A quantidade e a natureza da droga apreendida podem ser consideradas tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição no chamado tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 – neste último caso, ainda que sejam os únicos elementos aferidos pelo juiz –, desde que não tenham sidos considerados na primeira fase do cálculo da pena.
Com essa tese, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou entendimento anterior do tribunal – endossado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do ARE 666.334, com repercussão geral – sobre a possibilidade de valoração da quantidade e da natureza da droga na fixação da pena-base e na modulação da causa de diminuição.
Quantidade de droga apreendida não afasta minorante
O relator do habeas corpus julgado no STJ, ministro Ribeiro Dantas, lembrou que a Terceira Seção, em junho de 2021, ao analisar os EREsp 1.887.511, adotou as seguintes diretrizes para o reconhecimento do tráfico privilegiado:
1) A natureza e a quantidade das drogas apreendidas são fatores a serem necessariamente considerados na fixação da pena-base, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006;
2) Sua utilização supletiva na terceira fase da dosimetria da pena, para afastamento da diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2016, somente pode ocorrer quando esse vetor for conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente a atividade criminosa ou sua integração a organização criminosa;
3) Podem ser utilizadas para modulação da causa de diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 quaisquer circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no artigo 59 do Código Penal, desde que não utilizadas na primeira etapa para a fixação da pena-base.
O ministro reconheceu que, nos casos julgados pelo STJ, a quantidade de droga apreendida não tem sido, por si só, fundamento válido para afastar a minorante do tráfico privilegiado.
“Embora tenha externado minha opinião pessoal, inúmeras vezes, sobre a impossibilidade de se aplicar a minorante especial da Lei de Drogas nos casos de apreensões de gigantescas quantidades de drogas, por ser deduzível que apenas uma pessoa envolvida habitualmente com a traficância teria acesso a esse montante de entorpecente, a questão não merece discussão, uma vez que está superada, diante do posicionamento contrário do Supremo Tribunal Federal”, observou o relator.
Aferição supletiva da quantidade e da natureza da droga na terceira fase da dosimetria
Apesar da ressalva, Ribeiro Dantas propôs a revisão das orientações estabelecidas nos dois primeiros itens do EREsp 1.887.511, especificamente em relação à aferição supletiva da quantidade e da natureza da droga na terceira fase da dosimetria.
Segundo o magistrado, no julgamento do ARE 666.334, o STF reafirmou a jurisprudência de que as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga devem ser levadas em consideração somente em uma das fases do cálculo da pena. Para o ministro, não parece adequado o uso apenas supletivo da quantidade e da natureza da droga na terceira fase.
Ribeiro Dantas comentou que a adoção de tal posicionamento resultará, em regra, na imposição de penas diminutas – abaixo do patamar de quatro anos de reclusão, como decorrência da incidência da minorante no grau máximo, ressalvados os casos de traficantes reincidentes ou integrantes de grupos criminosos.
Assim, o ministro apresentou a proposta – acolhida por maioria pela Terceira Seção – de manutenção do entendimento anterior do STJ, endossado pelo STF.
No caso em julgamento, o juiz havia afastado o tráfico privilegiado em razão da quantidade de maconha apreendida (147 kg). Aplicando a posição do STF de que a quantidade, em si, não basta para negar a minorante, mas levando em conta o volume expressivo da apreensão, Ribeiro Dantas reduziu a pena do réu na fração mínima prevista em lei, de um sexto.
Veja o acórdão.
Processo: HC 725534