À unanimidade, a Primeira Turma Julgadora da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) seguiu voto do relator, desembargador Anderson Máximo de Holanda, e negou provimento a recursos interpostos pela Viação Araguarina Ltda e pela Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR) contra sentença de primeira instância que julgou procedente ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) para condenar a primeira ao pagamento de R$ 200 mil por danos morais coletivos, a ser destinado ao Fundo Municipal de Defesa dos Consumidores de Anápolis; a cumprir rigorosamente os horários de partida, trânsito e chegada dos ônibus no trecho Goiânia-Anápolis; elaborar quadro com os horários de atendimento dos ônibus com acessibilidade a usuários de cadeira de rodas; treinar e qualificar permanentemente seus empregados para garantia de uma condução com atenção e urbanidade; realizar rotineiramente, e de forma eficiente, a limpeza dos ônibus empregados no transporte de passageiros e equipar sua frota com cintos de segurança.
A sentença mantida também determinou que a AGR, por sua vez, promova com a lotação de fiscais, em caráter definitivo, no Terminal Rodoviário Josias Moreira Braga, para fiscalização dos serviços de transporte rodoviário intermunicipal. Finalmente, fixou multa de 500 reais por cada ato determinado pela sentença e descumprido, quer pela AGR, quer pela Viação Araguarina.
Na ação civil pública, o MPGO sustentou e comprovou serem verdadeiras inúmeras reclamações feitas por usuários do serviço público de transporte coletivo intermunicipal da linha 11.101-01-Goiânia-Anápolis, segundo os quais as frotas estavam em mau estado de conservação e limpeza, ocorriam atrasos diários com tempo de espera demasiado; superlotação, com condução de passageiros em pé durante a viagem; recusa de devolução de troco; ausência de ônibus com acessibilidade à pessoa com deficiência ou de horários preestabelecidos dos veículos equipados com rampa de acesso ou elevador e, ainda, falta de pronto atendimento dos usuários no site e telefone de contato da empresa.
Comprovou-se, ainda, relatos de que o telefone de contato da ouvidoria da AGR não recebia ligação efetuada por telefonia móvel, de que os empregados não recebiam treinamento para utilização do equipamento de acessibilidade e de que não existiam fiscais da AGR, em horário comercial, na rodoviária de Anápolis.
Recursos
Nos recursos interpostos contra suas condenações, a Viação Araguarina e a AGR alegaram violação ao princípio da separação dos poderes, por consistir em indevida intervenção do Poder Judiciário na discricionariedade da função típica administrativa do Poder Executivo; garantiram que as irregularidades apontadas pelo MPGO na execução do serviço foram sanadas durante o trâmite da ação civil pública; justificaram que a falta de pontualidade no serviço é ocasionada pelo tráfego intenso daquele trecho semiurbano (Goiânia-Anápolis) e que tal fato não acarreta prejuízos consideráveis aos usuários. E, também, que os atrasos superiores a três horas são lícitos, quando decorrentes de defeito, falha ou outro motivo de sua responsabilidade.
Voto
O desembargador Anderson Máximo pontuou que o transporte coletivo intermunicipal constitui serviço público essencial e, ainda que seja delegado pelo Poder Público a particulares, deve ser eficazmente acompanhado pela autarquia estatal reguladora, a fim de garantir que seja cumprido de forma adequada, motivo pelo qual é incabível alegação de ingerência entre poderes. O relator citou o parágrafo único do artigo 22 do Código de Direito do Consumidor, segundo o qual nos casos de prestação desse tipo de serviço público de forma inadequada pela concessionária, esta deve ser compelida a ajustar sua conduta e a reparar os danos causados. “Outrossim, como é cediço, o Poder Judiciário, dentro de seu mister constitucional, deve e pode impor ao Poder Executivo o cumprimento da disposição constitucional que garante a integridade física e moral dos cidadãos, assim como o acesso real aos direitos sociais de assento constitucional, sob pena de se extirpar qualquer força das ordens vinculantes da Constituição Republicana”, asseverou o desembargador.
Anderson Máximo observou, ainda, que persistiam as situações que ensejaram a ação judicial pelo MPGO, conforme farta documentação e depoimento de testemunhas. Para ele, ficou cristalino o grande número de atrasos cotidianos e as reiteradas vezes em que não havia ônibus no horário preestabelecido, o que contribuía para a superlotação e viagem em pé de passageiros. Salientou ainda o desembargador que o transporte habitual de passageiros em pé em rodovia federal é expressamente vedado pela Lei Estadual n.º 18.673/2014 e que, de igual modo, a utilização e disponibilização do cinto de segurança é obrigatória pelos artigos 65 e 105 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
“As provas produzidas são suficientes para evidenciar a ineficiência cotidiana e rotineira do serviço prestado, em desacordo com as exigências constitucionais e legais, de modo que não merece retoques a sentença profligada quanto às obrigações de fazer e não fazer impostas aos apelantes”, frisou o relator.
Para o relator, o direito de ir e vir dos usuários da linha Goiânia-Anápolis foi, indubitavelmente, prejudicado em razão dos graves vícios na prestação do serviço essencial. “Assim, é incontestável lesão da esfera moral dos usuários que utilizam a linha em questão, já que foram reiteradas vezes prejudicados pela corriqueira e contumaz ineficiência do serviço, resultando daí o dever de indenizar”, concluiu.