por Gláucia Milicio
Se for aprovado o novo Estatuto da Família, crianças poderão ser adotadas por casais homossexuais e até por duplas de amigos. Sem burocracia e sem maiores complicações. O Projeto de Lei 2.285/2007, de autoria do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA) e elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), que tramita desde outubro passado no Congresso, tem por objetivo reunir os direitos das novas configurações familiares baseadas principalmente na afetividade.
A projeto retira o artigo 1.622 do Código Civil de 2002 que diz: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável”. Com o novo dispositivo, casais homoafetivos passam a poder adotar, assim como duas pessoas que tenham uma relação puramente de amizade.
O Estatuto prevê, ainda, mudanças práticas como: casamento homoafetivo, a criação do estado civil “convivente” (para quem já vive em união estável), reformulações nas questões referentes à guarda de filhos de pais divorciados, entre outros.
Para o presidente do IBDFam, Rodrigo da Cunha Pereira, o projeto é produto da reflexão de dez anos de existência do instituto. “A intenção é instalar novos paradigmas jurídicos para a organização das famílias”, afirmou ao explicar que o conceito de família mudou. “Hoje, não existe uma família. Existem várias: homoafetivas, sócio-afetivas e parentais”.
Segundo ele, o projeto representa o pensamento mais legítimo e contemporâneo do direito de família. “É um projeto considerado ousado, mas certamente traduz o pensamento não só da comunidade jurídica, mas, principalmente, da realidade brasileira atual, já que o Código de 2002 traduz a moral do século passado”.
Quando o assunto é família, a desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também é especialista. Segundo ela, o novo estatuto, é ideal por retratar a sociedade atual. “Esse estatuto é do futuro”, acrescentou.
Para Berenice, a legislação vigente é retrógada por perpetuar um modelo patriarcal de família. O Código Civil de 2002, segundo ela, apenas copiou conceitos estabelecidos no final dos anos 60. “O livro de Direito da Família do novo Código já nasceu velho e temos a necessidade de criar um livro novo”, diz a desembargadora.
Além de obstáculos imprevistos, como uma CPI para investigar os gastos do governo com cartões corporativos, a tramitação do projeto deve encontrar muita resistência no Congresso, acredita Berenice. Uma delas será com as bancadas religiosas, especialmente a evangélica e a católica, que adotam um discurso punitivo para quem sai do modelo. Para o presidente do IBDFam, o discurso dos evangélicos é o mesmo de 30 anos atrás: conservador.
A advogada Alessandra Abate, do escritório Correia da Silva Advogados, considera que a legislação atual não contempla relações entre pessoas do mesmo sexo hoje existentes e que têm implicações patrimoniais, previdenciárias e sucessórias entre outras. “É preciso assegurar a essas pessoas todos os direitos que as pessoas de sexos diferentes e que vivem juntas têm”, defende.
Outro ponto importante do projeto é o que trata da maternidade e da paternidade sócio-afetiva. Segundo a advogada, a paternidade será função efetivamente exercida, tanto quanto a maternidade. De acordo com o projeto, será considerado pai e mãe aqueles que criam os filhos e não apenas quem os gera. Outra novidade trazida pelo novo Código é o estado civil de convivente, que traduz de modo efetivo a união estável no ordenamento jurídico. Para a advogada, o novo estado civil resguardará o patrimônio da família, bem como o direito de terceiros com quem o convivente contrai alguma dívida.
Como toda boa novidade, o projeto não tem apoio unânime. O advogado Luiz Eduardo Gomes Guimarães, do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra, acredita que um projeto como esse deveria evitar a elaboração de um estatuto genérico. “Minha preocupação, além dessas, é a revogação de artigos do Código Civil, bem como de Leis Especiais em vigor que melhor detalham os procedimentos que são alvos agora de modificações vagas e imprecisas.” Destacou, no entanto, a importância de sua elaboração diante da evolução da sociedade, mas discorda de alguns pontos como parentes, entidades familiares, filiação e guarda.
Um exemplo, segundo ele, é a criação do estado civil de ‘convivente’. “No projeto todo existe uma mistura de procedimentos com direito material quando o correto seria separá-los em livros diferentes, finaliza Luiz Eduardo.
para ler o projeto do Estatuto:
http://www.ibdfam.org.br/artigos/Estatuto_das_Familias.pdf
Principais propostas de mudança:
Reconhecimento da união homoafetiva
Os casais homossexuais, desde que tenham convivência pública, duradoura e com objetivo de constituir família, passam a ter os mesmos direitos reconhecidos aos casais heterossexuais que vivem em união estável. Passam a ter direito sucessório, previdenciário, de adotar, de ter a guarda e a convivência dos filhos.
Criação do estado civil de “convivente”
Além de solteiro, casado, separado ou divorciado passa a existir o estado civil de “convivente” para quem vive em união estável. Usado na hora de comprar ou vender imóveis, de abrir conta no banco, entre outro, resguarda o direito de terceiros com quem o convivente faz a dívida, bem como resguarda o direito da família.
Mudança de regime de bens, separação, e divórcio por via extrajudicial
Quem quiser separar, divorciar ou mudar o regime de bens não precisa necessariamente de entrar com um processo no judiciário. A lei 11.441/2007 já permite a separação e o divórcio no cartório. O estatuto apenas incorporou os dizeres da lei. A novidade é que o Estatuto trouxe também a possibilidade de mudar o regime de bens em cartório.
Suprime os casos de separação de bens obrigatória
Atualmente, os maiores de 60 anos e os que precisam de autorização judicial para casar – como maiores de 16 cujos pais não concordam com o casamento – só podem casar se o regime for o de separação de bens. Com o Estatuto, essas pessoas poderão escolher o regime de bens que quiserem.
Redução de litígios
Foi incorporada a técnica da mediação interdisciplinar. A redução de litígios também é proposta ao se excluir a culpa para efeito de separação. Assim, no divórcio, o cônjuge que tiver adotado o sobrenome do outro pode mantê-lo, independente da apuração da culpa pela dissolução da vida em comum, podendo também renunciar a ele a qualquer tempo. Também não existem mais as indicações de causas suspensivas do casamento. O Estatuto exclui o artigo 1.573 do Código Civil, retirando a lista descritiva e restritiva das causas que impossibilitam a vida em comum. Assim, abre-se a possibilidade de se alegar o fim do amor como causa natural para o término do casamento.
Presunção da filiação
Ao contrário do Código Civil no estatuto, a inseminação artificial homóloga (entre casal casado ou em união estável) só ocorrerá se a implantação do embrião tiver ocorrido antes do falecimento do genitor. No caso de inseminação artificial heteróloga (em que o material genético é de terceiro), o marido ou convivente deve manifestar seu consentimento por escrito e a implantação do embrião também deve ser feita antes do falecimento do marido/convivente.
Adoção
O estatuto retira o artigo que dispunha que “ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável”. Dessa maneira, casais homoafetivos passam a poder adotar, assim como pessoas que tenham relação puramente de amizade.
Guarda e direito à convivência
No estatuto, caso não haja acordo entre os pais, o juiz deve decidir preferencialmente pela guarda compartilhada. Além disso, não há restrição de guarda para os pais, como no Código Civil de 2002. O direito de convivência é garantido a qualquer pessoa com quem a criança ou adolescente possui vínculo de afetividade, como avós, tios, etc.
Revista Consultor Jurídico