Males da Justiça – Excesso de recursos e devedor irresponsável prejudicam execução

por Manuel Cid Jardon

Em razão de ter tido experiência na área contábil antes de ser advogado e juiz, gostaria de publicar todas as minhas sentenças líquidas, mas a realidade que enfrentamos diariamente não nos permite: pautas diárias (algumas duplas); despachos; gestão da vara; atendimento diário de servidores, de partes e até de advogados; bloqueio Bacen; exames de processos trabalhistas complexos — sobrecarga de trabalho, que nos obriga a levar serviços para a residência, trabalhando, muitas vezes, até altas horas da madrugada, sábados, domingos e feriados, e até durante as férias.

Por essas razões, não posso concordar com a proposição daqueles que sustentam ser a apresentação de sentenças líquidas uma garantia da festejada celeridade processual. Quando muito, tratar-se-á de um mero capricho processual, pois, na hipótese de a sentença ser reformada, parcial ou totalmente, o trabalho com os cálculos terá sido de todo inútil. Além do mais, poderá ocorrer aumento de interposições de embargos declaratórios, e, portanto, mais trabalho e menor celeridade.

Afora isso, penso que a administração pública não pode dar-se ao luxo de jogar fora “tempo perdido”. A liquidez da sentença só seria um fator de celeridade se a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau não estivesse sujeita a nenhum recurso. Para isso, hoje, seria necessário extinguir o duplo grau de jurisdição, o que não é possível, diante da previsão constitucional.

Sobre a liquidez da sentença, não podemos esquecer do veto dado pelo presidente da República ao parágrafo 2º do artigo 852-I da CLT, quando da implantação do rito sumaríssimo, redigido nos seguintes termos:

“O parágrafo 2º do artigo 852-1 — não admite sentença condenatória por quantia ilíquida, o que poderá, na prática, atrasar a prolação das sentenças, já que se impõe ao juiz a obrigação de elaborar cálculos, o que nem sempre é simples de se realizar em audiência. Seria prudente vetar o dispositivo em relevo, já que a liquidação por simples cálculo se dará na fase de execução da sentença, que, aliás, poderá sofrer modificações na fase recursal”.

Assim, com a devida vênia dos que pensam contrariamente, fazer sentença líquida antes de ela tornar-se coisa julgada será um retrocesso quanto à celeridade processual.

Atualmente é fato notório, apresentado pela mídia, que nem os Juizados Especiais (aqueles criados para resolver as pequenas causas e para desafogar a Justiça) estão dando conta do recado. Na verdade, esses juízos encontram-se sobrecarregados de processos, demorando em julgar uma causa simples em média de até cinco anos, em alguns estados da federação. Só estão decidindo celeremente antecipações de tutela e medidas cautelares

Assim, se, diante do atual modelo de proferir sentenças não-líquidas, já possuímos um resíduo de milhares de sentenças, fico imaginando o que será quando tudo passar a ser julgamento líquido. Arrisco a afirmar que vamos ter, no mínimo, o dobro de sentenças pendentes de decisão. A conseqüência natural será a diminuição da produtividade, distanciando a data da prolação da sentença daquela em que foi encerrada a instrução.

Uma sentença com um simples resumo de cálculos — ou a sua realização pelos valores históricos, sem a correspondente atualização — não pode ter o status de sentença líquida. A sentença líquida deve estar acompanhada de cálculos mês a mês, anexos aprofundados, justificados — e isso leva tempo.

Não entendo o porquê de apresentarem-se sentenças líquidas, quando, na prática, observamos que as partes estão apresentando os cálculos espontaneamente. Destaca-se que a grande maioria dos advogados de reclamantes, quando instados à apresentação de cálculos, o fazem sem problemas, e, quando se omitem, os reclamados são chamados a fazê-los. Parece-me que fazer cálculos de sentença, pelas partes, não é o problema do nosso cotidiano, ao menos o quanto se refere à minha prática. Além disso, as varas possuem um rol de peritos cadastrados que prestam excelentes laudos periciais, quando nomeados pelos juízes.

Há quem advogue a idéia de inserir nas Varas do Trabalho um servidor especializado em fazer cálculos. Acredito que a existência desse servidor pode-nos gerar mais problemas, além dos tantos outros que já temos. Para tanto, basta que consideremos:

a) Quem vai ficar com os melhores servidores calculistas, com os mais operosos?

b) Quem vai ficar com os menos operosos?

c) Um servidor só vai dar conta de todo o trabalho da vara?

d) Quando ele gozar as férias, os cálculos serão suspensos?

e) Estará certo o juiz depender da produtividade desse servidor para publicar as suas sentenças?

f) O juiz vai poder justificar o atraso das sentenças, culpando o servidor calculista pelo retardamento dos cálculos?

Como responder a essas perguntas? Ou estamos a imaginar que a mera implantação da sentença líquida será a solução de tudo, e que não advirão outros problemas? Refiro ainda, só para ilustrar, a falta de espaço físico nas varas e a falta de computadores. Como resolver esse paradoxo?

O ideal seria a existência de uma contadoria fixada e controlada diretamente pelo tribunal somente para auxiliar os juízes de primeiro e segundo graus, quando fosse solicitado o seu apoio.

Durante os meus15 anos de magistratura, nunca tive dificuldades de enfrentar a execução, a pré-executividade, os embargos, sejam de que tipo for. Parece-me que a liquidação de cálculos não é o motivo principal que atormenta a celeridade processual. Digo isso porque sempre me preocupei com celeridade processual e confesso que os cálculos nunca me incomodaram. E mais, não sou de determinar perícia contábil na fase de execução — isso só ocorre quando nenhuma das partes realiza os cálculos.

Além disso, enfrento de pronto as divergências levantadas por elas diante dos cálculos, impedindo, assim, um vai-e-vem interminável de questionamentos, que só fazem prolongar a execução e torná-la cada vez mais confusa e mais complexa, prejudicando aquele que vem buscar o seu direito. Destaco que essa prática contribuiu significativamente para a maior celeridade da execução.

A contrariedade na execução, na maioria das vezes, gira em torno de critérios, e não dos valores. Por isso, basta o juízo da execução enfrentar as divergências decorrentes do critério de liquidação apresentadas pelas partes litigantes que, por conseqüência, ficarão resolvidos os cálculos.

Na verdade, o que prejudica de fato a execução é o excesso de recursos, a falta de bens a serem penhorados e até a falta de vergonha de certos devedores irresponsáveis, e não a falta de uma sentença líquida. Penso que teríamos de discutir outros temas de maior relevância e de implementar outras prioridades para alcançarmos a almejada celeridade processual.

Revista Consultor Jurídico

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