por Lilian Matsuura
As denúncias de formação de cartel representaram mais de 50% dos processos administrativos analisados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entre 2006 e 2007. Nos quatro anos anteriores, eram apenas 10% das ações. O salto se deve à força-tarefa da Secretaria de Direito Econômico no combate a cartéis, com investigações baseadas em acordos de leniência, escutas telefônicas e mandados de busca e apreensão.
No entanto, o índice de condenação por formação de cartel vem caindo, como revela a presidente do Cade Elizabeth Farina, apesar do grande número de processos. “É difícil condenar empresas que participam de cartel de forma indireta. Por isso, provas concretas da prática são tão importantes”, explicou Elizabeth, durante palestra na Direito GV, em São Paulo.
A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico calcula que os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20%, se comparado ao preço em um mercado competitivo.
Em 2006, a SDE cumpriu 19 mandados de busca e apreensão em empresas. No ano seguinte, este número pulou para 84. No entanto, o resultado prático não tem sido bom. Nos últimos oito anos, foram 54 condenações por formação de cartel. Metade delas de empresas do setor de saúde, de acordo com o levantamento feito pela área de Direito de Concorrência do escritório Barcellos Tucunduva.
Mauro Grinberg, que coordenou o levantamento, diz que o setor comercial segue em segundo lugar na lista de condenações, com nove casos desde 1999. O setor industrial surge em sete oportunidades, seguido por ramos de atividades, como contabilistas, agentes de viagens, transportes aéreos, transportes urbanos, TVs a cabo, jornais, escolas e serviços.
Os números evidenciam como esta área do Direito cresce em importância no Brasil. No mundo, já é dos setores que mais crescem. Em apenas quatro anos, a Comunidade Econômica Européia registrou 145 casos de cartel que geraram prejuízos acima de US$ 55 bilhões. “No Brasil, não há dados oficiais sobre o assunto, mas os prejuízos certamente são de grande monta”, explica Grinberg.
Especialistas ouvidos pelo site Consultor Jurídico aprovam as medidas de combate ao cartel escolhidas pela SDE, desde que respeitados os direitos das partes. “Os instrumentos e ferramentas usados pela SDE estão em linha com as melhores práticas internacionais”, diz o advogado Ricardo Inglez de Souza, do Demarest e Almeida Advogados.
O acordo de leniência nasceu nos Estados Unidos em 1993, diante das dificuldades encontradas pelas autoridades para provar os desrespeitos à legislação antitruste. No Brasil, a possibilidade desse tipo de acordo pode ser feita desde 2000. Inglez de Souza conta que no começo esse dispositivo era pouco usado porque causa insegurança jurídica. Segundo o advogado, o Programa de Leniência da SDE (Lei 10.149/00) dificultava a defesa do leniente na esfera criminal.
Há pouco, a SDE e o Ministério Público se entenderam no sentido de que o leniente não pode ser denunciado depois das confissões. E não deve ser condenado sem uma sentença judicial. Com isso, o número de acordos de leniência vem aumentando.
O leniente é alguém de dentro da empresa, que sabe como funciona o acordo entre os “concorrentes” e, muitas vezes, têm documentos que podem ajudar nas investigações das autoridades.
Para o advogado, é positiva a política de atuação da SDE porque cada vez se torna mais difícil comprovar a prática de cartel. “Se as autoridades sofisticam a investigação, as empresas sofisticam ainda mais o esquema de cartel.”
Antes, algumas empresas registravam em cartório seus contratos de cartel. Hoje, isso não é possível. Reuniões codificadas, sem convocação, sem pauta de discussão estão entre as formas encontradas para combinar a fraude ao sistema de defesa de concorrência.
Pedro Zanotta, sócio do Albino Advogados Associados e presidente da Comissão de Concorrência e Regulação Econômica da OAB-SP, diz que o uso de ferramentas como escuta telefônica e mandados de busca e apreensão são necessários e que a única preocupação dos advogados é com a legalidade desses procedimentos. “Os critérios legais e processuais adequados devem ser observados. Uma mera suspeita não pode fundamentá-los”, ressaltou.
Ele explica que um mandado de busca e apreensão afeta a imagem da empresa e, por isso, é preciso ter cautela. A comissão defende alterações para melhorar a previsão legal do uso de ferramentas de perseguição de cartéis no país.
A empresa condenada pelo Cade por prática de cartel poderá pagar multa de 1% a 30% de seu faturamento bruto no ano anterior ao início do processo administrativo que apurou a infração. Por sua vez, os administradores da empresa direta ou indiretamente envolvidos com o ilícito podem ser condenados a pagar multa entre 10% a 50% daquela aplicada à empresa.
Todo o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, ligado ao Ministério da Justiça, foi analisado e recebeu muitas propostas de alteração. Há uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir dois projetos de lei (3.937/04 e 5.877/05), um deles de autoria do Executivo, que propõe as inovações.
Cartéis condenados
Em novembro de 2007, o Cade condenou a empresa Lafarge Brasil S.A. pela prática, no setor de cimento. A empresa assinou um Termo de Compromisso de Cessação de Conduta e teve de pagar R$ 43 milhões ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD).
A Lafarge se comprometeu a implementar um programa de prevenção de infrações concorrenciais, a garantir aos servidores do Cade, da Secretaria de Acompanhamento Econômico e da SDE o acesso às suas dependências e a apresentar esclarecimentos técnicos sobre fabricação, armazenagem e comercialização de cimento e concreto no Brasil.
Na mesma sessão, o Cade concluiu que a JBS S/A, antiga Friboi Ltda., estava envolvida em cartel no setor frigorífico. A empresa também assinou o termo que prevê um programa de prevenção de condutas anticompetitivas e o pagamento de uma multa de R$ 13,7 milhões ao FDD.
O administrador da Friboi, Wesley Mendonça Batista, e um funcionário do frigorífico, Artêmio Listoni, também celebraram acordo com o Cade. Eles se comprometeram a contribuir com o FDD, no valor de R$ 1,37 milhão e R$ 6,3 mil, respectivamente.
Em abril de 2007, o processo administrativo que investigava os efeitos no mercado brasileiro do cartel internacional de indústrias de vitaminas teve uma decisão do Conselho.
Ricardo Cueva, relator do caso, entendeu que uma vez demonstrada a formação de cartel por três das empresas denunciadas — condenadas pelos órgãos antitruste europeu e norte-americano — e comprovado que o mercado nacional de vitaminas era abastecido quase que exclusivamente por importações vindas de países participantes do cartel, não havia como dizer que no Brasil não houve a infração.
A La Roche Ltd. foi multada em R$ 12 milhões, a Basf Aktiengesellschaft, em R$ 4 milhões e a Aventis Animal Nutrition, em R$ 847 mil.
Revista Consultor Jurídico