O Ministério Público Federal em Sergipe entrou com Ação Civil Pública contra a seccional da OAB para que a entidade — especialmente o conselho seccional e a Caixa de Assistência dos Advogados de Sergipe (Caase) — preste contas ao Tribunal de Contas da União. A ação se estende também à União.
A procuradora regional da República Gicelma Santos Nascimento alega que a OAB, uma espécie de autarquia pública federal, não tem prestado contas sustentada numa decisão de 1951 do então Tribunal Federal de Recursos. Esta decisão teve como base a Constituição de 1946. Na ação, o argumento é o de que a Constituição Federal de 1988 obriga a OAB a prestar contas ao TCU dos recursos públicos que recebe.
Além desta ação, existem mais três outros processos semelhantes nos estados do Maranhão e da Bahia e no Distrito Federal. Na Bahia, a Justiça Federal determinou que a OAB mantenha em bom estado toda documentação financeira e contábil da entidade nos últimos cinco anos. No Maranhão, a decisão judicial foi além: determinou a fiscalização dos técnicos do TCU nas contas da OAB nos últimos cinco anos, além de obrigar a ordem a fazer licitação pública para contratação de obras e serviços.
A OAB nacional refutou a posição do MPF. De acordo com a entidade, o Supremo Tribunal Federal e o TCU já se posicionaram contra a Ordem se submeter ao controle fiscal e contábil do tribunal de contas. “O próprio TCU já reconheceu que a OAB não está obrigada a prestar contas. Além disso, o STF, em decisão recente, reconheceu a autonomia da entidade para dispor sobre a contratação dos seus servidores, não sendo obrigada a realizar concurso público, o que, mais uma vez, reafirma a autonomia da instituição”, considera o presidente da Ordem, Cezar Britto. “A OAB não presta contas ao TCU porque não recebe nenhum recurso público”, diz.
Segundo a OAB, o edifício-sede da entidade, por exemplo, foi construído, e é mantido, apenas com o dinheiro dos advogados, “ao contrário do majestoso edifício-sede do Ministério Público que foi construído — e é mantido — apenas com recursos provenientes dos impostos pagos pelos cidadãos brasileiros. Todos os dirigentes eleitos da OAB exercem cargos temporários e não remunerados, enquanto os membros do Ministério Público são vitalícios e pagos com o dinheiro dos contribuintes, o que é uma diferença democrática muito grande”, defende Britto.
Para a procuradora Gicelma Santos Nascimento, os conselhos de fiscalização profissional são pessoas jurídicas de direito público e, como tal, devem se submeter ao regime jurídico administrativo que envolve a gestão pública. “Por que integram a administração pública, esses conselhos — entre eles a OAB — sofrem limitações nas suas atividades, já que, na sua atuação, haverá de prevalecer a supremacia do interesse público sobre o privado. Pelo mesmo motivo, devem se pautar nos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, afirma a procuradora.
Segundo o MPF, a Constituição de 1998 ampliou significativamente a esfera de competência do Tribunal de Contas da União, que passou a congregar a fiscalização contábil, financeira orçamentária, operacional e patrimonial das pessoas estatais e das entidades e órgãos de sua administração direta e indireta, devendo, a ele, prestar contas pessoas física ou jurídica. “O texto constitucional submeteu a gestão de recursos públicos ao poder fiscalizador do Tribunal de Contas e se os conselhos gerem recursos públicos, devem se sujeitar a essa jurisdição”, defende a procuradora.
O MPF em Sergipe entende que não há confronto entre as atribuições da OAB com a sujeição à prestação de contas. “São normas harmônicas porque visam dar transparência à gestão dos recursos públicos. A jurisdição do TCU abrange inúmeros órgãos de cúpula do Estado, incumbidos dos mesmos fins democráticos e sociais perseguidos pela OAB. Todos, a despeito da fiscalização exercida pelo TCU sobre as suas contas, atuam com plena autonomia, não havendo razão para conferir distinto tratamento à OAB”, avalia a procuradora regional da República. A OAB sergipana deve ser citada pela Justiça Federal para apresentar sua defesa.
Enquanto isso, Cezar Britto fez questão de frisar que, “assim como a entidade dos advogados nunca aceitou que se amordaçasse o Ministério Público, não aceitará que amordacem a sua missão constitucional de defesa do estado democrático de direito, dos direitos humanos e do aperfeiçoamento da justiça. É preciso, finalmente, que o Ministério Público reconheça o que a sociedade já admite no longo caminhar da humanidade: a advocacia somente é respeitada independente, autônoma e corajosa, principalmente para resistir aos arroubos autoritários e centralizador do poder estatal, qualquer que seja ele.”
Revista Consultor Jurídico