Luiz Gomes
Advogado em Natal – RN
Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal
A ___________, vem, respeitosamente, por seus advogados (instrumento de mandato em apenso, com fundamento nos artigos 102, I, “a” e 103, IX, da Carta Magna/88, propor
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
(com pedido de liminar)
contra os dispositivos a seguir expostos, da Lei nº 9.958 de 12 de janeiro de 2000 publicada no DOU de 13 de janeiro de 2000, pelas razões que passam a expor:
I – Lei nº 9.958/2000 – Dos dispositivos normativos impugnados
O Congresso Nacional aprovou e o Presidente da República sancionou a Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que acrescenta dispositivos à Consolidação das Leis do Trabalho ? CLT ?, “dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia” e permitindo “a execução de título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho”. Para tanto, alterou-se a redação do artigo 625 da CLT. O acréscimo, objeto da insurgência contida nesta ação consta dos itens “D” e “E” desse dispositivo legal:
Art. 625-D: Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.
§ 1º A demanda será formulada por escrito ou reduzida a termo por qualquer dos membros da Comissão, sendo entregue cópia datada e assinada pelo membro aos interessados.
§ 2º Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista.
§ 3º Em caso de motivo relevante que impossibilite a observância do procedimento previsto no caput deste artigo, será a circunstância declarada na petição inicial da ação intentada perante a Justiça do Trabalho.
§ 4º Caso exista, na mesma localidade e para a mesma categoria, Comissão de empresa e Comissão sindical, o interessado optará por uma delas para submeter a sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do pedido.
Art. 625-E. Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia às partes.
§ Único. O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.
II- VIOLAÇÃO DIRETA À CF.
a)- Art. 652-D da Lei 9958/2000.
O art. 652-D da Lei 9958/2000 viola diretamente o art. 5º, inciso XXXV, que assim dispõe:
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Trata este dispositivo constitucional, de direito público assegurador do direito de ação do indivíduo, cujo exercício é incondicional, não podendo sofrer limitação pelo legislador ordinário, assegurando-se ao cidadão o direito de a qualquer tempo de buscar no Judiciário a tutela estatal independentemente de qualquer condição que não a de ter capacidade, legitimidade e direito de agir.
Manoel Teixeira Filho examinando o referido texto constitucional do incondicional direito de ação, é peremptório em sua conclusão:
“Consistindo, pois, a ação num direito constitucional, isso significa, em termos concretos, que o legislador infraconstitucional não poderá, por que motivo seja, impedir ou restringir o exercício desse direito, ainda que temporariamente, sob pena de colocar-se em manifesto e insustentável antagonismo com a Suprema Carta Política do País” (in JURIDIÇÃO, AÇÃO E PROCESSO, Editora LTr ? SP, nº 01, pág. 43).
“De qualquer forma, o fato de esse princípio estar contido em texto constitucional é de suma relevância para os indivíduos, para as coletividades e para o próprio regime democrático, porquanto nenhuma norma infraconstitucional poderá cercear, e, nem mesmo, restringir ? sob que argumento seja ? o exercício do direito de ação. … Como dissemos, são despiciendas as razões pelas quais o legislador infraconstitucional venha, ainda que ocasionalmente, a restringir ou a impedir o exercício da ação: ao fazê-lo, estará transgredindo uma das mais provectas e notáveis garantias constitucionais do indivíduo, motivo por que os juizes deverão se recusar a submeter-se a esse tipo de ato da legislatura” ( in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO ROCESSO DO TRABALHO, Editora LTr ? SP, nº 29, págs. 12 e 14).
“… o princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação) está contido no art. 5º, XXXV, do texto constitucional; sendo assim, o legislador ordinário (infraconstitucional) não poderá, por mais relevante que lhe pareça o motivo, cercear ou restringir o exercício desse direito de invocar-se a prestação da tutela jurisdicional, com a finalidade de promover-se a satisfação de interesses ligados a bens ou a utilidades da vida” (in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, Editora LTr ? SP, nº 2, pág. 13).
Viola também o art. 625-D da Lei 9958/2000 diretamente o disposto no art. 114 da CF, quando atribui à Justiça do Trabalho competência EXCLUSIVA para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos:
“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre os trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”.
