TJ/MT: Palavra da mulher é suficiente para direito à medida protetiva de urgência, diz lei Maria da Penha

A palavra da mulher vítima de violência doméstica e familiar é suficiente para concessão de medida protetiva de urgência, independentemente da existência ou não de boletim de ocorrência, inquérito policial ou processo civil ou criminal em face do agressor. Além disso, a medida deve vigorar pelo tempo em que perdurar o risco à integridade da mulher, sendo necessária a oitiva da vítima para sua revogação por parte da autoridade judicial. Este foi o resumo do que foi tratado durante o Encontro Estadual sobre Medida Protetiva de Urgência, realizada na segunda-feira (22), pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, do Tribunal de Justiça (Cemulher-MT), na sede do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).

Esse entendimento trazido pela lei 14.550/2023, que traz inserções para a Lei Maria da Penha (lei 11.340/200) foi especialmente abordado na palestra da professora e jurista Alice Bianchini, que defendeu a nova lei como uma ferramenta não de mudança, mas de ratificação do que já era previsto, mas que era alvo de inúmeras interpretações controversas em decisões judiciais pelo Brasil, o que, por vezes, dificultava a garantia do direito da mulher à proteção.

Conforme apresentado no evento, a principal ratificação trazida pela lei 14.550/2023 diz respeito à suficiência da palavra da vítima para a concessão da medida protetiva de urgência, mesmo que a mulher não tenha registrado sequer um boletim de ocorrência em face do agressor. Isso porque a natureza jurídica da Lei Maria da Penha é autônoma, ou seja, nem criminal e nem penal, conforme pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e ratificado na lei mais recente.

A palestrante explicou que “a natureza jurídica da medida protetiva é autônoma porque ela é sui generis, a gente não consegue colocar numa caixinha, ela está dentro de uma preocupação, dentro de um histórico muito mais amplo que são os direitos humanos das mulheres”, disse.

Por conta disso, a lei mais atual veio para reforçar o papel preventivo da medida protetiva de urgência, cujo papel é evitar que a mulher seja vítima de violência, mesmo que essa violência não esteja tipificada no código penal, uma vez que a violência contra a mulher é divida em física, moral, sexual, patrimonial e psicológica.
“A medida protetiva de urgência vai ser deferida havendo violência. E muitas das violências elencadas lá em 2006 não tinham um correspondente criminal. Então é preciso entender que a Lei Maria da Penha não é criminal. A lei Maria da Penha, quando fala de violência, trabalha no seu aspecto sociológico, não é o aspecto criminal. A medida protetiva de urgência é para evitar uma próxima violência e não para evitar um crime. Então, a mulher tem direito sim a uma medida protetiva ainda que não se configurou o crime. É o que diz a lei”, explica Alice Bianchini.

A pesquisadora do tema violência contra a mulher e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) pela categoria de Notório Saber, explicou que determinação de que a palavra da vítima é considerada suficiente com base em estudos no âmbito da Criminologia, que apontam aspectos sociológicos e estatísticos da violência de gênero. “A gente sabe que normalmente a violência acontece entre quatro paredes e, muitas vezes, acontece até na frente dos filhos, mas ninguém vai trazer essas crianças pra testemunhar. E acontece durante o final de semana. E aí nós tivemos uma nova lei muito importante, que é a que determinou que as delegacia de atendimento à mulher funcionassem 24 horas. E essas informações em relação à violência contra a mulher nos dizem que a mulher vai suportando essa violência durante anos e anos até que ela não aguenta mais e, aí sim, ela pede socorro. Mais de 50% das mulheres que sofrem violência no Brasil, sofrem quietas, sem dizer nem sequer para suas famílias”, afirmou a palestrante.

Ela complementou ainda que diante desses dados em relação ao contexto da violência contra a mulher, “não tem como exigir dela a prova porque se for exigir essa prova, ela não tem como trazer, mas ela precisa da medida protetiva. Então o legislador trouxe para a lei, a partir do conhecimento da Criminologia, que temos que acreditar na palavra da mulher”.

