por Aloísio de Toledo César
[Artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, desta quinta-feira, 27 de março de 2008]
As facilidades de comunicação do mundo moderno permitem que o Brasil se atualize rapidamente em diversos setores, como ciências médicas, informática, navegação aérea e tantos outros. Não há mais dúvida de que o mundo se tornou realmente uma aldeia. Basta que uma coisa nova e boa apareça neste ou naquele país e logo todos nós incorporamos a novidade, que muitas vezes se converte em efetivo progresso.
Numa área, no entanto, a despeito de tantas experiências bem-sucedidas nos outros países, e ainda que a comunicação hoje se faça em frações de segundo, o Brasil continua num atoleiro insuperável. Refiro-me ao Judiciário.
Para nós, brasileiros, pouco tem adiantado que americanos, alemães, ingleses e outros povos sejam bem-sucedidos no trabalho de prestar justiça. Infelizmente, prisioneiros que estamos de um sistema processual rígido, voltado para uma realidade que já não existe, não poderíamos apostar corrida nem mesmo com uma minhoca.
Em grande maioria, as pessoas não conseguem ter idéia exata do que se passa no Judiciário, mas, para melhor compreender, basta olhar para aqueles enormes congestionamentos de trânsito na cidade de São Paulo que a televisão exibe todos os dias.
Com os processos acontece exatamente o mesmo, inclusive — assim como o trânsito — sem a menor perspectiva de solução. Os remédios esporádicos e insuficientes adotados, por esforços de alguns, têm efeitos meramente cosméticos, assim como maquiar o rosto do defunto, para dar-lhe melhor aparência antes do enterro.
Nos tempos em que o mundo civilizado se restringia ao Império Romano, a população daquele território, segundo cálculos dos historiadores, se aproximava de 5 milhões de pessoas. O lindo e eficiente Direito Romano ali surgido, verdadeiro exemplo até os dias de hoje, prestava-se perfeitamente a atender às exigências da sociedade daqueles tempos. As previsões processuais então existentes eram suficientes para permitir que a justiça se fizesse com a necessária rapidez — e com isso a imagem do juiz permanecia carregada de respeito.
Num Estado em que há justiça rápida e eficiente, todos sabemos, há mais segurança nas relações jurídicas, além da certeza de que direito algum será violado sem que a essa violação se contraponha imediata punição.
Hoje, as nações mais pragmáticas, como os Estados Unidos, se adaptaram às necessidades do mundo contemporâneo e fazem justiça com uma simplicidade invejável. Esse exemplo em nada nos tem favorecido.
Por força do atoleiro referido, litígios demais, processos demais, as solicitações de justiça no Brasil estão muito à frente daquelas que o sistema processual, fundado no Direito Romano, põe à disposição dos juízes. É como se estivéssemos usando carroças para transportar a imensa safra de soja para exportação.
Dados referentes a 2006, obtidos pela Associação dos Magistrados Brasileiros, indicam que naquele ano ingressaram na Justiça estadual 10.438.729 processos novos, 2.953.084 na Justiça do Trabalho e 560.890 na Justiça Federal.
Para atender a essa demanda brutal o país contava, naquele momento, com 1.346 juízes federais, 2.892 juízes do Trabalho e 10.936 juízes estaduais. Esses números referentes aos magistrados não estão entre os piores do mundo, mas, em contrapartida, é possível que em nenhum outro lugar a rigidez do sistema processual seja tão expressiva e impeditiva de justiça rápida.
Entre nós, de ano para ano, o volume de processos cresce quase em progressão geométrica. Nas três modalidades de tribunais — federal, do Trabalho e estaduais — pendem de julgamento mais de 30 milhões de processos nos dias presentes.
Os romanos, fantásticos criadores do Direito que ainda hoje nos serve de orientação, costumavam dizer que a Justiça, se é rápida, não é segura e, se é segura, não é rápida. É possível que naqueles tempos a ausência de pressa não fosse tão danosa aos interesses do Estado quanto nos dias atuais.
Atualmente, a demora na solução dos processos virou rotina e acaba por se refletir no julgamento que a população faz do Judiciário. Aqueles que buscam justiça não detêm melhor informação sobre os entraves processuais que engessam o comportamento dos juízes. Por isso, compreensivelmente, condenam o atraso, a impunidade e debitam a conta à magistratura brasileira, como se nós, juízes, fôssemos responsáveis pelas leis em vigor; ou, então, como se, ao invés de trabalhar, ficássemos tomando sol na porta do Fórum.
É preciso que o país desperte: se não houver uma alteração de enormes proporções na legislação processual, adaptando-a a estes novos tempos de gigantismo populacional, não haverá como decidir os processos com a rapidez desejável. E a fila se tornará cada vez maior, difundindo a idéia — infelizmente, verdadeira — de imprestabilidade do que está aí.
O lado mais grave desse panorama está na quase indiferença dos legisladores. Deles dependemos para que as necessidades do momento, extremamente diversas daqueles tempos em que foram elaborados os códigos, sejam convertidas em novas regras processuais, claras, definitivas e que possam atender à demanda rápida de justiça.
O mundo contemporâneo apresenta como característica a rapidez da informação. Neste novo mundo, o sistema processual brasileiro, formal, idealmente perfeito, mas voltado para décadas atrás, já não serve.
Ou nós nos adaptamos, produzindo as leis processuais necessárias para enfrentar estes novos tempos, ou chegará o dia em que a prestação da tarefa jurisdicional, por força da pressão das massas, acabará por ser delegada, quem sabe, até mesmo à iniciativa privada, dada a impossibilidade do Estado de fazê-lo.
Revista Consultor Jurídico