por Priscyla Costa
O jornal Folha de S.Paulo não atrapalhou a campanha presidencial de Heloísa Helena ao noticiar que ela teria votado contra a cassação do ex-senador Luiz Estevão. Nem com o fato de publicar entrevista na qual o senador cassado responde aos boatos sobre um romance entre os dois.
A decisão foi tomada pelo juiz Giordano Resende Costa, da 5ª Vara Cível do Distrito Federal, para livrar a Folha e as colunistas Mônica Bergamo e Bárbara Gancia de pagar R$ 2 milhões para a ex-senadora. Além de não conseguir a indenização, Heloísa Helena ainda terá de pagar R$ 2 mil de custas processuais e honorários advocatícios. Cabe recurso.
A líder do PSOL pediu indenização por entender que notas publicadas pelas colunistas prejudicaram sua campanha presidencial em 2006. Em sabatina na própria Folha de S. Paulo, Heloísa Helena afirmou: “disseram que eu dormi com o cara. Aí que fui para a tribuna dizer que eu não durmo com homem rico e ordinário. Eu vomito em cima”.
Bárbara Gancia, depois, publicou: “Heloísa Helena chorou copiosamente no discurso de despedida do senador Luiz Estevão, em sessão a portas fechadas no Senado? Será que as lágrimas da senadora explicam porque ACM teria queimado a língua e o mandato ao revelar que ela votara contra a cassação de Luiz Estevão? E por que ela agora diz que Estevão é ‘rico e ordinário’ e que ‘vomita em cima’ de gente como ele? Tem coisas que só o coração explica, não é mesmo?”.
A colunista Mônica Bergamo entrevistou o ex-senador e publicou a seguinte nota: “Estevão e Helena. ‘Eu e ela nos dávamos maravilhosamente bem”. Folha — E os boatos, revelados por ela, de que vocês namoravam? Luiz Estevão — Não namoramos. De jeito nenhum. Ela tem que ter raiva das pessoas que divulgaram essa sacanagem no Senado. Eu nunca fiz isso. Pelo contrário. Sempre tive um relacionamento maravilhoso com ela [Helena]. Muito bom mesmo. Ela é uma pessoa alegre, divertida. Não tenho queixa. Pelo contrário. Me comovi muito com o fato de ela ter chorado bastante no meu discurso de despedida no Senado.”
A ex-senadora Heloisa Helena afirmou na ação que o conteúdo das notas publicadas a prejudicou, porque concorria ao cargo de presidente da República e teve sua honra atingida ao ter sua imagem relacionada à de um ex-senador cassado.
Já a defesa da Folha e das jornalistas, feita pela advogada Taís Gasparian, sustentou que pessoa pública tem seus atos sujeitos à fiscalização da sociedade, à opinião pública e à crítica jornalística. Também argumentou que o jornal apenas cumpriu seu dever de repercutir fatos políticos.
O juiz Giordano Costa acolheu os argumentos da defesa. “Mero jogo de palavras não levam ao desvio da realidade fática noticiada, a ensejar o deferimento da verba indenizatória”, considerou. Para Costa, a notícia publicada não trouxe qualquer ofensa à personalidade da ex-senadora passível de ressarcimento como dano moral. “Apenas restou publicada uma entrevista com o ex-senador Luiz Estevão. Quanto à nota, infere-se que o tom e o formato utilizado é claramente opinativo, externa questionamentos acerca de acontecimentos públicos, sem chegar a conclusão nenhuma. A reportagem não se dirige contra a autora, mas sim narra fatos já levados a público e relacionados à cassação de um parlamentar”, afirmou.
Para o juiz, a Folha e as jornalistas não agiram com a intenção de ofender, mas sim com o objetivo de narrar fatos. “Em estrita e detida análise à exposição fática e documentos, especialmente à matéria hostilizada e a nota explicativa, conclui-se que as informações levadas ao público pelo impresso e pelas jornalistas, jamais tiveram a intenção de menoscabar a autora. Deveras, o interesse público da matéria veiculada, no meu sentir, resta manifesto, porquanto a sociedade brasileira tem aspiração em conhecer a existência de fatos relacionados a agentes públicos.”
