Fumaça e fogo – Crise aérea ainda está longe de ser solucionada

por Fabiana de Oliveira Cunha Sech

O anúncio da continuidade dos Juizados Especiais nos principais aeroportos do país, por ato do Conselho Nacional de Justiça, é um sinal de que a ainda há fogo a ser apagado no incêndio do sistema aéreo brasileiro.

A instalação destes Juizados deu-se sob regime de auxílio aos passageiros no combate ao caos aéreo e, portanto, previsto inicialmente para perdurar até 31 de janeiro do corrente ano. Ao se fazer um breve retrospecto sobre a chamada crise aérea, levanta-se não só a confusão organizacional de todo o sistema, mas um flagrante e constante desrespeito ao consumidor, demonstrando todos os problemas da Administração Pública.

O ano de 2006 findou com a exposição, nua e crua, das fragilidades e mazelas do sistema aéreo do país — ocasionadas por graves problemas estruturais e econômicos e pelo descaso das autoridades públicas — com motim dos controladores de vôo e, infelizmente, com a queda do avião da companhia aérea Gol e morte de 154 passageiros, cujo resgate foi referido com “delicadeza” singular pela então diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) na época das buscas na floresta amazônica.

No balanço de 2007, acrescentou-se, ainda, a quebra da BRA, a queda de outro avião, desta vez da companhia aérea Tam, e lamentavelmente a morte de mais 199 cidadãos brasileiros que certamente honravam os tributos do país que tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, cujo alento à pátria comovida foi o “sábio” conselho da Ministra do Turismo sobre como enfrentar os infindáveis atrasos nos aeroportos e o “humanitário” gesto do assessor da presidência sempre atento aos noticiários.

Neste ínterim mudaram-se os principais dirigentes da Anac, para o Ministro da Defesa e instalou-se um braço do Poder Judiciário, por meio dos Juizados Especiais, dentro dos principais aeroportos (Brasília, no Galeão e Santos Dumont, do Rio de Janeiro e em Congonhas e Guarulhos, de São Paulo), alardearam-se melhoras nas condições de trabalho dos controladores de vôo e a reestruturação da malha aérea. Mas quais foram efetivamente os resultados práticos sentidos pelo país?

O aeroporto da capital do país foi eleito pela revista americana Forbes o líder no ranking dos menos pontuais. Segundo a edição, apenas 27% dos vôos decolam no horário, dado muito inferior a países como Japão e Coréia, por exemplo, que, ainda de acordo com a revista, possuem 97% e 95% de pontualidade, respectivamente. Os aeroportos de São Paulo também estão entre os cinco primeiros no ranking de impontualidade.

Na contramão, as autoridades brasileiras, incomodadas com a desonrosa liderança, anunciaram a criação de uma espécie de fiscais de vôo, os quais terão a incumbência de verificar, inclusive dentro das aeronaves, a pontualidade das companhias, como se os atrasos fossem ocasionados tão somente por estas e como se tal medida fosse capaz de gerar algum resultado satisfatório para os passageiros.

Porém, é mais fácil investigar e culpar a iniciativa privada que apontar as próprias chagas da Administração Pública. As causas dos acidentes das companhias aéreas Gol e Tam ainda não foram divulgadas pela investigação oficial ou não ao menos de forma clara e definitiva, o que impede os familiares das vítimas de ao menos terem o direito de buscar a responsabilização dos verdadeiros culpados pelos sinistros, dando ensejo aos protestos, em meio ao luto, tal como o realizado pela Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Acidente com o Airbus A 320 (Afavitam) na tarde de domingo, 20 de janeiro deste ano, no saguão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Segundo dados divulgados pelo Portal de Notícias G1, seis meses após a maior tragédia da aviação brasileira — o acidente da Tam — cerca de 80% das famílias das vítimas ainda não foram indenizadas, 41 acordos foram concluídos até agora — 30 foram pagos e 11 estão aguardando pagamento.

Como se não bastasse, cerca de 50 famílias que não concordaram com o valor proposto, entraram com ações na Justiça dos Estados Unidos — onde acionam a Tam, a Airbus, as fabricantes do reverso e do freio, além da empresa que faz manutenção das aeronaves da companhia aérea — visando com tal medida buscar a real, rápida e eficaz prestação jurisdicional que no Brasil, lamentavelmente leva anos para ser conferida, a exemplo das famílias do outro acidente da Tam, ocorrido em 1999, que ainda se queixam de não terem recebido a indenização.

Paralelamente, cidadãos empolgados com bilhetes domésticos e internacionais da BRA foram surpreendidos com a notícia da suspensão dos vôos da companhia, da noite para o dia, sem nenhuma explicação por parte das autoridades públicas que, como meras expectadoras da atividade empresarial aérea, mais uma vez nada fizeram para evitar o prejuízo de milhares de passageiros.

Assim, o embarque para a viagem pretendida tardou a sair e, quando saiu, foi por meio de endossos para as demais companhias, enfrentando dias de fila para conseguir um lugar na nova aeronave. O retorno de muitos ficou comprometido, sobremodo dos passageiros que se encontravam no exterior para quem restou o consolo tão só de pedir o reembolso da passagem, vez que em muitas localidades as companhias internacionais recusaram-se a aceitar o endosso.

Arrematando suntuosamente o caos instaurado, adveio a notícia que a BRA entrara com pedido de Recuperação Judicial na 1ª Vara de Recuperações Judiciais do Fórum João Mendes Jr., em São Paulo, Processo 2007.255180-0 e, por conta disto, todos os pedidos de reembolso feitos por passageiros somente serão pagos quando e na forma apresentadas pela companhia, nos termos do artigo 49 e 53 da Lei 11.101/05.

Para toda a coletividade: para aqueles que vivem do turismo, para aqueles que necessitam viajar frequentemente ou que sonham com uma viagem de férias para um destino distante, para os que anseiam pela Copa do Mundo de 2014 no Brasil, ou simplesmente para aqueles que, mesmo sem voar, preocupam-se com a segurança e eficácia do sistema aéreo e da própria imagem do país, permanece a indignação e a notória sensação de que ainda há muito a ser feito para que um dia possamos ter o privilégio de decolar e aterrissar no horário, com a companhia escolhida, pagando um preço justo e em perfeita segurança.

Indignação esta que ainda pode aumentar. Com o fim da CPMF é possível que mais uma vez o setor aéreo perca os recursos tão necessários para solucionar parte de suas deficiências estruturais. A decisão, mais uma vez, está nas mãos do Governo. Cabe aos cidadãos, no entanto, buscar mecanismos para que as iniciativas em benefício da maioria se estabeleçam, tal como pede a democracia.

Revista Consultor Jurídico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento