por Eduardo Mahon
E o que vem a ser o sistema binário de voto? É fundamental entendermos o mecanismo de votação brasileira para entendermos a razão pela qual cartolas estão tão amedrontados com as togas. O eleitor, ao digitar na urna eletrônica o número do candidato, assinala a identidade partidária em primeiro lugar ou em conjunto com o político. Assim, sempre este terá o carimbo daquele. Candidatos a eleições proporcionais são identificados depois do número originários de seus partidos. Candidatos a eleições majoritárias são representantes do número da sigla originária. Daí nascer a conclusão necessária que a legislação brasileira privilegia uma dupla escolha — a do candidato e a do partido, num sistema binário de voto.
A lógica do sistema, por mais questionável que seja, conduz ao fortalecimento progressivo dos partidos maiores e ao lento sufocamento de minúsculas legendas. É claro que nem sempre o raciocínio legislativo funciona tão bem. Ao contrário, o que ocorre é oposto: diante da facilidade para a criação de uma nova agremiação partidária, sempre a conveniência pode levar ao nascimento de uma bandeira de conveniência, uma sigla de aluguel ou um partido de nanicos pajés ou de um único cacique. E como não funcionaram as cláusulas de barreira que extinguiriam algumas prerrogativas dessas legendas, por culpa inclusive de um entendimento tosco do Judiciário, temos outra distorção nacional insuperável.
Pode-se imputar ao Judiciário a culpa por um certo non sense. Se, de um lado, defende o núcleo partidário vinculando o destino do candidato a agremiação de origem, sob pena de perda do mandato, por outro não entendeu que a pluralidade partidária indiscriminada, ao contrário de representar a democracia, traduz mais uma prática comercial do que formas de livre expressão. Em qualquer outro sistema liberal do mundo, a fundação do partido não é obstada e nem castrados os direitos políticos do cidadão comum. Entretanto, da estruturação da legenda até a representação nacional, há uma enorme distância. Pode-se facilmente montar uma agremiação em prol de qualquer objetivo nobre, mas não almejar com tanta rapidez um assento num parlamento, sobretudo de dimensão nacional.
Afora esse deslize no raciocínio judicial que contraditoriamente manteve as folgas dos pigmeus eleitorais, o sistema jurisdicional tem dado mostras claras de coerência e empenho por dizimar a traição. Desfiliações imotivadas são o novo alvo das atenções do Tribunal Superior Eleitoral.
Os ministros acertadamente decidiram que o desligamento caprichoso seria uma forma alternativa de atraiçoar a legenda originária, ainda que não haja a filiação posterior noutro partido. Usando dos mesmos fundamentos da condenação às mudanças de sigla para sigla, é exato dizer que um político sem partido é até pior do que aquele que pula de galho em galho.
O político sem legenda não deve nada a ninguém, não segue orientação de quem quer que seja, sendo impossível ao eleitor cobrar de um organismo representativo as posturas de seu escolhido. Ademais, não está sujeito às disciplinas partidárias, nem muito menos à coerência programática de qualquer agremiação, vagando fantasmagórico pelos corredores do poder, sem âncora ideológica ou desprezando a vontade do eleitor de vê-lo seguindo uma plataforma mínima responsável pela eleição. Portanto, o divórcio sem causa entre o candidato eleito e o partido político é justa causa para a retomada da cadeira e conseqüente despedida do lar deste infiel.
Todavia, insta saber se a expulsão é conducente da perda do mandato. E quando o político, por um ou outro ato, é sujeito a uma sanção partidária máxima e, assim, despede-se da legenda, também perderá o mandato eletivo? Nessa altura, um ponto sensibilíssimo, pois se a resposta for positiva, grassará o caciquismo com maior força, descartando os eleitos menos convenientes e convocando marionetes para as vagas obtidas com a expulsão do candidato.
Há expulsões e expulsões. Há aquelas por descumprimento de uma programação ideológica e enfrentamento de orientações em votações. Essa sim, automaticamente pode ser considerada justa causa capaz de levar a perda do mandato. Contudo, há expulsões também imotivadas, as de ordem subjetiva, sumária ou por questionáveis processos disciplinares. Aí é preciso um pronunciamento judicial para a retomada da vaga. É estudar caso a caso.
No próximo capítulo, estudaremos a traição partidária por tabela, por ocasião do surgimento de uma nova agremiação que pode refletir uma legítima vontade popular, o que dificultaria a máxima da infidelidade. Essas e outras polêmicas ainda nesta série.
Revista Consultor Jurídico