Questão do decoro – STF nega reabertura de processo contra Renan Calheiros

O PSOL não conseguiu reabrir representação por quebra de decoro parlamentar contra o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL). A representação contra Calheiros foi arquivada pelo atual presidente do Senado, senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO). O pedido para desarquivar o processo foi negado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira (5/3).

A representação, formulada pelo PSOL, foi arquivada por Quintanilha por “ausência dos elementos suficientes para sua adequada instauração”. Segundo o PSOL, ao decidir sozinho sobre a não aceitação da representação contra Calheiros, o presidente do Conselho de Ética impediu que a causa fosse analisada pelo colegiado do Senado e não assegurou o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Para Ricardo Lewandowski, não cabe liminar no caso porque não há o periculum in mora e fumus boni iuris. A representação do Senado foi arquivada em dezembro de 2007. No entanto, o PSOL só fez o pedido no dia 28 de fevereiro deste ano, “o que demonstra a ausência de urgência na análise”, argumentou Lewandowski.

O ministro lembrou ainda que, em caso idêntico, a decisão liminar foi a mesma. Gilmar Mendes negou pedido do PSOL contra o arquivamento da representação para investigar quebra de decoro contra o senador Gim Argello.

“O caso dos autos, em uma primeira análise, parece estar entre aqueles que, por interpretação sistemática das normas regimentais, se encerram na competência exclusiva da Mesa Diretora da Casa Legislativa para avaliar as mínimas condições de processamento da representação por quebra de decoro parlamentar”, anotou Gilmar Mendes na ocasião.

O PSOL argumentava que o arquivamento fere o artigo 55, parágrafo 2º, da Constituição Federal que determina que “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional”.

Veja a decisão

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.170-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

IMPETRANTE(S) : PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL

ADVOGADO(A/S) : ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S) : PRESIDENTE DO CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DO SENADO FEDERAL

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal, Senador Leomar Quintanilha (fls. 241-244), nos seguintes termos:

“Vêm-me conclusos os autos da Representação nº 4, de 2007, formulada pelo Partido Socialismo e Liberdade, em face do Senador Renan Calheiros.

Verifico que consta dos autos arrazoado do ilustre Relator, Senador Almeida Lima, concluindo pela devolução do processado a esta Presidência, a fim de que considere o arquivamento da Representação em virtude de inépcia da inicial.

(…).

Compulsando-se os autos, parece-nos forçoso concluir pela precisão do raciocínio do Relator. Não há elementos que embase (sic) nem a reportagem nem a própria Representação, salvo o tal depoimento do advogado que, conforme a análise transcrita, deu-se em circunstâncias no mínimo estranhas, inservíveis para permitir o prosseguimento de tal feito disciplinar.

E, ainda, que quiséssemos, por benevolência que ultrapassaria os limites da lei, conferir credibilidade às palavras do autor das denúncias, elas, de fato, não aportam nada que comprometa o Senador Renan Calheiros, à exceção de ter sido padrinho do casamento frustrado do advogado.

Assim, à vista dos sólidos fundamentos expostos no despacho do Relator da matéria, valho-me do inciso I do art. 295 do Código de Processo Civil, combinado com o caput do art. 15 do Código de Ética e Decoro Parlamentar desde Senado Federal, para acolher na íntegra sua manifestação declarando a inépcia da inicial da Representação nº 4, de 2007.

Ao arquivo (…)”.

Sustentou o impetrante que,

“seja pelo modo, forma e tempo adotados pela Decisão, o Presidente do Conselho de Ética do Senado não pode arquivar, de ofício, sem o contraditório e sem respeito ao devido processo, a Representação para Investigação da Quebra de Decoro Parlamentar que o impetrante Partido Político com representação no Congresso Nacional, apresentou contra o senador Renan Calheiros” (fls. 5-6).

Ademais, ao postular a concessão da medida liminar, aduziu que existiria perigo da demora, pois,

“a permanência da decisão da autoridade coatora impõe desnecessário e irreparável prejuízo político e institucional ao Legislativo e ao próprio establishment da República e suas instituições democráticas. Quanto mais desnecessário e ilegítimo, quanto mais urgente deve ser a correção por via jurisdicional” (fl. 25).

É o relatório.

Passo a decidir tão-somente o pedido liminar.

Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, razão pela qual se mostra necessário examinar, inicialmente, a presença do periculum in mora e do fumus boni iuris.

Entendo que, no presente caso, ausente está um dos requisitos essenciais que ensejam a concessão de medida liminar, qual seja, o periculum in mora ou perigo de dano irreparável.

