STM: Erro médico – Médica é condenada por homicídio culposo após morte de sargento em pós-operatório

O Superior Tribunal Militar (STM) mudou o entendimento de primeiro grau que havia absolvido uma médica de homicídio culposo, e a condenou à pena de dois anos, um mês e 15 dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto. A decisão ocorreu no dia 1º de agosto.

A denúncia do Ministério Público Militar (MPM) conta que, na noite do dia 21 de outubro de 2014, na sala do centro cirúrgico do Hospital de Guarnição de Porto Velho, em Porto Velho (RO), o 1º sargento do Exército Armindo dos Santos Oliveira morreu após perder muito sangue, em decorrência de complicações pós-operatórias de cirurgia eletiva de amigdalectomia – operação de retirada das amígdalas.

Na tarde daquele dia, por cerca de duas horas, o sargento foi submetido à cirurgia, sob responsabilidade da amédica acusada Gisele da Silva Gonzaga, uma segundo tenente médica do Exército, especialista em otorrinolaringologia. A equipe médica era ainda composta por um tenente coronel, especialista em anestesiologia; um terceiro sargento, técnico de enfermagem, que atuou como circulante; e por uma servidora civil, técnica em enfermagem, que atuou como instrumentadora.

Complicações, após o procedimento, levaram o sargento à morte, por negligência, segundo o MPM. O militar permaneceu no centro cirúrgico até as 18h30, quando foi liberado para enfermaria, consciente e com sinais vitais estáveis. Na oportunidade, a mulher do sargento recebeu explicações sobre o motivo da demora na operação e foi orientada sobre procedimentos do pós-cirúrgico, como a ingestão de sorvete e compressas geladas na região cervical, como medidas adicionais.

Hemorragia

Logo após, já na enfermaria, o paciente começou a apresentar diversos episódios de volumosos sangramentos. O médico plantonista da emergência do HGuPV foi acionado e fez diversos procedimentos para conter a hemorragia, sem sucesso. Por volta das 20h, o plantonista decidiu acionar a médica responsável pela cirurgia, a mesma que se tornaria ré na ação penal, solicitando que ela retornasse ao hospital para reavaliá-lo. Ela chegou 20 minutos depois e por mais 30 minutos tentou procedimentos para estancar a hemorragia.

Ainda segundo o Ministério Público Militar, embora ciente dos graves episódios de sangramento, a médica manteve-se recalcitrante em tornar a decisão de reabordagem cirúrgica do paciente, mantendo conduta conservadora com relação às estratégias para contenção do sangramento, prescrevendo a ingestão de sorvete, compressa gelada na região cervical e administração de medicação anti-hemorrágica, as quais já há muito teriam se mostrado ineficazes.

Já perto das 23h, o quadro clínico do paciente se agravou muito. A médica foi chamada novamente ao hospital, mas não teria priorizado o atendimento do sargento. O paciente já se encontrava em estado de “choque hipovolêmico”, queda importante da oxigenação, pressão arterial muito baixa e sangramento contínuo e incontrolável.

“A ré pegou o tubo para realizar a intubação, mas saiu para atender um telefonema, deixando o tubo em cima do peito do sargento, mesmo diante da gravidade do quadro”, disse o MPM na peça de apelação.

O militar sofreu uma parada cardiorrespiratória ainda na maca, a caminho do centro cirúrgico. As tentativas de reanimação, já no centro cirúrgico, demorariam cerca de 30 minutos, sem sucesso. A declaração de óbito foi firmada pela própria médica, tendo como causa mortis “choque hipovolêmico, devido a pós-operatório de amigdalectomia”.

Para o MPM, a Comissão de Ética Médica também afirmou haver indícios de negligência da médica na condução do caso. “Com base na documentação enviada a esta Comissão de Ética, é possível afirmar que há indícios de negligência na condução do caso em questão, no pós-operatório, realizado pela médica”.

Julgamento no STM

Na primeira instância da Justiça Militar da União (JMU), em Manaus (AM), a médica foi absolvida da acusação de homicídio culposo, por negligência médica. Mas o MPM recorreu ao Superior Tribunal Militar para tentar reverter a decisão do colegiado de primeiro grau.

Na Corte, foi relator o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, que votou para manter a sentença de absolvição da primeira instância. No entanto, a ministra Maria Elizabeth Rocha, revisora da apelação, teve entendimento divergente e votou por condenar a médica.

Em seu voto, a ministra disse que, dos relatos apresentados em juízo, percebe-se que, mesmo sendo alertada sobre a hemorragia incontrolável por várias pessoas, a atitude da médica foi uma só: minorar a gravidade do quadro clínico do sargento e insistir que os episódios de perda sanguínea eram normais e estavam sob “aparente controle”.

“Agregue-se ao trágico episódio, o fato do médico de plantão ter comunicado à médica, por volta das 21h, sobre os exames que demonstraram a necessidade de rápida intervenção emergencial”, disse a revisora.

Ainda de acordo com a ministra Maria Elizabeth, a passividade da médica ante o estado de gravidade de seu paciente constitui verdadeiro ultraje à medicina e vilipendia a classe otorrinolaringológica.

“Desse modo, entendo que a eventual preservação do veredicto absolutório coroará a impunidade e permitirá que o labor cirúrgico assim como o acompanhamento pós-operatório continuem a ser realizados sem a devida atenção a que merecem”, votou.

