Violência doméstica – Lei Maria da Penha é debatida em Júri Simulado no Rio

por Marina Ito

A Lei Maria da Penha foi parar no banco dos réus em um Júri Simulado promovido pela OAB do Rio de Janeiro. De um lado a acusação, responsável por convencer os jurados de que a lei afronta os princípios constitucionais, como o da isonomia. De outro, a defesa, para quem a lei só foi promulgada porque a violência contra mulher atingiu um nível intolerável.

Advogada de defesa, a vice-presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), Kátia Tavares, afirmou que se fala muito de princípio de isonomia, mas a igualdade entre homens e mulheres é apenas jurídica e não cultural. “O Brasil foi condenado por violar direitos humanos”, afirmou.

De acordo com Kátia Tavares, a lei veio para que a mulher recupere sua dignidade, pois estabelece que ela tem o direito de fazer ocorrência na delegacia e ter acompanhamento policial, entre outras garantias. Caso haja retratação, explicou, deverá ser feita na presença do juiz e do promotor e não mais na Polícia. Isso evita, segundo a advogada, uma série de constrangimentos. “Hoje, há tratamento de respeito”, afirma.

Já a acusação, representada pelo advogado Márcio Barandier, entende que a lei possui alguns dispositivos inconstitucionais e outros inúteis, já que são específicos demais ou recepcionados por outras leis. Para Barandier, o principal problema da Lei Maria da Penha é o distanciamento com a realidade. “As medidas não vão ser adotadas. A Polícia não tem estrutura para isso”, afirmou em relação às garantias estabelecidas na lei, como a proteção policial.

Uma das questões colocada pelo advogado é que a lei trata o acusado como agressor, violando o princípio constitucional de presunção de inocência. Outro problema, de acordo com Barandier, é que a lei veda a aplicação da pena de fornecer cesta básica. Segundo ele, o dispositivo não existe e se a pena de cesta básica foi banalizada pelos juizados que seja corrigida na prática.

Segundo Barandier, a lei se preocupa mais com os personagens do que com o fato, mais com a vítima ou o agressor do que com sua conduta. O advogado explicou que uma mulher que comete a mesma violência, com criança ou idoso, não é punida da mesma forma que o homem se a criança ou idoso for do sexo feminino. “Se as lesões forem recíprocas, haverá tratamento diferenciado”, afirmou. Para ele, a lei não pode ter sexo.

Barandier informou à revista Consultor Jurídico que a tese defendida no Júri Simulado também reflete sua posição pessoal sobre o tema. Segundo ele, alguns Juizados Especiais já têm enunciados que entende pela inconstitucionalidade de alguns dispositivos. Para ele, os acusados precisam ter os benefícios a que teriam se o crime não fosse regulamentado pela lei.

Venceu a tese da advogada Kátia Tavares. Antes de acusação e defesa sustentarem diante do Júri, o processo teve instrução e “testemunhas” foram ouvidas. Entre elas, a relatora do projeto, ex-deputada Jandira Feghali.

Medida protetiva

Uma das idealizadoras da Lei 11.340/06, Feghali afirmou que as iniciativas são de prevenção, proteção e, por fim, punição. “A primeira intenção da mulher não é punir, mas sim a proteção para ela própria e para seus filhos”, afirmou. Nisso, ela acredita que a lei foi eficiente.

Segundo Feghali, 90% dos processos dos Juizados Especiais Criminais (Jecrim) acabavam arquivados ou com transação penal. Ela afirmou que a pena só foi aumentada para que o processo não fosse para o Jecrim. “Agora tem de ir para o delegado”, afirma.

Feghali explicou, ainda, que o conceito de violência na lei foi explicitado de maneira muito ampla. Nela, além da física, são consideradas as violências moral, patrimonial e psicológica.

A deputada rechaça o argumento de que, com a lei, a mulher vai evitar denunciar, pois não poderá retirar a queixa. Ela explicou que quando a denúncia é feita, há um inquérito e, com isso, abrirão espaço para que o agressor se defenda. “A lei também não impede a conciliação”, completou. O problema, na ótica da ex-deputada, é que Judiciário, advogados e a Polícia, às vezes, desconhecem a Lei Maria da Penha.

Com um auditório lotado e formado, em sua maioria, por mulheres, o Júri Simulado foi presidido pela juíza Salete Maccalóz, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. “Os magistrados estão com olhos muito abertos para os direitos humanos”, afirmou ela à revista Consultor Jurídico. Apesar de atuar mais em questões de pensão previdenciária, Maccalóz disse que antes de ser juíza, foi advogada e fundadora da OAB Mulher.

Revista Consultor Jurídico

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