Realço que o ato impugnado foi publicado em 4 de dezembro de 2007 (fl. 241) e o mandado de segurança foi impetrado apenas em 28 de fevereiro de 2008, o que demonstra a ausência de urgência na análise do presente writ. Ademais, os fundamentos apresentados pelo impetrante para demonstrar o perigo da demora não justificam a concessão dessa medida liminar.

Nesse sentido, anota Humberto Theodoro Júnior ao tratar sobre a análise do periculum in mora:

“O receio de dano há, pois, que ser fundado (art. 798), isto é, deve ser analisado objetivamente, calculado pelo exame das causas já postas em existência, capazes de realizar o efeito temido”.1

Em caso semelhante decidiu o Min. Gilmar Mendes, MS-MC 26.869/DF, in verbis:

“Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL contra ato da Mesa Diretora do Senado Federal que arquivou representação para investigação de quebra de decoro parlamentar proposta contra o Senador Jorge Afonso Argello (Gim Argello). Argumenta o Impetrante que “(…) a Mesa do Senado não pode arquivar, de ofício e sem o contraditório, a Representação para Investigação da Quebra de Decoro Parlamentar que o impetrante – Partido Político com representação no Congresso Nacional – apresentou contra o senador Gim Argello.” (fl. 03) Sustenta-se, a título de plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris), que não consta, no Regimento Interno do Senado Federal, a competência da Mesa Diretora daquela Casa Legislativa para arquivar representação de partido político por quebra de decoro parlamentar, sendo esta competência do Plenário do Senado (nos termos do art. 55, §2º, da Constituição Federal). Afirma-se também que “Na reunião onde fora adotada a Decisão ora impugnada, estavam presentes sete dos membros da Mesa, o advogado do Senado e o Representado, através de seu advogado. Vê-se que o contraditório não poderia se estabelecer, caso fosse a Mesa competente, ante a ausência do Representante e de sua intimação para a reunião.(…) Numa aberração regimental e constitucional a Mesa do Senado arbitrou-se de Plenário do Senado e fixou verdadeiro tribunal de exceção, estabelecendo uma não prevista ou cabível defesa prévia, julgando o processo e inocentando o Representado.’ (fl. 27) No que tange ao perigo na demora (No que tange ao perigo na demora (periculum in mora), argumenta-se que ‘é forte o dano e irreparável o prejuízo à imagem e prerrogativa dos partidos políticos representantes por quebra de decoro, com o perigo do descredenciamento e de se retirar a legitimidade das agremiações.’ (fl. 29) Foram prestadas as informações, no sentido de que “cabe à Mesa do Senado verificar se a petição apresentada por Partido Político reúne os pressupostos de admissibilidade para que possa vir a ser conhecida e processada como representação por quebra de decoro parlamentar, nos termos da Resolução do Senado nº 20, de 1993, que dispõe sobre o Código de Ética e Decoro Parlamentar.’(fl. 137) Passo a decidir tão-somente o pedido liminar. Muito embora venha reconhecendo situações que não se enquadram no âmbito próprio da administração ou organização interna das deliberações legislativas (portanto, que refogem à doutrina das questões interna corporis), o caso dos autos, em uma primeira análise, parece estar entre aqueles que, por interpretação sistemática das normas regimentais, se encerram na competência exclusiva da Mesa Diretora da Casa Legislativa para avaliar as mínimas condições de processamento da representação por quebra de decoro parlamentar. Há manifestação deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que a competência da Casa Legislativa ‘não se reduz à verificação das formalidades extrínsecas e da legitimidade de denunciantes e denunciados, mas se pode estender (…) à rejeição imediata de acusação patentemente inepta’ (STF-MS-20.941, Relator para o acórdão: Min. Sepúlveda Pertence, plenário, DJ 31/08/92). Ora, sem adentrar no mérito da discussão acerca dos argumentos que fundamentam a representação por quebra de decoro parlamentar, não vislumbro a presença dos requisitos autorizadores para a concessão de medida liminar, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora. Diante do exposto, sem prejuízo de melhor análise da questão quando do julgamento de mérito, indefiro o pedido de liminar. Publique-se. Comunique-se. Dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República”.

Isso posto, sem prejuízo de melhor análise da questão no momento do julgamento de mérito, indefiro o pedido de liminar.

Solicitem-se informações à autoridade apontada como coatora e após dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Comunique-se.

Brasília, 5 de março de 2008.

Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

Relator

____________________________

1 THEODORO, Humberto Jr. Processo Cautelar. São Paulo: LEUD, 1995. p. 78.

Revista Consultor Jurídico

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