Leia a decisão
Circunscrição: 1 — BRASILIA
Processo: 2007.01.1.001137-7
Vara: 205 — QUINTA VARA CIVEL
Processo: 2007.01.1.001137-7
Ação: INDENIZACAO
Requerente: HELOISA HELENA LIMA DE MORAES CARVALHO
Requerido: FOLHA DA MANHA SA e outros
Sentença
HELOÍSA HELENA LIMA DE MORAES ingressou com ação de indenização por danos morais em face de FOLHA DA MANHÃ S/A, MÔNICA BERGAMO e BÁRBARA GANCIA, partes devidamente qualificadas na inicial.
Alega, em suma, que, em 06.09.2006 e 08.09.2006, a empresa ré publicou matéria escrita, afirmando que a autora teria tido uma relacionamento amoroso com o ex-senador Luiz Estevão, bem como teria votado contra a cassação do referido parlamentar.
Argumenta que os réus veicularam as referidas matérias sem sequer certificar acerca da veracidade das informações, fato que lhe prejudicou, porquanto à época concorria ao cargo de Presidente da República, e sem dúvida sua honra foi atingida pois teve sua imagem relacionada a um ex-senador cassado pelo Senado Federal.
Sustenta ser a conduta dos réus ilícita, haja vista nunca ter tido relação afetiva com Luiz Estevão, tampouco votou contra sua cassação. Ressalta que inexistem quaisquer provas a esse respeito.
Discorre sobre o dever de informação. Pede a procedência do pedido, com condenação dos réuss ao pagamento de indenização no valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).
Juntou à inicial os documentos de fls. 29/132.
Regularmente citados, os réus apresentaram contestação e documentos de fls.164/183.
Afirmam que a notícia vergastada se subsume às características de um notícia tipicamente jornalística. Sustenta ser a autora uma pessoa pública e à época dos fatos era candidata ao cargo máximo do Poder Executivo nacional, e nessa qualidade tem seus atos e fatos sujeitos à fiscalização da sociedade, à opinião pública e à crítica jornalística.
Argumentam que os fatos, objetos das matérias ora impugnadas, referem-se a desdobramentos de escândalos políticos, tendo tornado público o boato realivo à motivação do suposto voto contrário da autora à cassação do ex-senador Luiz Estevão. Alega que a negativa de relacionamento entre a autora e o referido parlamente também foi publicada no jornal.
Destacam que a informação veiculada não nem animus injuriadi, e tinha o intiuto de apenas narrar fatos, razão pela qual incabível indenização por danos morais.
Acrescentam não terem praticado qualquer conduta ilícita apta a ensejar a reparação vindicada.
Pugnam a improcedência do pedido.
A autora manifestou-se em réplica à contestação – fls. 214/239.
Instadas a especificarem as provas que pretendiam produzir (fl. 24), manifestaram-se as partes às fls. 248/9 e 250/1.
Designada audiência de conciliação (fl.266), não foi possível o acordo (fl. 291).
Entendendo desnecessária dilação probatória, indeferi o pedido de provas – fl. 291. Insatisfeitos, apresentaram os réus o agravo retido de fls. 293/302.
Versando a presente ação sobre matéria de direito e de fato e sendo a prova exclusivamente documental, toma assento o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, C.P.C.).
É o breve relatório. Decido.
Trata-se de ação proposta por Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho em desfavor de Folha da Manhã S/A e outras, visando reparação por danos morais, decorrentes de veiculação de notícia jornalística.
Não existem questões preliminares a serem apreciadas, assim como não verifico a existência de nenhum vício que macule o andamento do feito. Desta forma, compreendo estarem presentes os pressupostos processuais de existência e validade da relação processual e as condições da ação.
Adentro a análise da questão meritória.
A imprensa desempenha notável papel no atual estado democrático, na medida em que faz veicular informações de relevância política e econômica, além de estimular críticas e exercer um policiamento na conduta dos administradores públicos e demais Autoridades.
Esse exercício tem amparo constitucional, consoante se verifica pelo artigo 220. Confira-se:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.
Da disposição do § 1º suso extraem-se:
“Art. 5º …
“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV – é assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Poder-se-ia acrescentar, porquanto pertinente, o seguinte inciso:
“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Do quanto escrito, extrai-se que, não obstante a proteção ao direito de informação, pelas restrições contidas na parte final do § 1º do art. 220, a Constituição garante, por outro lado, o direito à dignidade da pessoa, na medida que restringe o exercício de comunicação, quando em conflito com alguns dos direitos e garantias particulares, considerados fundamentais. Há, portanto, o que se poderia denominar de antinomia, dadas as circunstâncias de confrontos entre direitos constitucionalmente garantidos.
