por Felipe Monteiro de Albuquerque
O crescimento do lançamento público de ações no mercado brasileiro, recorde de Oferta Pública Inicial de Ações, ocorrido em 2007, somado à desastrosa reestruturação societária anunciada pela Cosan S/A (que ganhou título de pior negócio do ano), faz ressurgir a questão de como manter o poder de controle nas sociedades anônimas de capital aberto.
Surge, portanto, a necessidade da criação de um instrumento estatutário reservado a impedir ou limitar os efeitos da Oferta Pública de Ações e, por conseguinte, o aumento de participação de eventuais acionistas além do nível que os controladores consideram seguro. Trata-se da denominada Poison Pill.
Aqui, abre-se um parêntese para relembrar Machado de Assis, que em um de suas crônicas tratou do acionista: “nós, os acionistas, temos a faculdade de andar como a forma de carneiro ou de homem. Eu prefiro a de carneiro, por achá-la mais cômoda. Quem anda em dois pés, mais facilmente cai; por isso ando em quatro. Além disso, há da minha parte, neste procedimento, um certo amor próprio; —não quero usar cara emprestada. Carneiro sou, carneiro fico.”
O Poison Pill tupiniquim objetiva tornar desinteressante a aquisição de ações que ameaçam a cômoda posição dos acionistas controladores, e a manter as ações dispersas em bolsa de valores. É um mecanismo que serve ao propósito de evitar a tomada indesejada do poder de controle da companhia, daqueles acionistas que já não têm o amparo da maior parte das ações com direito a voto de sua companhia.
O Poder de controle pode se manifestar em três hipóteses: controle totalitário, em que o acionista controlador tem quase completa titularidade do capital social; controle majoritário, por sua vez, “é aquele exercido pelo titular da maioria absoluta do capital votante de emissão da companhia” (Prado, 2005, página134), ou seja, o acionista controlador é senhor da metade mais uma ações com direito de voto; e o controle minoritário, que segundo Fábio Konder Comparato, é aquele “fundado em número de ações inferior à metade do capital votante e que os autores norte-americanos denominam working control” (Comparato & Salomão Filho, 2005, página 64), o qual “bem estruturado, em companhia com grande pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle majoritário” (idem, ibidem, página 67)
Quanto mais pulverizado for o capital maior é a possibilidade de aquisição hostil do poder de controle (tradução do inglês hostile takeover ou takeover-bid) que, no caso do direito societário, não tem nada haver com a idéia de agressividade ou desrespeito aos padrões mínimos de conduta. Isso significa, simplesmente, a oferta pública de aquisição da participação acionária –— do acionista controlador — sem que tenha ocorrido prévia negociação ou elemento volitivo.
É nesse panorama que surge a necessidade de adotar um mecanismo de defesa que sirva ao propósito de impedir, limitar ou obstar o aumento da participação de eventuais acionistas, fazendo permanecer, pois, os acionistas controladores no poder da companhia.
Diversas são as maneiras de efetivar a aplicabilidade de Poison Pill, tanto no caráter preventivo como no repressivo, que varia, por exemplo, desde a emissão de novos valores mobiliários, à supressão de direitos e até o envolvimento de terceiros. Isto depende muito da legislação do país em que se pretende adotar a cláusula. No Brasil, adotamos a obrigatoriedade da realização de Oferta Pública de Aquisição das Ações (OPA).
Como dito anteriormente, e aqui repito, a Poison Pill tem o escopo de tornar extremamente desinteressante e expressivamente cara a aquisição hostil das ações e, por conseqüência, do poder de controle da companhia.
Desta forma, o eventual acionista ou terceiro que tiver uma quantidade “X” de ações, deverá, no prazo estipulado no estatuto, realizar ou solicitar o registro da Oferta Pública de Aquisição de Ações com direito a voto, de propriedade dos demais acionistas da companhia, pelo preço determinado em uma fórmula, sob pena da supressão de seus direitos, nos termos do artigo 120 da Lei Federal 6.404/76, trivialmente chamada de Lei das Sociedades Anônimas.
Nesse diapasão, para um melhor entendimento da cláusula, resta, portanto, a observação prática a título exemplificativo, ex vi:
O estatuto da Sociedade Anônima “A” estabelece que qualquer acionista — ou terceiro que venha a se tornar acionista –—que adquira a quantidade de no mínimo 20% das ações emitidas pela Companhia deflagrará os efeitos do Poison Pill.
Desta maneira, no prazo de 30 dias contados da data de aquisição das ações, o acionista-adquirente deverá realizar ou solicitar o pedido de registro de oferta pública de aquisição, indistintamente, de todas as ações da companhia.
O preço para Oferta Pública de Aquisição de Ações será fixado, também, no estatuto, sendo, neste momento, interessante extrair apenas que o preço será exacerbadamente alto, tornado, desinteressante, portanto, a aquisição de participação acionária relevante.
Desse modo, adquirindo o mínimo de ações estipulado no estatuto e não fazendo a Oferta Pública de Aquisição das demais ações, no prazo e preço estipulado no estatuto, será convocada assembléia geral extraordinária, para deliberar sobre a suspensão do exercício dos seus direitos, conforme disposição do artigo 120 da Lei das Sociedades Anônimas. Ressalta-se, por óbvio, que o acionista-adquirente não poderá votar na referida assembléia.
O Poison Pill, portanto, é eficaz e efetivo por originar-se diretamente de dispositivo constante no estatuto, sob pena da suspensão dos direitos dos acionistas-adquirentes, nos termos do artigo 120 da Lei de Sociedades Anônimas, sendo obrigatório, portanto.
Nesse prospecto, com a existência da cláusula de Poison Pill as companhias abertas dão um passo em direção à consolidação do exercício do poder de controle não mais sob o aspecto majoritário, mas sim sob o minoritário; permite-se, outrossim, que o controle possa ser exercido com menos da metade das ações e que cada vez mais papéis estejam em negociação no mercado de valores mobiliários.
Revista Consultor Jurídico