E nos casos de exceção, a própria Constituição Federal cuidou ela mesma de estabelecer tratamento diferenciado. É o que ocorre no caso dos dissídios coletivos, como também direito individual. No Coletivo, o art. 114, § 1º e 2º traz condição especial de Ação – a tentativa conciliatória.
No direito individual, quando quis o constituinte, a própria Carta estabeleceu o tratamento diferenciado pretendido, como se extrai do exame do art. 217, § 1º, que assim dispõe:
“O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei”.
Concluindo com as lições do Professor Manoel Antônio Teixeira Filho, ao não prever a Constituição Federal outras hipóteses ? restritivas do amplo e incondicional direito constitucional de ação, não poderá o legislador infraconstitucional, por que motivo seja, impedir ou restringir o exercício desse direito, ainda que temporariamente, sob pena de colocar-se em manifesto e insustentável antagonismo com a Suprema Carta Política do País.
O mesmo professor citado, analisando ainda o mesmo texto constitucional (art. 114/CF) ensina que a especialização desses juízos decorreu da necessidade de serem atendidas as peculiaridades de certas causas:
“… A especialização desses juízos decorreu da necessidade de serem atendidas as peculiaridades de certas causas (trabalhista, militar, eleitoral). À Justiça do Trabalho, por exemplo, a Constituição atribuiu competência para solucionar conflitos de interesses, individuais ou coletivos, envolvendo trabalhadores e empregadores, e, mediante, lei, outras controvérsias oriundas das relações do trabalho (Const. Federal, art. 114, caput)” ( in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, autor citado, Editora LTR-SP, n 29, pág. 17).
Ainda, na mesma obra, continua o mesmo autor:
“O princípio constitucional do devido processo legal é de extrema importância para todos aqueles que, um dia, tiverem o seu “dia na corte” (his day in Court), constituindo, sem dúvida, uma das mais expressivas manifestações dos regimes democráticos. O due process of law não deve ser visto, pois, como uma simples retórica do constituinte, sem qualquer ressonância no plano da realidade prática, mas como uma sua efetiva preocupação de fazer com que os conflitos de interesses sejam submetidos à apreciação do Poder Judiciário, e por este solucionados, não segundo a vontade das partes ou do magistrado, mas de acordo com as normas legais específicas. Qualquer violação dessa cláusula constitucional acarretará a nulidade do processo…” ( in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, autor citado, Editora LTR-SP, n 29, pág. 24).
Portanto, mesmo que se venha a alegar que o trabalhador tenha a possibilidade de não transigir perante a Comissão e, por isso, possa exercer seu direito constitucional de ação tão logo obtenha a respectiva declaração negativa da tentativa conciliatória com a descrição de seu objeto, mesmo nesta hipótese, ainda assim haverá violação ao direito constitucional de ação durante o período em que ficou impedido de submeter seu pedido ao Poder Judiciário.
E tal hipótese não pode ocorrer diante do inafastável direito incondicional do direito constitucional de ação assegurado pelo art. 5º, inciso XXXV da CF.
III- DOS FUNDAMENTOS, OBJETIVOS, PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E A LEI 9958/200.
A Carta Política vigente, centrada na base de tudo ? o próprio homem – subordinou os próprios interesses particulares do lucro à prevalência do social, como se extrai do próprio exame do art. 5º, inciso XXIII, bem como o do art. 170, inciso III.
E buscando assim a Lex Legum o atingimento dos objetivos maiores perseguidos pela Nação ? o da Promoção do Bem Comum a todos os nacionais ? objetivou a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; e ao buscar a garantia do desenvolvimento nacional, visa a erradicação da pobreza, o combate à marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, artigos, 1º ( I, II, III, IV), 3º (I, II, III, IV), como também garante a prevalência dos direitos humanos, prevista no art. 4, inciso II. Tais pressupostos asseguram o direito à cidadania, à dignidade, à preservação e manutenção dos valores sociais do trabalho e do salário, bem como dos demais direitos civis.