Contudo, sendo certo que inexistem antinomias constitucionais, confere-se ao aplicador da lei o direito-dever de observar, entre os direitos assegurados, o de maior prevalência, no particular, a fim de se dar maior efetividade às disposições constitucionais. Os valores constitucionalmente garantidos não se subordinam uns aos outros, mas se harmonizam entre si, em função de seu caráter relativo, que deve ser apreciado em cada caso, dentro do qual entraram em conflito.
Confira-se a lição de Alexandre de Morais, in Direito Constitucional, 12ª e., p. 43/4:
“O conflito entre direitos e bens constitucionalmente protegidos resulta do fato de a Constituição proteger certos bens jurídicos (saúde pública, segurança, liberdade de imprensa, integridade territorial, defesa nacional, família, idosos, índios, etc), que podem vir a envolver-se numa relação do conflito ou colisão. Para solucionar-se esse conflito, compatibilizando-se as normas constitucionais, a fim de que todas tenham aplicabilidade, a doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxilio ao intérprete(…)
Canotilho enumera diversos princípios e regras interpretativas das normas constitucionais:
” da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas;
” da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros.(…)
Aponta, igualmente, com Vital Moreira, a necessidade de delimitação do âmbito normativo de cada norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão.
Esses princípios são perfeitamente completados por algumas regras propostas por Jorge Miranda:
” A contradição dos princípios deve ser superada, ou por meio da redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos, mediante a preferência ou a prioridade de certos princípios”.
No Brasil, considerando que o direito à informação e os direitos personalíssimos estão lado a lado, não existe hierarquia entre eles. Mas como todo direito está sujeito a restrição, um sempre será limitado pelo outro, porquanto seu exercício depende de ausência de abuso, a fim de se garantir a convivência harmônica entre eles.
Extrai-se dos autos que se encontram em conflito dois direitos constitucionalmente garantidos, quais sejam, o direito dos Requeridos de informação e o direito da autora em ver preservada a sua intimidade.
Da lição destacada, vislumbra-se, na espécie, que, conquanto os Requeridos tivessem garantido o seu direito de informar, não poderia violar o direito fundamental da Autora, qual seja, o direito à sua dignidade.
Considera-se, ademais, a circunstância de que referido direito está erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consoante se verifica do art. 1º da nossa Constituição. Confira-se:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.”
Assim, a dignidade da pessoa humana passa a ser o vetor do ordenamento jurídico, razão pela qual a sua ofensa pode gerar, e normalmente gera, direito à reparação por um dano moral experimentado.
Se por um lado, a Constituição Federal veda a prática da censura, por outro não se revela censura a atividade que visa a responsabilizar depois que a expressão se exteriorizou. Assim, embora a censura seja proibida, os responsáveis pelos meios de comunicação não detêm a liberdade de veicularem o que bem entenderem. E se as notícias ou opiniões veiculadas forem inexatas ou falsas, agindo dolosa ou culposamente, estarão eles sujeitos a sanções previstas na Constituição e na legislação infraconstitucional.
Isso porque o direito à informação deve atender à sua função social e, como tal, gera ônus e riscos para quem pratica a atividade em questão.
Ensina Antônio Jeová Santos, in Dano Moral Indenizável, 4ª e., p. 300:
“Para a divulgação de fatos, necessária a constatação de que eles ocorreram no mundo exterior da realidade de quem é incumbido pela pesquisa da informação. Em princípio, emite-se um juízo de existência do fato. Se o informador agrega o que pensa sobre o acontecimento, está efetuando juízo de valor (…). Apesar disto, aos meios de comunicação não é dado confiar cegamente nas fontes e deixar de checar as informações até joeirar o falso do veraz. Afinal, o meio de comunicação assume a responsabilidade de verificar de forma exaustiva, o que vai publicar, e não pode ser esquecido que ele assume o risco pelas possíveis inexatidões da notícia.
O Des. Álvaro Lazzarini, em lapidar acórdão ressaltou que ‘o direito à informação, por inserido no art. 5º da Constituição, com que alguns repórteres invocam para pressionar desavisados, é também um dever, é um direito-dever de bem informar ao leitor, em especial quando em confronto com o direito à inviolabilidade da intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5º, X, da CF), que, repete-se, não pode ser culpadas até o transito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF)'”.
O certo é que a proteção constitucional da liberdade de imprensa não exclui a responsabilidade civil pelos danos que causam quando, por meio dela, são vulneradas a dignidade, a honra, a intimidade ou os sentimentos do ofendido.
