Utilizar processo judicial para obter vantagens ilícitas “é um claro ato atentatório à dignidade da Justiça” e deve ser punido com multa por litigância de má-fé. O entendimento é da juíza Tatiana Iykie Assao Garcia, do 5º Juizado Especial Cível de Brasília. Ela multou um advogado por entender que ele forçou uma situação de conflito para entrar com ação de indenização por danos morais.
O advogado pedia indenização de R$ 15,2 mil, mas foi condenado a pagar R$ 152 por litigância de má-fé. Motivo: ele foi até uma drogaria em busca de uma promoção de desodorantes. No dia da compra, a promoção havia terminado. De acordo com a decisão, em vez de esperar que o atendente tentasse resolver o impasse com o cliente, ele comprou o produto pelo preço mais alto do que foi anunciado e afirmou: “isso vai me render uns quatro mil”, insinuando o valor da indenização que poderia receber por causa da propaganda que entendia ser enganosa.
De acordo com o processo, o advogado assistiu a propaganda na TV anunciando determinada marca de desodorante por R$ 8,16. Ele foi até a drogaria para comprar o produto. Quando chegou ao estabelecimento, o preço fixado era de R$ 9,63. Ele reclamou com os funcionários, que disseram que a promoção tinha acabado e que o preço estava correto. Para resolver o impasse, um dos empregados disse que conversaria com o gerente, que estava em outra loja.
Consta dos autos que o advogado não esperou o empregado voltar e pagou a conta, se apresentando como advogado e dizendo que o fato lhe renderia “uns quatro mil”. No mesmo dia, fez boletim de ocorrência na delegacia do consumidor e apresentou o caso para a promotoria do consumidor do Ministério Público do Distrito Federal. Ainda ligou para a Rede Globo para que a emissora lhe confirmasse a exibição da propaganda e entrou com a ação no Juizado Especial.
A juíza Tatiana Garcia considerou que o advogado se “utilizou do processo para atingir fim ilícito”. “Dano moral consiste na violação dos direitos da personalidade de uma pessoa, como honra, reputação, intimidade, integridade física, justas aspirações e outros bens que integram seu patrimônio imaterial. Da violação desses direitos decorre, geralmente, dor, vexame, sofrimento ou humilhação, sendo estes efeitos, não causas. No entanto, das provas colhidas, não restou provado que os direitos da personalidade do autor tenham sido vulnerados pelo fato”, entendeu a juíza.
Para Tatiana, embora tenha havido desencontro de informações quanto ao preço do produto, o lapso, ainda que pudesse gerar dano material, não tem o condão de violar direitos da personalidade. “A pressa do autor em registrar a ocorrência policial e noticiar por escrito os fatos ao MP na tarde do mesmo dia, e a atitude de utilizar o fato de adquirir desodorantes por R$ 1,47 a maior, visando buscar compensação por danos morais, é, um claro ato atentatório à dignidade da Justiça, configurando litigância de má-fé”, concluiu. O advogado pode recorrer da decisão.
Leia a decisão
Circunscrição: 1 — BRASILIA
Processo: 2007.01.1.130050-3
Vara: 1405 — QUINTO JUIZADO ESPECIAL CIVEL
SENTENÇA
ÉRICO DE OLIVEIRA PAIVA propôs feito de conhecimento sob o rito da Lei n.º 9.099/1995 em face de DROGARIA VISON LTDA requerendo compensação por danos morais no valor de R$ 15.200,00 (quinze mil e duzentos reais).
O autor afirma que viu na televisão propaganda promovida pela ré na qual veiculava a informação de que o produto “desodorante Dove aerosol” seria vendido pelo valor de R$ 8,16 (oito reais e dezesseis centavos). Diz ter comparecido a um dos 26 (vinte e seis) estabelecimentos da ré para adquirir o produto e que, ao chegar ao caixa com 8 (oito) unidades do produto, verificou que o preço cobrado era de R$ 9,63 (nove reais e sessenta e três centavos). Informa que um dos funcionários da ré lhe afirmou que o preço estava correto, que a promoção havia terminado e que o autor estava equivocado, pois a ré não costumava realizar anúncios na televisão. Narra ter adquirido apenas 4 (quatro) unidades do produto, tendo posteriormente confirmado com uma funcionária da Rede Globo que realmente houve o anúncio no mesmo dia em que realizou a aquisição, pelo valor que o autor havia mencionado. Narra ter registrado ocorrência policial e noticiado os fatos ao Ministério Público.
Relatório sucinto consoante permite o artigo 38, caput, da Lei n.º 9.099/1995.
Decido.