O direito de acesso ao Judiciário, para a composição dos conflitos de interesses, é conquista evolutiva, com cláusula moral impeditiva de retrocesso. É dever do Estado Democrático estruturar e manter o Poder Judiciário independente, para a composição dos conflitos de interesse; não pode delegar essa magna tarefa, não pode privatizá-la, sob pena de se admitir expressamente o retrocesso, a barbárie, o intento reducionista da dignidade humana.
A lei 9.958/2000 materializa, em parte, a privatização da Justiça. O Estado terceiriza a composição dos conflitos, privatiza a Justiça, retrocede e se desestrutura, deixa de existir (na composição). Num enxergar em profundidade se constata a flexibilização (destruição, implosão) dos direitos humanos, sociais e culturais.
O Poder Judiciário tem o dever zelar pela sua dignidade, independência e soberania; e a lei 9.958/2000 representa atentado à sua dignidade, independência e soberania. O direito materializado por essa lei, transforma o trabalho em mercadoria ? e, como mercadoria, sem qualquer dignidade, sem valor social.
A mensagem transmitida pela essência da norma constitucional, que incorpora a evolução da sociedade, globaliza o social e estabelece condições (limites) ao interesse do puro e simples lucro: o enriquecimento, em qualquer setor de atividade humana, deve vir seguido de construtividade social.
A sociedade existe – e se mantém – porque o homem é ser de localidade: isolado, não produz; em sociedade, produz, constrói – e evolui; e assim o direito – produto das normas de convivência humana – evolui, na medida em que a sociedade evolui: é o retrato do estágio em que a sociedade se encontra.
Segundo a Profª Carmen Lúcia Antunes Rocha:
“O direito à jurisdição é a primeira das garantias constitucionais dos direitos fundamentais, como anteriormente frisado. Jurisdição é direito-garantia sem o qual nenhum dos direitos, reconhecidos e declarados ou constituídos pela Lei Magna ou por outro documento legal, tem exercício assegurado e lesão ou ameaça desfeita eficazmente. Primeiramente, o direito à jurisdição é a garantia fundamental das liberdades constitucionais. Sem o controle jurisdicional, todos os agravos às liberdades permanecem no limbo político e jurídico das impunidades. Todas as manifestações da liberdade, todas as formas de seu exercício asseguradas de nada valem sem o respectivo controle jurisdicional. A liberdade sem a garantia do pleno exercício do direito à jurisdição é falaciosa, não beneficia o indivíduo, pois não passa de ilusão do direito, o que sempre gera a acomodamento estéril e a desesperança na resistência justa e necessária.
Não é por acaso que os regimes políticos antidemocráticos iniciam suas artes e manhas políticas pela subtração ou pelo tolhimento do direito à jurisdição. É que sem este direito plenamente assegurado e exercitável o espaço para as estripulias dos ditadores é mais vasto e o descontrole de seus comportamentos confere-lhes a segurança de que eles se vêm necessitados de continuar no poder”.
No dizer do eminente constitucionalista português JJ Gomes Canotilho, “a garantia do acesso aos tribunais” é considerada “como uma concretização do princípio estruturante do Estado de Direito”:
“A proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção eficaz. Neste sentido, ela engloba a exigência de uma apreciação, pelo juiz, da matéria de facto e de direito, objecto de litígio ou da pretensão do particular, e a respectiva ?resposta? plasmada numa decisão judicial vinculativa (em termos a regular pelas leis de processo)”.
IV ? DO DIREITO INTERNACIONAL E SUA INCORPORAÇÃO AO NOSSO TEXTO CONSTITUCIONAL
O próprio Direito Internacional evoluiu, sendo que Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1.948 teve reafirmada suas disposições e eficácia em razão da adoção da concepção contemporânea de direitos humanos, que restou prevalente na aprovação da Declaração de Viena (1993, assinada também pelo Brasil, sendo que a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção introduzida pela Declaração de 1948, quando, em seu parágrafo 5º, afirma:
“Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.”