É assente na doutrina que a responsabilidade civil, inclusive para a indenização por danos morais, tem por fundamento a existência de uma conduta culposa, a existência de dano e a relação de causalidade entre eles. Passo a examinar estes elementos.
A culpa, segundo o conceito mais corrente, é “… o descumprimento de um dever de cuidado, que o agente podia conhecer e observar, ou, como querem outros, a omissão de diligência exigível…” (FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo. Malheiros, 2000, pág. 37).
No caso dos fatos envolvendo o exercício da atividade jornalística a caracterização de uma conduta culposa pode ser identificada na inobservância dos limites impostos pelas normas jurídicas e éticas que disciplinam o seu exercício, considerado como um dos pilares do regime democrático e posto na Constituição Federal como um dos instrumentos da ordem social na organização do Estado brasileiro (art. 220 da CF).
É certo que esta atividade tem na proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas os limites de sua atuação (art. 5º, inciso X da CF). O abuso no exercício da liberdade de expressão consiste tanto no desrespeito a estes valores antes citados, quando no descumprimento de procedimentos profissionais necessários ao exercício da função jornalística dentro dos patrões éticos e jurídicos.
A liberdade de expressão não foi estabelecida para dar ao estardalhaço, ao sensacionalismo e à ganância por tiragem ou índices de audiência carta branca e espezinhar os mais relevantes valores da pessoa humana. De outra parte, a excessiva sensibilidade à crítica não pode restringir o direito de informar, consagrado na Carta de Direitos.
Tanto assim, que as garantias fundamentais colocam a liberdade (inclusive de expressão) no mesmo patamar de importância da vida (com a garantia da honra), na forma do art. 5º da Constituição Federal.
O tema central da lide posta assenta-se na denominada colisão de direitos fundamentais. Isso porque há proteção constitucional simultânea de não apenas um, mas três princípios fundamentais da ordem fundamental, os quais, neste caso, encontram-se em inevitável tensão.
O embate está travado entre a “liberdade de imprensa” (artigo 220, § 1º, da CF) e os “direitos individuais” honra e imagem das pessoas (artigo 5º, inciso X, da CF), e o princípio republicano (art. 1º.), que exige transparência e publicidade da atividade dos agentes públicos (art. 37 da Constituição Federal).
Para se efetuar o exame da relação entre esses direitos fundamentais, o intérprete do direito precisa encontrar o ponto de equilíbrio entre os valores constitucionais em contradição, pois decorre do princípio da unidade constitucional o fato de que a Constituição Federal não pode estar em colisão consigo mesma.
Em socorro à solução do conflito entre o exercício da liberdade de imprensa e o respeito à inviolabilidade dos direitos individuais vem o princípio da proporcionalidade, no sentido de indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção como fim perseguido, complementando o juízo de adequação e necessidade, o qual, muitas vezes, não é bastante para determinar a justiça da medida adotada (BASTOS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, pp. 84 e 85).
A ordem constitucional não concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto. Pelo contrário, subordinou expressamente o exercício dessa liberdade à observância do “disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”, como prescrito no § 1º, do artigo 220, da Constituição Federal.
Sobre o tema ensina o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES:
“Como se vê, a formulação aparentemente negativa contém, em verdade, uma autorização para o legislador disciplinar o exercício da liberdade de imprensa, tendo em vista sobretudo a proibição do anonimato, a outorga do direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade da vida privada, a honra e da imagem das pessoas. Do contrário, não haveria razão para que se mencionassem expressamente esses princípios como limites para o exercício da liberdade de imprensa. Tem-se, pois, aqui expressa a reserva legal qualificada, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos da personalidade em geral” (in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1998, p. 87)
De outra parte o direito à intimidade e à honra também não são absolutos. É que os direitos fundamentais se expressam em princípios, os quais não encerram ordens concretas, mas valores a serem concretizados mediante um procedimento de otimização.
Como destaca o jurista belga Robert Alexy, os princípios encerram determinações. Não são normas vagas, porém têm uma tarefa que é a de otimizar o valor que encerra, como nos ensina o jurista belga Robert Alexi (ALEXY, Robert: Derecho y Razon práctica. México: Biblioteca de Ética, Filosofia Del Derecho y Política, 1993, p. 15.)
Assim, a intimidade e a honra não se postam como muros de proteção contra qualquer crítica feita dentro dos parâmetros da razoabilidade que é natural na vida em sociedade.
