Alegações genéricas não justificam a suspensão de decisão liminar, que é uma medida excepcional. Discussões sobre o mérito da ação também cabem nesse tipo de pedido. Com base nessas premissas, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Raphael de Barros Monteiro Filho, não aceitou o pedido do estado de Pernambuco para suspender liminar concedida à empresa São Miguel Industrial.
A defesa do estado ajuizou medida cautelar, com pedido de liminar, no Tribunal de Justiça do estado pedindo a indisponibilidade dos bens dos donos da empresa para o pagamento de uma dívida de R$ 60 milhões. Os procuradores estaduais alegam que a empresa está envolvida em esquema de sonegação fiscal.
O TJ-PE concedeu parcialmente o pedido do estado e liberou as contas-correntes que constituem o ativo circulante da empresa. Inconformados com a decisão, os procuradores recorreram à presidência do STJ sob a alegação de grave dano à economia e à ordem pública.
Pernambuco argumentou que a indisponibilidade de todos os bens da empresa, inclusive dos seus ativos financeiros, seria “a única medida eficiente para recuperar o crédito público de mais de R$ 60 milhões e impedir a continuidade delituosa”.
Os procuradores ainda afirmaram que não existe qualquer interesse público ou social na preservação da empresa porque ela é irregular e nunca exerceu qualquer atividade econômica.
Barros Monteiro não acolheu os argumentos. Para ele, o estado não conseguiu demonstrar o potencial lesivo da decisão do TJ-PE que liberou as contas-correntes da empresa.
“Não basta a mera afirmação de que a liberação das contas que constituem o ativo circulante da empresa causará prejuízo ao erário. Era de rigor a comprovação, mediante quadro comparativo com suas finanças, do efetivo risco de lesão. O requerente (o estado pernambucano) sequer especificou, do total dos R$ 60 milhões, a quantia relativa à São Miguel Industrial”, ressaltou o ministro.
Como a medida excepcional da suspensão não admite a discussão do mérito da controvérsia, os argumentos que comprovem a ocorrência de lesão à ordem, economia, saúde e segurança públicas deverão ser analisados nas vias recursais ordinárias, finalizou o presidente do STJ.
Leia a decisão
Suspensão de Liminar e de Sentença Nº 845
Pe (2008/0060219-3)
Requerente: Estado de Pernambuco
Procurador: Sérgio Augusto Santana Silva E Outro(S)
Requerido: Desembargador Relator Do Agravo De Instrumento Nr 1221532 Do Tribunal De Justiça Do Estado De Pernambuco
Interes.: Smi – São Miguel Industrial Ltda
Advogado: Vital Maria Gonçalves Rangel
Decisão
Vistos, etc.
1. O Estado de Pernambuco ajuizou medida cautelar, cujo pedido de liminar foi deferido para determinar a indisponibilidade dos bens em nome dos requeridos — entre eles, a empresa SMI — São Miguel Industrial Ltda —, até o valor de R$ 60.266.039,37, em face de suposto esquema de sonegação fiscal (fevereiro/2005).
Interposto agravo de instrumento pela SMI — São Miguel Industrial Ltda., autuado sob o n. 122153-2/05, o Desembargador Relator do Tribunal de Justiça de Pernambuco concedeu parcialmente o efeito suspensivo para liberar determinadas contas-correntes da agravante (maio/2005).
Em face dessa decisão, o Estado pernambucano formulou pedido de suspensão perante a Presidência do STJ (SLS n. 131), que, de início, deferiu o pleito (maio/2005) e, posteriormente, reconsiderando o entendimento, negou seguimento ao incidente, à míngua de exaurimento da instância de origem (novembro/2005).
Segundo alega o requerente, a liminar do agravo teve seus efeitos sobrestados.
Em janeiro de 2006, o Juiz de Direito excluiu da relação processual a SMI — São Miguel Industrial S/A, determinando a liberação de todos os seus bens. Essa decisão foi suspensa pela Presidência do TJPE, nos autos da SL 133957-7 (março/2006 – fls. 142/144).