As garantias dos direitos humanos, sociais e trabalhistas, bem como as dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social (direitos estes inclusive que se encontram protegidos pelas chamadas “cláusula pétrea” e que sequer podem ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, por força do que dispõe o art. 60, § 4º), foram conquistadas no processo de evolução da sociedade e contam na essência com a proteção de cláusula impeditiva de retrocesso, como em todas as constituições democráticas, ou seja da prevalência do entendimento de que a Declaração Internacional de Direitos então Reconhecidos deva ser “jurisdicizada” sob a forma de tratado internacional, tutelando direitos (humanos, sociais e culturais) que sejam juridicamente obrigatórios e vinculantes no âmbito do Direito Internacional, como sustenta a Professora e constitucionalista paulista Flávia Piovesan na Palestra que proferiu no III ELAT, realizado em Campos de Jordão, 3º Encontro dos Advogados Trabalhistas Latino-Americanos, de 28 de abril a 1º de maio/2000.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, trouxe avanços que se incorporaram ao patrimônio da humanidade, que não admitem retrocesso, que constituem a essência da cidadania ? passaporte universal da dignidade (princípios reafirmados na Declaração de Viena (1993) e ampliados com a evolução temporal).
Dois novos tratados (aprovados no âmbito das Nações Unidas) reforçam e tornam mais consistentes as garantias dos direitos humanos, sociais e culturais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ratificado pelo Brasil no ano de 1.992). Os postulados adotados por esses dois tratados internacionais incorporam – e até detalham, com precisão – os direitos constantes da Declaração Universal ? preceitos obrigatórios e vinculantes.
Todos esses novos postulados internacionais de respeito aos direitos humanos, sociais, civis, políticos, econômicos, se incorporam ao direito pátrio a teor do que prevê o § 2º do art. 5º da CF, que assim dispõe:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Há que se realçar assim a imperatividade jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais, com base na doutrina da indivisibilidade dos direitos humanos consagrada pela Declaração Universal em 1948, endossada em Viena, em 1993 e reafirmada pelos dois novos tratados internacionais citados (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).
Na esteira das reflexões doutrinárias acima expostas, o legislador ordinário não pode criar ou dispor sobre quaisquer formas que impliquem no constrangimento de um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, resultando desta atitude insanável vício constitucional.
V ? DA CONTRARIEDADE DE LEI 9958/2000 COM A CF.
Ao dispor a Lei 9958/2000 sobre as “Comissões de Conciliação Prévia”, estabeleceu-se no art. 625-D e em seus §§ 2º e 3º, nítida restrição ao direito público subjetivo dos cidadãos de submeter à apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito decorrente da relação de emprego, infringindo-se portanto o disposto no inciso XXXV do art. 5º da Lei Maior, criando-se, ainda, uma desigualdade injustificável, ou seja: o trabalhador pertencente a um setor onde não foi instituída Comissão de Negociação Prévia poderá ajuizar sua ação trabalhista diretamente na Justiça do Trabalho. Um outro, só porque a comissão foi instituída, não. Terá que se submeter seu pleito perante a referida comissão, violando-se então a garantia da igualdade prevista no art. 5º da mesma Carta Política vigente.
O art. 652-E da Lei 9958/2000 viola diretamente o art. 5º, LV ao assegurar aos litigantes em processo judicial ou administrativo (leia-se comissão de negociação prévia) “o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Em razão disso é que o inciso XXXV do mesmo art. 5º não admite seja excluída da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
O mesmo dispositivo citado viola também o artigo citado o art. 7º, incisos:
VI (irredutibilidade salarial), salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Os créditos trabalhistas são salários, verba alimentar irrenunciável, mormente em se tratando de parcelas salariais que sequer foram postuladas perante a comissão;
X, que protege o salário, constituindo crime sua retenção dolosa. Tratando-se os créditos trabalhistas de salários não pagos e retidos, não pode haver quitação a não ser que a parcela haja sido postulada perante a comissão;
XXIX (a), que assegura ao trabalhador o direito de postular em juízo seus créditos trabalhistas resultantes do pacto laboral no prazo máximo de até dois anos após a extinção do contrato. Se for mantido o efeito liberatório geral, mesmo das parcelas não discutidas perante a comissão, o trabalhador ficará impedido de exercitar seu direito constitucional de ação no prazo marcado pela própria Carta Política vigente.