No exercício da atividade pública a crítica e a divergência de opiniões sobre a conduta dos agentes do estado é não só uma faculdade, mas um dever moral dos cidadãos, que constantemente são convocados a participar das decisões fundamentais da nação (art. 1º. da Constituição Federal).
Para a consecução destes objetivos é que se estabeleceu a publicidade como um dos princípios da atividade do estado.
Por isso, quem age em nome da coletividade deve abdicar de parte de sua intimidade, para submeter-se ao crivo da opinião pública, inclusive por intermédio dos órgãos de imprensa.
Como se destacou, o que não se admite é a má fé e a negligência grosseira no desempenho do direito de informar e emitir opinião.
Embora redigida sob governo de pouco afetos aos valores democráticos, neste ponto, a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) soube captar a essência do equilíbrio entre liberdade e responsabilidade ao estabelecer que:
Art. 27. Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação:
Vl – a divulgação, a discussão e a crítica de atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes, desde que não se trate de matéria de natureza reservada ou sigilosa;
Parágrafo único. Nos casos dos incisos II a VI dêste artigo, a reprodução ou noticiário que contenha injúria, calúnia ou difamação deixará de constituir abuso no exercício da liberdade de informação, se forem fiéis e feitas de modo que não demonstrem má-fé.
No presente caso, em se tratando de responsabilidade civil, mister a caracterização dos seus pressupostos, mormente no que respeita à conduta dolosa imputada aos réus e o correspondente liame com os danos ventilados.
Insiste a autora na presença dos pressupostos justificadores do dano moral, decorrente das matérias encartadas no exemplar colacionado à exordial – fl.30 e 31, veiculada pelo Jornal “FOLHA DE SÃO PAULO”.
Eis o teor das notícias, na parte que interessa:
06.09.2006
“ESTEVÃO E HELENA
‘Eu e ela nos dávamos maravilhosamente bem.
FOLHA – E os boatos, revelados por ela, de que vocês namoravam?
LUIZ ESTEVÃO – Não namoramos. De jeito nenhum. Ela tem que ter raiva das pessoas que divulgaram essa sacanagem no Senado. Eu nunca fiz isso. Pelo contrário. Sempre tive um relacionamento maravilhoso com ela [Helena]. Mutio bom mesmo. Ela é uma pessoa alegre, divertida. Não tenho queixa. Pelco contrário. Me comovi muito com o fato de ela ter chorado bastante no meu discurso de despedida no Senado.”
08.09.2006
“Helô coração de manteiga
De tanta curiosidade, estou quase mandando uma carta para a coluna Barbar Responde: por quem a candidata Heloísa Helena chorou copiosamente no discurso de despedida do senador Luiz Estevão, em sessão a portas fechadas no Senado? Será que as lágrimas da senadora explicam porque ACM teria queimado a língua e o mandato ao revelar que ela votara contra a cassação de Luiz Estevão? E por que ela agora diz que Estevão é ‘rico e ordinário’ e que ‘vomita em cima’ de gente como ele? Tem coisas que só o coração explica, não é mesmo?”
Analisando detidamente a exposição fática e os documentos colacionados, concluo razão desamparar a autora, pois, ao contrário do que aduz, do noticiário não emerge qualquer ofensa aos atributos de sua personalidade, passível de ressarcimento a título de dano moral.
Depreende-se estar a postulante se apegando ao fato de ser tal notícia o ânimo de injuriar, porquanto não certificou acerca da veracidade dos dados antes de veicular a publicação. Sob essa assertiva, hostiliza a matéria jornalística, restando evidenciado o abalo moral.
Todavia, ao contrário de tal ilação, deixo de vislumbrar na reportagem fustigada conteúdo ofensivo à honra da requerente, porquanto apenas restou publicada uma entrevista com o ex-senador Luiz Estevão. Quanto a última nota, infere-se que o tom e o formato utilizado pelos réus é claramente opinativa, externa questionamentos acerca de acontecimentos públicos, sem chegar a conclusão alguma.
A reportagem não se dirige contra a autora, mas sim narra fatos já levados a público e relacionados à cassação de um parlamentar.
