Ao julgar uma causa, o juiz deve tomar uma decisão com base em fatos e provas, de acordo com a lei e sua interpretação. No entanto, o que acontece quando a prova não é suficiente para decidir a questão e o juiz precisa utilizar seu senso comum para preencher as lacunas?
O Código de Processo Civil brasileiro prevê em seu artigo 375 que: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”
Em caso recente, o STJ decidiu que o Juiz não pode extrapolar esse senso comum e se arvorar em questões técnicas que demandam a necessidade de perícia:
RECURSO ESPECIAL Nº 1786046 – RJ
EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE IMÓVEL PARA PAGAMENTO DA DÍVIDA. DISCUSSÃO ACERCA DO VALOR DA AVALIAÇÃO. APLICAÇÃO DAS REGRAS OU MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PERÍCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Discute-se nos autos se o imóvel penhorado para pagamento da dívida deve ser avaliado necessariamente por perícia ou se, ao contrário, pode seu valor ser fixado pelo próprio julgador com base nas máximas da experiência de que trata o art. 375 do CPC.
2. As regras (ou máximas) da experiência designam um conjunto de juízos que podem ser formulados pelo homem médio a partir da observação do que normalmente acontece. Reúnem proposições muito variadas, que vão desde conhecimentos científicos consolidados como o de que corpos metálicos dilatam no calor até convenções mais ou menos generalizadas, como a de que as praias são mais frequentadas aos finais de semana.
3. Muito embora constituam um conhecimento próprio do juiz, não se confundem com o conhecimento pessoal que ele tem a respeito de algum fato concreto, em relação ao qual, exige-se, de qualquer forma, a produção de prova específica, sob o crivo do contraditório.
4. Conquanto se possa admitir que o Desembargador Relator do acórdão recorrido, por conhecer o mercado imobiliário do Rio de Janeiro e também o imóvel penhorado, pudesse saber o seu real valor, não há como afirmar que essa seja uma informação de conhecimento público.
5. Impossível sustentar, nesses termos, que o bem penhorado podia ser avaliado sem produção de prova pericial, pelo próprio julgador, com base no art. 375 do CPC. 6. Recuso especial provido.
ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 09 de maio de 2023. Ministro MOURA RIBEIRO Relator
Nessa linha, vale trazer a lição de ARRUDA ALVIM:
Assim, por exemplo, não poderá o juiz ao argumento de ser graduado em Ciências Contábeis, dispensar a perícia destinada a apurar, mediante operações complexas de contabilidade, o valor devido pelo réu ao autor. Tal conduta violaria frontalmente a imparcialidade; por isso mesmo, estabelece o art. 144, I, do CPC/2015, o impedimento do juiz que já tenha funcionado como perito na causal. Em tais circunstâncias, também o princípio do contraditório teria sido inobservado, porquanto as partes interessadas e respectivos assistentes técnicos não teriam as mesmas oportunidades de impugnação e debate sobre o laudo pericial, assim, como não estariam em posição de influenciar o convencimento judicial no sentido de refutar a conclusão técnico-científica previamente alcançada. Note-se, ainda, que o juiz de primeiro grau não é o único órgão jurisdicional competente para valorar a prova, e que, em caso de recurso, os Tribunais terão, decerto, extrema dificuldade em rever a premissa fática de sentença que tenham como fundamento probatório informações que decorrem do conhecimento técnico ou científico que só o sentenciante possui (Contencioso Cível no CPC/2015. 2ª ed. São Paulo: RT, 2022. p. 501)
Isso significa que, dentro dos limites da legalidade e do respeito às garantias processuais das partes, o juiz tem liberdade para apreciar a prova e decidir de acordo com seu senso comum, experiência e conhecimentos gerais. Por outro lado, essa liberdade deve ser exercida de forma responsável e fundamentada.
Mas qual é o limite da liberdade do juízo para utilizar o senso comum para julgar o feito? Não existe uma resposta única para essa pergunta, pois vai depender do caso concreto e das circunstâncias envolvidas. No entanto, é preciso considerar alguns pontos importantes.
Em primeiro lugar, o juiz deve sempre buscar utilizar critérios objetivos, evitando preconceitos, estereótipos e crenças pessoais. Em segundo lugar, é preciso ficar atento ao fato de que a decisão judicial tem consequências reais na vida das pessoas e na sociedade como um todo. Por isso, é fundamental que a decisão seja fundamentada e coerente.
As máximas da experiência consistem em um conjunto de observações que o indivíduo comum pode formular a partir do que comumente acontece. Tais proposições abrangem tanto conhecimentos científicos consolidados, como o conhecimento do senso comum sobre os efeitos nocivos do tabagismo, como a de que as praias são mais frequentadas aos finais de semana. Em suma, tais regras constituem um compêndio de saberes que refletem a sagacidade e a perspicácia por parte do ser humano em detectar padrões em seu cotidiano e neles se embasar.
Em suma, a decisão do juiz à luz do artigo 375 do Código de Processo Civil deve ser pautada pelo equilíbrio entre a liberdade de apreciação da prova e a responsabilidade de decidir com base em critérios objetivos e fundamentados. Cabe aos magistrados exercerem com responsabilidade a sua função jurisdicional, garantindo o respeito aos direitos das partes e a justiça nas decisões.
1 – Matéria relacionada publicada no site Sedep.com.br em 23 de junho de 2023.
STJ: Juiz não pode arbitrar valor de imóvel penhorado com base na regra de experiência
2 – Artigo produzido pela inteligência artificial da Sedep a partir da análise de decisões e acórdãos diversos colhidos na base de dados jurídicos armazenados em seu banco de dados.
Em um caso recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfatizou a importância de o juiz manter uma postura profissional ao lidar com questões técnicas que requerem perícia. Em outras palavras, o senso comum não basta, e é preciso contar com avaliações especializadas para garantir uma decisão justa e embasada. Portanto, cabe aos magistrados agir com cautela e respeitar os limites de sua expertise, evitando extrapolar seus conhecimentos e prejudicar o andamento processual. É uma questão de responsabilidade e compromisso com a justiça.