Mais do que isso, a jurista Alice Bianchini, autora do livro “Crimes Contra Mulheres”, publicado neste ano, chama a atenção dos operadores do Direito que atuam na rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar que “ao acreditar na palavra da vítima, todo o sistema de justiça tem que fazer com que a vítima acredite que está sendo acredita porque se a vítima não acreditar que as pessoas estão acreditando nela, ela é capaz de não voltar mais, dela sumir. E aí, no lugar dela estar sendo protegida, ela estará sendo desprotegida. Esta é uma preocupação muito grande”, destacou, ponderando que essa premissa é válida especificamente na análise da concessão de medida protetiva de urgência e não no processo criminal. “No processo para condenar é outra conversa bem diferente”, pontuou.

Independência de representação – Em sua apresentação, a professora Alice Bianchini reforçou ainda para o público – composto majoritariamente por magistrados, delegados de polícia, advogados, defensores públicos, promotores de justiça servidores dos Poderes Judiciário e Executivo que atuam no combate à violência doméstica e familiar – que, conforme a Lei Maria da Penha e suas inserções, a medida protetiva de urgência pode ser deferida independentemente da existência de inquérito policial, processo civil e processo criminal.

Ou seja, caso a mulher esteja com medo de representar contra o agressor, mesmo assim ela pode solicitar a medida protetiva à autoridade policial. Concomitantemente, a lei prevê que ela seja orientada quanto aos seus direitos no sentido de encorajá-la a representar contra o agressor.

Além disso, Alice Bianchini apontou para a regra de que para haver revogação da medida protetiva de urgência, o magistrado precisa ouvir a vítima para conferir se ainda persiste o risco de violência. “Diz o parágrafo sexto do artigo 19 da Lei Maria da Penha, pela lei 14.550/2023, que a medida protetiva de urgência somente cessará quando cessarem os motivos da sua necessidade, quando ela não for mais necessária. E para ela não ser mais necessária, a gente precisa ouvir a vítima necessariamente. A vítima é quem vai dizer para nós e, de novo, temos que acreditar na palavra dela”, asseverou.

Participante do Encontro Estadual sobre Medida Protetiva de Urgência, o delegado Jefferson Dias Chaves, que atua na Delegacia Especializada de Delitos Contra a Pessoa Idosa (DEDCPI), onde atende idosas vítimas de violência doméstica, classificou a palestra como “fantástica” e afirmou que a lei 14.550 vem para facilitar a atuação da autoridade policial. “A medida protetiva não vai discutir se é processo penal ou não. Vai discutir realmente que se a mulher está se sentindo ameaçada, tem que ser deferida, tanto é que o legislador já entende dessa forma, facilitando que o próprio delegado de polícia pode conferir a medida protetiva. A lei foi muito feliz nesse sentido de que a mulher só quer ter esse direito de ser vista, respeita e a gente tem que compreender isso. Temos que tirar essa mácula que em nosso país ainda existe muito, que é o machismo”, disse.

O delegado destaca ainda que a medida protetiva é uma forma de garantir o mínimo de tranquilidade à vítima. “É obrigação do Estado proteger as pessoas. Principalmente nesse caso, é primordial naquele momento dar todas as condições à mulher, tirar ela daquele problema, colocar ela numa casa de apoio, se for o caso, e dar essa sensação de segurança neste momento para que ela possa respirar e a gente ver o que vai fazer por ela daqui pra frente porque, às vezes, quando a mulher chega naquele ponto de procurar uma delegacia, você pode ter certeza de que ela tentou de todas as maneiras preservar esse casamento, esse relacionamento., mas chega o momento em que ela procura ajuda. E ela tem que ser acolhida. Por isso a lei é preventiva e a medida protetiva, no momento certo, pode salvar uma vida”, avalia.


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