Como sustenta com inteira justeza o Dr. Reginaldo Melhado, Juiz do Trabalho em Maringá ? Paraná e Presidente da Amatra-IX: “a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas cogentes devem, portanto, ser assegurados, não se admitindo jamais que a Comissão de Negociação prévia possa legitimar RENÚNCIAS DO TRABALHADOR, seja ela tácita ou expressa, não podendo sequer admitir que a simples expressão “eficácia liberatória geral” tenha o condão de contrariar as dicções do art. 9o., 444 e 468 contidas na mesma Consolidação. Veja-se que até mesmo no que se refere a redução de salário a CF só a admite mediante CCT ou ACT (art. 7º, inciso VI). Ademais da incorreção lexicológica, há nesta regra uma perversidade política imoral” (in “Comissões de conciliação: a lógica do avesso” (GENESIS, Curitiba, 331-409, março/2000).
E continua o mesmo autor citado, que: “na realidade, seria tolerável e até desejável ? com organizações sindicais decentes, legítimas e representativas, ou comissões de empresa legitimamente instituídas ? que a prática da negociação fosse revestida da maior autoridade. Nada obstante, nunca da forma como posta pelo legislador. A lei deveria estabelecer que a eficácia liberatória só ocorre em relação ao objeto da demanda submetida à comissão. Imagine-se, por exemplo, a hipótese de uma controvérsia banal sobre o acerto de contas na rescisão de um contrato de emprego (muitas vezes marcada por certa intranquilidade entre os envolvidos). Para a composição acerca de valores ou critérios de cálculo, haverá o trabalhador de ressalvar imediatamente no “termo” de conciliação todas as questões que pretende discutir em juízo. E deverá fazê-lo de inopino, sem consultar advogado, sem meditar sobre os anos passados do contrato ainda não alcançados pela prescrição quinquenal, sem trocar idéias com familiares. Se nada lhe vier à memória, haverá quitação geral. A considerar constitucional a referida Lei, por certo, doravante, muitos empregadores passarão a exigir que a “homologação” das rescisões contratuais se realizem perante as comissões. Tal como hoje em dia uns tantos já se valem do artifício do aforamento de uma “demanda” judicial para o pagamento de verbas rescisórias, buscando exatamente a eficácia liberatória genérica agora consagrada na lei como regra, mais e mais empresários passarão a correr às comissões prévias de conciliação. O resultado disso poderá ser o sacrifício dos direitos de milhões de humildes trabalhadores. Por que não estabelecer que a conciliação só implica eficácia liberatória ? isto é, só exime o devedor de qualquer obrigação ? quando pactuada expressamente? As razões são políticas, e seguramente inconfessáveis, ou são a manifestação da ingenuidade coletiva de pelo menos uma parte dos membros do Congresso Nacional. Até mesmo uma sentença judicial deve estar limitada à chamada res in iudicio deducta (não vamos repisar aqui a teoria da sentença infra, ultra e extra petita, plasmada, grosso modo, no art. 460 do CPC). Como posta na Lei 9.958/2000, o termo de conciliação terá poder maior que aquele conferido à sentença, pois produzirá a mesma consequência jurídica, sem qualquer formalidade, sem contraditório, sem ampla defesa e principalmente sem os limites da demanda. Certo, pois, que o direito de ação assegurado na Constituição da República não se sujeita a nenhum limite, nem autoriza submissão a um estágio prévio de tentativa conciliatória. Veja-se que quando o constituinte, efetivamente, quis limitar o direito constitucional, fê-lo de forma expressa, como por exemplo no art. 5º LVIII: “o civilmente indentificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” (in “Comissões de conciliação: a lógica do avesso” (GENESIS, Curitiba, 331-409, março/2000).
Com efeito, o pleito de declaração de inconstitucionalidade do art. 625-E, bem como de seu parágrafo único, há que ser acatado, condicionando que qualquer eficácia liberatória geral só possa acontecer perante a Justiça do Trabalho, aliás como já previa a proposta original então remetida ao Congresso Nacional.
O Professor José Affonso Dallegrave, examinando, ainda, o mesmo incondicional direito constitucional de ação, conclui:
“Sabido que a Constituição não contém palavras ociosas e sua exegese deve ser fiel ao escopo buscado pelo constituinte. Logo, nos termos da expressa dicção do art. 5º, XXXV da CF/88 o direito de Ação não pode sofrer limitações de qualquer natureza” (in Inovações no Processo do Trabalho”, RJ: Forense, 2000, pág. 57).
