por Walter Ceneviva
[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo desse sábado (1º/3)]
O Supremo Tribunal Federal apreciou liminar concedida pelo ministro Carlos Ayres Britto, sustando a aplicação de artigos da Lei de Imprensa, de 1967 (Lei 5.250). Embora essa lei afirme a plena liberdade de manifestação pela cidadania, os detentores do poder ditatorial que a emitiram impediram sua aplicação. Antes haviam anulado a liberdade de expressão do pensamento, em sucessivos atos institucionais. A liminar, depois de cuidadoso exame, foi dada em autos de uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A pretensão visou revogar toda a Lei 5.250/67, por incompatibilidade com os tempos democráticos do Brasil de 2008, pelo PDT.
O ministro Carlos Britto, depois de confirmar sua conhecida convicção democrática, recordou a edição da referida lei sob ordem constitucional autoritária “que praticamente nada tem a ver com a atual”. Reconheceu a “plausibilidade do pedido”, para que as partes interessadas possam “obter de imediato mandado de suspensão de todos os feitos”, alcançados pelo despacho.
Recordo que vários anteprojetos e projetos para mudar a Lei de Imprensa surgiram nestes quatro decênios. Critiquei há anos o substitutivo que quase chegou ao fim do processo legislativo, relatado pelo então senador José Fogaça, o qual, se passasse, levaria à sanção presidencial. Fogaça honrou o Senado com qualificado trabalho parlamentar, mas o substitutivo carecia de modificações que não foram feitas, subsistindo a velha lei até hoje, embora parte dela seja inaplicável.
Reabre-se, pois, o problema de saber se é compatível com o interesse nacional e com a defesa das liberdades públicas haver uma lei para a comunicação social e seu exercício. A meu ver, é compatível. O direito comum tem soluções não ajustadas aos aspectos civis e penais da comunicação social. Espera-se que o despacho de Carlos Britto e a posição do STF sugiram ao Legislativo que se disponha a formular uma nova lei. Seria útil aproveitar, ao menos, o prazo da suspensão liminar, resolvido nesta semana pelo STF.
Os artigos cuja vigência está suspensa valem para ações em curso no dia em que a liminar foi dada, passando a aplicar-se o direito comum nos processos em andamento depois dela. Em qualquer caso, isso não significa que os artigos, mencionados pelo ministro, estejam mortos. Sua produtividade de efeitos foi interrompida, e seu mérito será examinado em 180 dias, a contar de 27 de fevereiro.
Na dinâmica do direito, conforme se viu na sessão de quarta-feira, abriu-se discussão sobre eventual vácuo legislativo que, na firme posição de Carlos Alberto Direito, não ocorreria, tanto que propôs a suspensão da lei como um todo. O despacho do ministro Carlos Britto facilitará o estudo da lei nova, pois contém verdadeira síntese temática de preocupações a serem enfrentadas na revisão necessária. O debate livre e amplo, que interessa a toda a cidadania, se impõe, a estimular a reavaliação da necessidade da lei. Sendo reconhecida, adequada ao Estado Democrático de Direito, resolveremos um velho problema. Nessa avaliação o Legislativo retomará a palavra, se tiver coragem e ânimo para tanto.
Revista Consultor Jurídico