesmente o seu exercício se faz colegiadamente. O produto desse exercício colegiado da competência exonerativa é justamente o convênio.
A competência para exonerar é dos Estados, pela Assembléia, e não da Assembléia dos Estados.” (RDT 7/71). (Autor e local citados, pp 12/14)
Junto ao texto do artigo doutrinário acima transcrito, Geraldo Ataliba traz à colocação Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, dispondo sobre a necessidade de Decreto Legislativo, para ratificar Convênio.
Vejamos:
“Esta tese tem o abono da jurisprudência do STF, já em 1976, apreciando o RE 83.310 (RTJ 77/978), elaborou a seguinte ementa ‘ICM-Convênio celebrado pelos Estados para outorga de isenção. Necessidade ratificação por Lei Estadual.”
No seu voto, o ínclito Min. Bilac Pinto abona o Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que afirma:
“Os convênios realizados pelo Estado, em reuniões de Secretários de Fazenda necessitam, para sua incorporação à legislação interna, de aprovação por via de decreto legislativo.”
E também:
“… é da competência exclusiva da Assembléia aprovar os convênios em que o Estado for parte (…) os convênios devem sempre ser submetidos a homologação da Assembléia Legislativa do Estado.”
Anteriormente, o ínclito Min. Luiz Gallotti, tratando de tema de igual teor, assinalara:
“Note-se, ainda, que o invocado art. 6º do Ato Complementar 35 concedia a questionada autorização (para reduzir o ICM) ao Estado, e não ao Poder Executivo Estadual.” (RTJ 59/97)
Nesse Acórdão – como que antecipando a superveniência da Lei Complementar 24, que tanto perturbou a colocação da questão dos convênios – disse:
“Note-se, ainda, que o invocado art. 6º do Ato Complementar 35 concedia a questionada autorização ao Estado, não ao Poder Executivo estadual; e a concedia, para ser utilizada no exercício de 1967 (aqui se cuida do exercício de 1968).”
Recentissimamente, reafirmando e desdobrando os argumentos desses acórdãos e reportando-se a precedentes abundantes (RE 70.412, RTJ 60/470; RE 70.411, RTJ 63/121; RE 70.723, RTJ 65/395; RE 74.608, RTJ 67/191; e RE 79.740, RTJ 80/807) sublinha:
“… a Constituição sujeitou esses convênios à ratificação da Assembléia Legislativa. O Poder Executivo local não tinha, portanto, atribuição para aprovar qualquer desses convênios, que (…) dependiam de ratificação legislativa, para ressalva, do princípio da legalidade tributária …”.
E agrega:
“Nessas condições, os decretos (…) como atos do Executivo, não tem nenhuma validade, porque a matéria de que tratam à alçada daquele Poder, pertencendo, como pertence, as atribuições do Legislativo. (RDP, 59-60/261 e 99).