Por maioria, os ministros do STM acompanharam o voto da revisora e condenaram a médica pelo crime de homicídio culposo, com o direito de continuar recorrendo em liberdade.

Publicação do processo nº 7000357-33.2021.7.00.0000 cedido gentilmente pelo site www.legallake.com.br


Superior Tribunal Militar
Data de Disponibilização: 04/08/2022
Data de Publicação: 05/08/2022
Região:
Página: 2
Número do Processo: 7000357-33.2021.7.00.0000
PLENÁRIO SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO
STM – SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
ATA DE JULGAMENTO

ATA DA 37ª SESSÃO DE JULGAMENTO, PRESENCIAL (VIDEO-CONFERÊNCIA),
EM 02 DE AGOSTO DE 2022 – TERÇA-FEIRA PRESIDÊNCIA DO MINISTRO Dr. PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ

Presentes os Ministros José Coêlho Ferreira, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, Artur Vidigal de Oliveira, Lúcio Mário de Barros Góes, José Barroso Filho, Francisco Joseli Parente Camelo, Marco Antônio de Farias, Carlos Vuyk de Aquino, Leonardo Puntel, Celso Luiz Nazareth, Carlos Augusto Amaral Oliveira e Cláudio Portugal de Viveiros.

Ausente, justificadamente, o Ministro Odilson Sampaio Benzi.
Presente o Subprocurador-Geral da
Justiça Militar, designado, Dr. Giovanni Rattacaso.
Presente a Secretária do Tribunal Pleno, Sonja Christian Wriedt.
A Sessão foi aberta às 13h30, tendo sido lida e aprovada a Ata da Sessão anterior.

COMUNICAÇÃO DO PRESIDENTE
No uso da palavra, o Ministro Presidente Dr. PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ deu ciência ao Plenário acerca de sua determinação para se proceder a estudo amplo com o levantamento de todas as situações de aplicação do Acordo de Não-Persecução Penal (ANPP) na Justiça Militar, bem como também uma projeção de como essa aplicação resultaria na estatística da jurisdição militar federal.

Relatou que, mediante reunião, na última sexta-feira, com a presença da Juíza-Corregedora uxiliar, Dra. Safira Maria de Figueredo, do Secretário-Geral da Presidência, Cel Fabiano Souto Martins e os integrantes da Assessoria de Gestão Estratégica e Inovação (AGEST) fez essa determinação por entender ser uma matéria de urgência a ser apreciada em Plenário, assim, quanto mais cedo forem iniciados esses estudos, a Presidência, através do Ministro LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES poderá receber o relatório e apresentar, caso assim também entenda, ao Plenário da Corte para eventual deliberação.

Outrossim, o Ministro Presidente informou que, por iniciativa de seu Gabinete e da Corregedoria, encaminhará à Presidência da Comissão de Jurisprudência da Corte proposta de Súmula considerando os casos de precedentes unânimes da não aplicação do ANPP, ou seja, a proposta e Súmula a ser examinada pela Comissão é no sentido de não ser aplicável à Justiça Militar o art. 28-A do CPP comum, que prevê o ANPP. Concluindo, sustentou ser necessário que a Corte, como
principal órgão doutrinador e de prestação jurisdicional militar do País, adote posição plenária acerca do novo Instituto destinado à Justiça Comum.

JULGAMENTOS

APELAÇÃO Nº 7000357 – 33.2021.7.00.0000 . RELATOR:

MINISTRO CARLOS AUGUSTO AMARAL OLIVEIRA.
REVISORA: MINISTRA MARIA ELIZABETH GUIMARÃES
TEIXEIRA ROCHA. APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR.
APELADO: GISELE DA SILVA GONZAGA.
ADVOGADOS: CÂNDIDO OCAMPO FERNANDES (OAB: RO780), IGOR AMARAL GIBALDI (OAB: RO6521) e MAGNUM JORGE OLIVEIRA DA SILVA (OAB: RO3204).

Prosseguindo no julgamento interrompido na Sessão Virtual, realizada no período de 07 a 10 de março de 2022, e após o retorno de vista do Ministro ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA, o Plenário do Superior Tribunal Militar, por maioria, conheceu e deu provimento ao recurso do MPM
para, reformando a sentença a quo, condenar a ex-2º Tenente-médico do Exército Gisele da Silva Gonzaga, como incursa no art. 206, caput, do CPM, à pena de 2 (dois) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, na conformidade do artigo 33, § 2º,
alínea “c”, do CP comum, e com o direito de continuar recorrendo em liberdade. Proferiu voto de vista o Ministro ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA que, acompanhado dos Ministros JOSÉ COÊLHO FERREIRA, JOSÉ BARROSO FILHO, FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO e CARLOS VUYK DE AQUINO, conhecia e negava provimento ao Apelo interposto pelo Ministério Público Militar, e mantinha inalterada a sentença absolutória recorrida, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Os votos dos Ministros LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES e ODILSON SAMPAIO BENZI foram computados na forma do art. 79, § 6º do RISTM. Os Ministros MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA (Revisora) e ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA farão declarações de voto.

A Sessão foi encerrada às 19h35.

(Ata aprovada pelo Plenário do Superior Tribunal Militar, em 04/08/2022, sob a presidência do Ministro Gen Ex LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES)

SONJA CHRISTIAN WRIEDT
Secretária do Tribunal Pleno


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