De acordo com o requerente, “a liminar na cautelar fiscal foi restabelecida através de juízo de retratação exercido pela própria juíza titular da 2a Vara de Executivo Fiscal” (fl. 5).
Em face dessa revogação da decisão de 1º grau proferida no processo originário, o Presidente do TJPE extinguiu a referida suspensão de liminar, por perda do objeto (agosto/2007 – fl. 38) Em março de 2008, nos autos do agravo de instrumento já referido (n. 122153-2/05), o Desembargador Relator Antonio Camarotti determinou a liberação das contas que constituem o ativo circulante da agravante (fl. 33).
Daí este pedido de suspensão formulado pelo Estado de Pernambuco, com base no art. 4º da Lei n. 8.437/1992, sob alegação de grave dano à economia e à ordem públicas.
Argumenta que “a indisponibilidade de todos os bens da requerida, inclusive seus ativos financeiros, é a única medida eficiente para recuperar o crédito público e impedir a continuidade delituosa ” (fl. 14). Diz que inexiste qualquer interesse público ou social na preservação da empresa, pois, segundo afirma, a SMI é irregular e nunca exerceu qualquer atividade econômica. Assevera ser evidente a lesão à economia, pois os créditos em foco representam mais de 60 (sessenta) milhões de reais. Aduz que o agravo de instrumento deveria ter seu seguimento negado, em razão do descumprimento do art. 526 do CPC. Sustenta ser possível, no caso, o bloqueio das contas correntes.
2. Nesta sede, cabe tão-só examinar-se acerca da ocorrência ou não de possível lesão aos bens jurídicos tutelados pelo art. 4º da Lei n. 8.437/1992, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas.
Entre esses valores protegidos, não se encontra a ordem jurídica, conforme entendimento pacificado desta Corte, in verbis: “a expedita via da suspensão de segurança não é própria para a apreciação de lesão à ordem jurídica. É inadmissível, ante a sistemática de distribuição de competências do Judiciário brasileiro, a Presidência arvorar-se em instância revisora das decisões emanadas dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais .” (AgRg na SS nº 1.302/PA, rel. Min. Nilson Naves, entre outros). Dessa forma, é inviável, neste feito, o exame da alegada violação do art. 526 c/c o 557 do CPC.
Em sede de suspensão, também, não há espaço para debates acerca de questão de mérito, como, no caso, a controvérsia sobre a possibilidade ou não do bloqueio de bens em foco, que deve ser discutida nas vias próprias. Nesse sentido: “Não se admite, na via excepcional da suspensão, discussão sobre o mérito da controvérsia, eis que não se trata de instância recursal, devendo os argumentos que não infirmem a ocorrência de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas ser analisados nas vias recursais ordinárias ” (AgRg na SS n. 1.355/DF, relator Ministro Edson Vidigal).
No mais, o requerente não logrou demonstrar, concretamente, o potencial lesivo do decisório atacado. Alegações genéricas não se mostram suficientes para justificar o deferimento da medida excepcional ora apresentada. Não basta a mera afirmação de que a liberação das contas que constituem o ativo circulante da agravante causará prejuízo ao Erário.
Era de rigor a comprovação, mediante quadro comparativo com suas finanças, do efetivo risco de lesão. Ademais, depreende-se do petitório inicial (fl. 14) que o valor de 60 milhões de reais representa o total das dívidas imputáveis ao grupo econômico supostamente fraudulento. O requerente sequer especificou, deste total, a quantia relativa à empresa SMI — São Miguel Industrial Ltda, cujas contas do ativo circulante foram desbloqueadas pela decisão ora atacada.
3. Ante o exposto, indefiro o pedido.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 24 de março de 2008.
MINISTRO BARROS MONTEIRO
Presidente
Revista Consultor Jurídico