por Fernando Porfírio
A cúpula do Judiciário paulista resolveu reagir contra os freqüentes cortes em seu orçamento feitos pelo Executivo. O Tribunal de Justiça de São Paulo estuda rever o acordo feito com a Nossa Caixa, há 10 anos, e que está previsto para durar até 2019. Pelo acordo, o banco estatal ficou com o direito de recolher em seus cofres o dinheiro dos depósitos judiciais do estado — montante hoje estimado em R$ 15 bilhões. A Nossa Caixa remunera os depósitos pela poupança (juros de 0,5% ao mês, mais a TR) e fica livre para aplicar o dinheiro no mercado financeiro, cobrando juros de 1,5% a 7%. Um negócio da China.
O que motivou a decisão de rever o acordo foi o corte no orçamento deste ano de R$ 8 bilhões para cerca de R$ 4,7 bilhões. A revelação foi feita pela coluna da Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, nesta quinta-feira (27/3). Em duas notas, a colunista disse que o Tribunal de Justiça pode dar um troco no governo de José Serra. A reação foi montada com a criação de uma comissão de desembargadores. Segundo a colunista, o Tribunal estuda abrir licitação para escolher novo banco que vai receber os depósitos judiciais do Estado. “São cerca de R$ 15 bilhões, hoje administrados pela Nossa Caixa, do governo, que teria seus cofres drasticamente afetados pela decisão”, diz a colunista.
“Não queremos briga com o Executivo. O caminho que escolhemos foi o da negociação. O que o Tribunal entendeu é que o convênio com a Nossa Caixa pode estar ultrapassado e criou uma comissão para estudar o assunto. O que o Judiciário está buscando é garantir recursos para fazer frente às nossas necessidades, que são muito grandes, para cumprir nosso papel de distribuir justiça no estado de São Paulo”, afirmou à revista Consultor Jurídico o desembargador Nelson Calandra, presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis).
Os depósitos judiciais são recursos vindos de disputas jurídicas de duas naturezas: ações envolvendo o estado ou municípios e particulares que tratam do recolhimento de tributos. Durante a disputa, os recursos ficam sob a custódia do Judiciário e são depositados nos cofres da Nossa Caixa. Depois do trânsito em julgado das decisões, o dinheiro ou é transformado em receita do estado ou é mandado de volta ao contribuinte, dependendo do resultado do julgamento. Quando há controvérsias entre particulares sobre valores de dívidas o dinheiro vai para uma contra, chamada conta judicial, e de lá só sai com sentença definitiva.
O giro dessa capital traz uma vantagem para quem opera o sistema, no caso a Nossa Caixa. Em troca desse lucro, o banco ofereceu e o Tribunal de Justiça paulista aceitou a proposta de informatizar o Judiciário. Seriam cerca de R$ 70 milhões que seriam repassados por ano. O banco também se comprometeu a erguer um prédio para a Justiça na Rua Conde de Sarzedas, mas nenhum tijolo foi colocado no local. A construção esbarrou num problema cultural e arqueológico: um suposto cemitério indígena no terreno.
O Judiciário paulista é o maior do país. Tem cerca de 45 mil funcionários, além de 10 mil inativos, cerca de 2 mil juízes e 360 desembargadores. Entre 2005 e 2008, a participação do Judiciário no bolo orçamentário estadual encolheu, passando de 5,12% para 4,88%. Está soterrado por 17 milhões de processos, mais da metade do que tramita em toda a Justiça do país.
Apesar desse quadro, no ano passado encaminhou proposta de orçamento de R$ 7,2 bilhões para 2008. A tesoura do Executivo a reduziu para R$ 4,6 bilhões, um corte de 36% e um montante em cerca de R$ 100 milhões menor do que o dinheiro que fez girar a máquina judiciária em 2007.
O convênio
O acordo com a Nossa Caixa começou a ser preparado com a privatização do Banespa. O banco mesmo privatizado pretendia manter os depósitos judiciais. A Nossa Caixa entrou na briga pela preferência nos depósitos e pela exclusividade da folha de pagamento. Para ganhar a exclusividade, a Nossa Caixa ofereceu como contrapartida a informatização da Justiça. O investimento na Justiça seria de cerca de R$ 76 milhões em quatro anos. A direção do Tribunal de Justiça, na época, foi convencida do acerto do convênio e bateu o martelo a favor do banco estatal.
O Conselho Superior da Magistratura, em sessão realizada em 04 de dezembro de 2000, proibiu a efetivação de novos depósitos judiciais no Banespa. De acordo com o CSM, por meio do Provimento 748/2000, os depósitos judiciais deveriam ser recolhidos, exclusivamente, junto à Nossa Caixa.
No caso de ser suspenso o convênio com a Nossa Caixa e for deliberada a realização de licitação, só bancos oficiais poderão participar. No caso, a Nossa Caixa, se quiser, pode entrar no processo licitatório. O vencedor será aquele que pagar aos correntistas a melhor taxa de remuneração pelos depósitos.
Revista Consultor Jurídico