Com efeito, as Comissões de Conciliação Prévia previstas na CLT devem ser vistas como mera opção do interessado em relação a via da mediação, jamais como condição ao exercício amplo e constitucional de invocação da tutela jurisdicional do Estado.
De se ressaltar também as bem lançadas conclusões do lúcido Juiz do Trabalho, Dr. Reginaldo Melhado em seu artigo citado, no sentido como está posta na lei, a conciliação prévia é uma tragédia:
“As comissões de conciliação trarão inevitável prejuízo às classes trabalhadores. Menos pela idéia em si da conciliação prévia e muito mais pelas incongruências e perversidades do diploma legal que as instituiu. Entre outros, que deixo de discutir aqui em face da exiguidade do espaço, as fontes de distorções são (a) exigência da conciliação prévia em um contexto político desfavorável aos trabalhadores, ainda insuficientemente organizados, (b) a falta de normas jurídicas disciplinando o processo de criação das comissões na empresa e a eleição dos representantes dos trabalhadores, (c) a omissão do legislador quanto às regras de exceção para afastar o requisito da conciliação prévia em inúmeras hipóteses e (d) a cruel inversão da lógica, ao consagrar a eficácia liberatória geral independentemente de demanda e transação expressas. Como está, a conciliação prévia é uma tragédia” (in “Comissões de conciliação: a lógica do avesso” (GENESIS, Curitiba, 331-409, março/2000).
Necessário que se traga também à colação despacho liminar desta Corte sobre situação semelhante. Em 1995, reagindo contra o art. 11 e o inciso II, do art. 13, da então Medida Provisória 1.053, de 30 de junho, o Partido Democrático Trabalhista ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1309-2, tendo seu pedido de liminar sido analisado pelo então Presidente desta Suprema Corte o Exmo. Senhor Ministro Sepúlveda Pertence. (DJ de 03/08/95 pág. 22271), ao analisar normas então impugnados de processo de dissídio coletivo:
“frustrada a negociação direta, as partes deverão, obrigatoriamente, antes do ajuizamento do dissídio coletivo, solicitar ao Ministério do Trabalho que designe mediador para o prosseguimento do processo de negociação coletiva”. Era vedado na negociação coletiva e no dissídio coletivo, “a concessão a título de produtividade de aumento não amparado em indicadores objetivos, aferidos por empresa”. Ajuizada no curso de férias forenses, o Ministro Sepúlveda Pertence, ?ad referendum? do Plenário, apreciou o pedido de medida liminar, concedendo-a, sob o seguinte fundamento, que por sua semelhança com o objeto da presente demanda, em que pese as normas ora impugnadas não se referirem especificamente aos dissídios coletivos, merecem ser transcritos e considerados: “Negociação são tratativas, diálogos, em síntese, fato necessariamente bilateral e voluntário: se uma das partes se recusa liminarmente à busca do entendimento, não se poderia mesmo subordinar à impossível efetivação dela o acesso da outra à Justiça. 10. Desse modo, tanto quanto a frustração das negociações realizadas, a recusa a entabulá-las não tem outra consequência, nos termos da Constituição, que não seja a submissão da parte que se furtar ao diálogo à composição heterônoma do conflito, por iniciativa da outra, na vida do dissídio coletivo. 11. Segue-se que a parte que a recusa não pode ser compelida à negociação. (…) 14. Essa submissão compulsória das partes à interferência de um mediador do Ministério do Trabalho constitui obstáculo anteposto ao exercício do direito ao ajuizamento do dissídio coletivo, que a constituição, no entanto, subordinou apenas à tentativa da negociação para a qual, de resto, não ditou forma nem impôs a participação do Estado”.
A Lei 9958/2000 ao dispor no art. 625-D a submissão antecipada do trabalhador a uma Comissão de Negociação Prévia, onde poderá estar quitando todo o seu contrato de trabalho, mesmo das parcelas não discutidas (§ único do art. 625-E), viola diretamente o comando constitucional ? assecuratório do direito amplo de ação (art. 5º, XXXV) ? bem como viola o próprio direito que assegura a não exclusão da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou a ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV), não podendo portanto, o legislador ordinário excluir, cercear ou tolher a possibilidade do Poder Judiciário trabalhista, no desempenho de sua competência constitucional, de conciliar os conflitos submetidos a ele por qualquer cidadão interessado.
