por Marina Ito
Ao receber a denúncia contra um grupo acusado de integrar milícias, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro discutiu, nessa segunda-feira (7/4), o processo investigatório para detentores de prerrogativa de foro e o direito à ampla defesa. A maioria votou com a desembargadora Maria Henriqueta Lobo, que entendeu já haver indícios para sustentar a denúncia de formação de quadrilha contra o deputado estadual Natalino José Guimarães e seu irmão, vereador do Rio Jerônimo Guimarães Filho, acusados de comandar policiais que atuariam como milícias em bairros da zona Oeste do Rio.
Maria Henriqueta, relatora do processo, voltou a afirmar que não houve ato investigatório relativo a Natalino Guimarães depois da decisão do Superior Tribunal de Justiça, que determinou o desentranhamento dos autos em relação a Natalino, para que fossem separadas as provas colhidas a partir de sua diplomação como deputado, já que tem foro de prerrogativa.
O ministro Napoleão Nunes determinou a exclusão das peças que foram obtidas após a diplomação. Segundo a desembargadora, dois dos cinco depoimentos que fazem parte do processo foram incluídos em 2007, mas não se referiam ao deputado e sim a outros acusados.
Já a desembargadora Letícia Sardas, primeira a divergir, lembrou que a denúncia é por associação, sendo que o deputado e seu irmão são acusados de comandar o grupo. Portanto, os atos, ainda que não se referissem a eles, teriam influência no processo. Para Sardas, não foi cumprida a determinação do STJ de retirar todas as peças de investigação do processo obtidas após Natalino se tornar deputado.
Inquérito para deputado
Outra questão levantada pela desembargadora Sardas foi o procedimento investigatório. Segundo ela, consta no processo que o delegado perguntou ao promotor de Justiça de Campo Grande (RJ) se, com Natalino eleito deputado, a atribuição pelas investigações ainda seria dele.
O promotor respondeu que sim e as diligências continuaram. Para Sardas, não é possível aceitar um inquérito aberto em julho de 2007, quando Natalino já era deputado, sendo que o procedimento só chegou ao Órgão Especial em 10 de janeiro deste ano. A desembargadora sugeriu que os autos retornassem ao Ministério Público para que a denúncia fosse adequada.
Letícia Sardas baseou seu voto na decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Segundo ela, em questão semelhante, o ministro entendeu que os atos realizados por autoridades não competentes após a diplomação (no caso de um deputado federal) são nulos. Sardas explicou que o deputado Natalino foi diplomado em 15 de dezembro de 2006 e durante mais de um ano as investigações ficaram na esfera de primeiro grau.
O desembargador Mota Moraes, ao receber a denúncia, afirmou que não há dispositivo legal que obriga o delegado a submeter a abertura de inquérito, contra quem quer que seja, a qualquer autoridade. Ou seja, o delegado pode abrir um inquérito policial sem a autorização do juiz.
Segundo Mota Moraes, o ministro Gilmar Mendes, ao votar pela nulidade do indiciamento de um deputado, no Inquérito 2.411, criou uma legislação nova. Para o desembargador, o juiz não tem de atuar em uma fase que não lhe cabe, mas apenas em eventuais medidas cautelares. “O Judiciário não exerce supervisão de inquérito policial”, afirmou. Segundo ele, o ato de diplomação do deputado, no caso estadual, apenas desloca a competência para o Órgão Especial processá-lo e julgá-lo.
Ampla defesa
Os desembargadores também discutiram se os advogados dos denunciados deveriam ter acesso aos autos após o desentranhamento das peças. “É um direito da defesa refazer sua defesa caso haja um fato novo”, afirmou o desembargador Sérgio Verani, para quem houve mudança após o desentranhamento dos autos.
Segundo o desembargador, o tribunal pode até entender que a exclusão de atos realizados, após Natalino se tornar deputado, não vai interferir no resultado. Mas não pode tirar o direito da ampla defesa. “Concordo com a questão social [abordada pela desembargadora Maria Henriqueta], mas, por mais horroroso que seja o crime, o devido processo legal é para todos”, afirmou.
Verani lembrou que a defesa já entra em desigualdade no processo em que quem acusa é o Estado. “Não é questão de formalismo”, garantiu. O desembargador votou por converter o julgamento em diligência e abrir vista dos autos aos advogados.
“Qual o prejuízo da defesa? Onde fica o princípio da racionalidade?”, perguntou Maria Henriqueta. Para a desembargadora, não se trata de mera questão processual. “Temos prova inequívoca da destruição do Estado Democrático de Direito”, afirmou. A desembargadora ressaltou que há uma população esquecida pelo Estado e subjugada pelas milícias.
O desembargador Mota Moraes entendeu que eventuais irregularidades poderão ser resolvidas na fase processual. Segundo ele, nessa fase os acusados terão o amplo direito de defesa. “Não existe nulidade no inquérito”, afirmou.
O advogado do deputado Natalino Guimarães, Fernando Augusto Fernandes, afirmou que vai entrar com uma Reclamação no STJ. Ele afirma que o TJ do Rio não cumpriu a decisão do ministro Napoleão Nunes. Também vai estudar a possibilidade de levantar a suspeição da desembargadora Maria Henriqueta, relatora da ação, devido às declarações que ela fez no julgamento.
O caso
O Ministério Público acusa o grupo, do qual fazem parte o deputado, o vereador, policiais e outras pessoas ainda não identificadas, de instalar, desde 2005, a “Liga da Justiça”, um grupo armado que exigia dinheiro de moradores e comerciantes em troca de “proteção” contra criminosos.
Segundo o MP, com o tempo o grupo passou a constranger diversas pessoas, inclusive, motoristas de transporte alternativo com o emprego de violência e grave ameaça. Os que tentaram se rebelar contra a quadrilha sofreram represálias.
Durante o recesso de fim de ano, o MP pediu a prisão preventiva, busca e apreensão de documentos e quebra do sigilo bancário de alguns dos acusados. As diligências foram deferidas. O vereador, conhecido como Jerominho, e policiais foram presos.
Os advogados entraram com liminares no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Os tribunais superiores mantiveram, em decisões de caráter liminar, as prisões preventivas. Mas no mérito de um recurso apresentado no STJ, o ministro Napoleão Nunes determinou o desentranhamento dos autos.
A decisão do ministro gerou polêmica entre os desembargadores do TJ do Rio, que leram vários trechos do voto. Quatorze desembargadores votaram pelo recebimento da denúncia e sete optaram por converter o julgamento em diligência.
Denúncia 2008.065.00001
Revista Consultor Jurídico