Consta dos autos (fl. 185) que em 05.09.2006, foi publicada sabatina realizada pelo jornal Folha de São Paulo, na qual a autora se manifesta sobre os fatos ora narrados, ou seja, os fatos vieram à baila, por força da reportagem concedida por ela, a qual contem a seguinte informação:
“Luiz Estevão
Afirmou que não o absolveu. ‘Disseram que eu dormia com o cara. Aí que fui para a tribuna dizer que eu não durmo com homem rico e ordinário. Eu vomito em cima’. Desafiou jornalistas sobre a autenticidade de listas com o placar de cassação que teriam sido reveladas a partir da violação do painel eletrônico. ‘Cadê a lista? Entre a minha palavra e a palavra do ACM, a minha vale mais’, afirmou.”
Forçoso reconhecer, portanto, que os réus não agiram com a vontade de ofender, ou seja, com intenção de denegrir sua reputação ou ofender sua dignidade, maculando sua honra objetiva e subjetiva, mas agiram tão somente com o intuito de narração de fatos.
Assim, em estrita e detida análise à exposição fática e documentos, especialmente à matéria hostilizada e a nota explicativa, conclui-se que as informações levadas ao público pelo Impresso e pelas jornalistas, jamais tiveram a intenção de menoscabar a autora.
Deveras, o interesse público da matéria veiculada, no meu sentir, resta manifesto, porquanto a sociedade brasileira tem aspiração em conhecer a existência de fatos relacionados a agentes públicos.
A par disso, contudo, há sempre responsabilidade, desde que ultrapassados os limites da sensatez. No caso em apreço, meros jogos de palavras, não levam ao desvio da realidade fática noticiada, a ensejar o deferimento de verba indenizatória.
A respeito do tema, confira-se o seguinte julgado:
Reparação Civil. Publicação na imprensa. Danos Morais. Matéria Pública não ultrapassa os limites legais e constitucionais. Improcedência. Recurso da autora julgado prejudicado, do primeiros réuss provido e do segundo não conhecido. Decisões unânimes. Quando o princípio constitucional da liberdade de imprensa é exercido com responsabilidade, não se configura, por nenhuma das formas previstas no art. 12 e seguintes da Lei de Imprensa o abuso a que aludo o art. 49, como violador de direito e prejudicial a terceiro, de modo a sustentar a sua pretensão de reparação civil de eventuais danos morais. (TJDF APC 3117393/DF, Rel. Des. Nívio Gonçalves, DJU 15/06/94, p. 6.772)
INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. REPORTAGEM JORNALÍSTICA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À HONRA. EXERCÍCIO REGULAR DA LIBERDADE DE IMPRENSA. SENTENÇA REFORMADA. 1. Se a matéria jornalística traduz-se no legítimo exercício da liberdade de imprensa, limitando-se a publicar informações de interesse público, sem traduzir qualquer ofensa à honra da pessoa envolvida na notícia, ou emitir juízo de valor desonroso, não há, na espécie, qualquer conduta ilícita. No caso em apreço, o conteúdo da matéria publicada no jornal limitou-se a informar que o Ministério da Educação, onde o primeiro apelante exercia o cargo de Ministro da Educação, efetuou a compra do programa “Windows Software”, de propriedade da Microsoft Corporation, para a qual o segundo apelante, irmão do Ministro, trabalhava como advogado até meados de 1998. Como a reportagem não promoveu qualquer juízo de valor tendente a ofender a honra ou a moral da autora, eis que publicada no limite do exercício regular da liberdade de imprensa, não procede o pedido de indenização por danos morais.2. Recurso dos réus conhecido e provido para reformar a r. sentença para julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais, e para condenar a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, fixados estes em R$ 2.000,00 (dois mil reais), ao fundamento de que a matéria publicada na imprensa não ultrapassou os limites legais e constitucionais do direito de informação. Recurso adesivo da autora, pretendendo a majoração do valor da indenização, arbitrado na sentença, julgado prejudicado. (20010110997129APC, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 1ª Turma Cível, julgado em 15/08/2005, DJ 22/11/2005 p. 90)
DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pela autora HELOÍSA HELENA LIMA DE MORAES CARVALHO em face dos réus FOLHA DA MANHÃ S/A, MÔNICA
BERGAMO e BÁRBARA GANCIA.
Arcará a autora com as custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo 20, § º do C.P.C.
Após o efetivo cumprimento e o recolhimento das custas finais, remetam-se os autos ao arquivo.
Publique-se. Registre-se e intime-se.
Brasília – DF, quinta-feira, 13/03/2008 às 15h50.
GIORDANO RESENDE COSTA
Juiz de Direito Substituto
Revista Consultor Jurídico