Assim, impossível ao legislador infraconstitucional o estabelecimento legal das limitações previstas no art. 625-D da Lei 9.958/2000 e com as consequências nefastas previstas no art. 625-E, de emprestar-se efeito liberatório geral, mesmo das parcelas que sequer foram discutidas na Comissão.
VI- EM CONCLUSÃO.
A Lei 9958/2000, por sua vez, ao invés de atacar as verdadeiras causas ocasionadoras do grande volume de processo que regularmente tramitam na Justiça do Trabalho, punindo exemplarmente o mau empregador ? habitualmente descumpridor da legislação social protetiva do trabalho humano vigente no País ? na realidade criou foi uma armadilha para o trabalhador (e não uma garantia de recebimento de seus créditos trabalhistas) ao instituir exigência nova, impondo-lhe como condição prévia ao exercício de seu direito constitucional de ação, a submissão de seus pleitos trabalhistas à apreciação obrigatória perante uma Comissão de Negociação Prévia, como dispõe expressamente o art. 625-D, acima já transcrito.
Certo que a referida lei não obriga a criação de comissão prévia, mas, se criada e instalada, obriga o trabalhador do respectivo setor a se submeter previamente a ela: se instalada, é necessário que os pedidos sejam submetidos a essa comissão, que tentará conciliar as partes; se a conciliação for infrutífera, fornecerá uma certidão para o ajuizamento da ação na Justiça do Trabalho. Portanto, em que pese não ser, de início, obrigatória a criação das comissões prévias, na prática elas acabarão por ser criadas e instaladas em todos os setores de nossa economia, porque os empregadores têm interesse em liquidar suas pendências trabalhistas – e ainda mais por um valor que poderá se tornar irrisório.
As comissões prévias, ao tudo indica, observados os fatores contextuais do momento, podem tornar-se numa autêntica “guilhotina” para o pescoço do trabalhador: por uns meros trocados, milhares (ou até milhões!), sem conhecer sequer todos os seis direitos assegurados em lei – darão quitação do contrato de trabalho (mesmo das parcelas não discutidas perante a comissão).
As comissões prévias podem ser criadas dentro das próprias empresas, como também dentro dos sindicatos, sendo que a não exigência de acompanhamento por advogado, além de contrariar o disposto no art. 133 da CF, ainda viola o disposto no art. 5º (caput) ? direito à igualdade – ao exigir de uns, que se submetam à Comissão Prévia e a outros (por não ter sido criada a comissão) a lei não faz nenhuma exigência, sendo que dos que se exigiu o comparecimento à comissão por certo, sem a garantia da presença obrigatória do advogado de sua confiança, terão desrespeitados o direito ao contraditório e à ampla defesa, violando-se o disposto no art. 5º, inciso LV da CF.
Assim, desinformado, desempregado, sem dinheiro, sem perspectivas de vida digna a curto e médio prazo (essa é a realidade contextual), o trabalhador fatalmente irá tornar-se presa fácil desse novo e cruel sistema, irá jogar fora seus direitos por valor irrisório, vil (os operadores do direito mesmo antes dessa “lei” já conviviam com os irrisórios acordos na Justiça do Trabalho, mas em condições onde se respeitava ao menos o direito de defesa, o princípio do contraditório, a presença e acompanhamento do assessor jurídico – o advogado).
A Lei 9958/2000, de 12 de janeiro de 2000, que não assegura a presença obrigatória do advogado nas conciliações prévias, ao submeter o conflito à solução privada, viola o direito constitucional de livre acesso à Justiça para a solução do conflito (art. 5o, XXXV da CF). Essa lei representa a recusa do Estado na composição dos conflitos de interesse, é a privatização da justiça, a entrega da solução a entidades privadas, contrariando as garantias sociais de prevalência do interesse social sobre o interesse privado ( art. 5º, XXIII, art. 170, III CF).
Sem a assessoria do advogado de sua confiança, a reclamação verbal poderá ser lavrada por escrito pelos próprios membros da comissão de negociação prévia (representantes dos empregadores e ou dos empregados e por eles mesmo apreciada), sendo que se o trabalhador aceitar o acordo que lhe for proposto, estará impedido de, mais tarde, reivindicar na Justiça do Trabalho as diferenças salariais e outros direitos que não lhe tenham sido pagos e não discutidos naquela comissão.
Como os sindicatos estão enfraquecidos, a tendência da classe patronal é a de instituir e instalar as comissões não dentro das empresas, mas dentro dos próprios sindicatos de trabalhadores, hoje sem recursos até mesmo para cumprir suas obrigações sociais, previstas em seus estatutos.
Nos últimos anos, tem-se visto que, ao invés de conquistar novos direitos e viabilizá-los nos instrumentos coletivos (Acordos, CCT), os sindicatos de trabalhadores têm aberto mão até daqueles já conquistados nos anos anteriores, em troca de mera reposição da inflação reconhecida. Essa situação de enfraquecimento dos sindicatos, não é desconhecida.
O trabalhador normalmente está desinformado de seus direitos; não sabe quais são; com frequência, procura advogado para discutir algumas horas extras, o FGTS não depositado, e aí é informado de outros direitos. Por isso, deve ser sempre orientado por advogado. Se não for orientado, esclarecido, alertado, e se comparecer perante uma dessas comissões de negociação prévia, mesmo dentro de um sindicato de empregado, poderá quitar todos seus direitos, por quantia irrisória, e ficar impedido de postular em Juízo os demais créditos trabalhistas que não foram submetidos à comissão, como prevê o § Único do art. 625-E
Não se tratando de lei autônoma, mas de disposições inseridas no corpo geral da Consolidação das Leis Trabalhistas, qualquer transação entabulada perante as Comissões tem por consequência seus limites fincados na própria CLT, artigos 9º, 444 e 468.
VII. Da suspensão liminar dos efeitos das normas impugnadas
A relevância jurídica e a premência justificadoras da suspensão dos efeitos jurídicos das normas ora impugnadas, até o julgamento final desta ação direta de inconstitucionalidade, resulta da necessidade de se assegurar a preservação das garantias legais indicadas e violadas, ou seja do reconhecimento de que a exigência de submissão do trabalhador a ter que previamente submeter-se a uma comissão de negociação prévia contraria o disposto no inciso XXXV do art. 5º, como também no sentido de que o efeito liberatório previsto no § único do art. 625-E da Lei 9958/2000 se restrinja apenas às parcelas então postuladas perante a comissão.
Por esta razão, torna-se relevante e urgente que o pedido de suspensão liminar seja apreciado antes que a lei comece a gerar efeitos, que nos termos postos evidenciam riscos iminentes de danos de difícil reparação.
VIII. O Pedido
Do exposto, a Autora requer:
A suspensão liminar, até o julgamento final desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme assegura a alínea “p” do inciso I do art. 102 da Constituição Federal, dos efeitos jurídicos da Lei 9.958/2000, ou quando não ao menos dos artigos 625-D e seus parágrafos indicados, como também do art. 625-E e seu Parágrafo Único da mesma lei citada 9.958/2000, ouvido o Presidente da República e o Congresso Nacional no prazo de 5 dias, conforme dispõe o art. 10 da lei nº 9.868/99;
Que ao Exmo. Sr. Presidente da República e ao Congresso Nacional sejam solicitadas, nos termos do art. 6º da Lei nº 9.868/99 e do art. 170 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, as devidas informações sobre os termos desta ação, a serem prestadas no prazo de trinta dias;
A intimação, nos termos do art. 8º da Lei nº 9.868/99, do Advogado-Geral da União e do Procurador Geral da República, para se manifestarem sucessivamente no prazo de quinze dias.
A declaração de inconstitucionalidade da Lei 9.958/2000, ou quando não ao menos dos artigos 625-D e seus parágrafos indicados, como também do art. 625-E e seu Parágrafo Único da mesma lei citada (9.958/2000), já analisados anteriormente.
Termos em que pede deferimento
Brasília, 26 de maio de 2000
Fonte: Escritório Online