À fl. 12 consta cópia de cupom fiscal emitido pela ré em 09/10/2007 às 8h48, pela aquisição de quatro unidades de “DES DOVE AEROS.SENSITIVE”, pelo valor unitário de R$ 9,63 (nove reais e sessenta e três centavos).
À fl. 14 juntou o autor cópia da ocorrência n.º 584/2007, comunicada pelo autor às 10h21 de 09/10/2007, à autoridade policial da Delegacia do Consumidor localidade no SAI Sudoeste Bloco D – Prédio DPE, noticiando os fatos ocorridos no estabelecimento da ré localizado na quadra comercial 102 Sul.
À fl. 13 juntou cópia de comunicação ao Ministério Público Federal, promovida pelo autor narrando os fatos, recebida na mesma data de 09/10/2007 às 15h.
Ouvida a testemunha Felipe Ricardo Cachate Torres, farmacêutico que atendeu o autor na loja da ré, este afirmou que o autor questionou o preço de um desodorante, dizendo que havia uma promoção segundo a qual seria mais barato. Disse que o gerente da unidade onde trabalha não estava no momento, tendo solicitado que o autor aguardasse, pois iria até outra unidade da ré que fica na mesma rua, falar com o gerente de lá, a fim de que o mesmo resolvesse a situação. Afirmou ter falado com o gerente da outra unidade, Sr. Giovane, o qual lhe disse que iria até a unidade onde se encontrava o autor, pedindo que lá o aguardasse. Disse o depoente ter demorado cerca de 5 (cinco) minutos e quando chegou à unidade onde trabalha o autor já estava no caixa, pagando pelos produtos.
Ouvida a testemunha Thiago Firmino de Souza Moura, funcionário da ré na função da caixa que atendeu o autor, este disse que ouviu a conversa entre o autor e o Sr. Felipe, tendo ouvido este lhe dizer que iria até a outra unidade para que se informar com o gerente sobre a questão do preço divergente. Afirmou que enquanto o autor aguardava o retorno do Sr. Felipe, questionou ao depoente sobre se ele demoraria, tendo este lhe respondido que aguardasse, pois o farmacêutico não demoraria. Narrou o depoente que o autor, na seqüência, disse que levaria os produtos por aquele preço maior mesmo, acrescentando que era advogado e que isto “lhe renderia uns quatro mil”.
Cumpre consignar que dano moral consiste na violação dos direitos da personalidade de uma pessoa, como honra, reputação, intimidade, integridade física, justas aspirações e outros bens que integram seu patrimônio imaterial. Da violação destes direitos decorre, geralmente, dor, vexame, sofrimento ou humilhação, sendo estes efeitos, não causas.
Da prova colhida nos autos, entendo que nenhum dos direitos da personalidade do autor foi vulnerado por qualquer ato dos prepostos da ré, ou por seu comportamento.
Embora tenha havido um desencontro de informações quanto ao preço, perfazendo uma diferença de R$ 1,47 (um real e quarenta e sete centavos) para cada unidade de produto, perfeitamente sanável mediante argumentação junto ao gerente da loja, tal lapso, ainda que possa gerar um dano material mínimo, não tem o condão de violar direitos da personalidade.
Observo, entretanto, que o autor tentou se utilizar do processo para atingir fim ilícito, pois enunciou ao funcionário da ré que a aquisição dos produtos por preço maior “lhe renderia uns quatro mil”.
Ora, estando na loja da ré situada na quadra 102 Sul às 08h48 (horário de emissão do cupom fiscal), vê-se pressa em registrar a ocorrência policial, pois às 10h21 já estava o autor sendo atendido na Delegacia do Consumidor, tendo ainda noticiado por escrito os fatos ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios na tarde do mesmo dia.
A atitude do autor, de utilizar o fato de adquirir desodorantes por R$ 1,47 (um real e quarenta e sete centavos) a maior, visando buscar compensação por danos morais, é um claro ato atentatório à dignidade da Justiça, configurando litigância de má-fé, nos termos do art. 17, inc. III, do Código de Processo Civil, mormente pelo fato de haver o autor enunciado, antes que o Sr. Felipe retornasse de falar com o gerente, que aquilo “lhe renderia uns quatro mil”.
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido e extingo o feito com resolução de mérito nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno o autor ERICO DE OLIVEIRA PAIVA a pagar multa por litigância de má-fé, em valor equivalente a 1% (um por cento) do valor da causa (art. 18, caput, do CPC).
Com fundamento no art. 18, §2º, do CPC, condeno o autor às despesas causadas às parte ré, com a contratação de advogado e o deslocamento de funcionários, as quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa.
Com fulcro no art. 55, caput, da Lei n.º 9.099/1995, condeno o autor a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa (art. 20, §3º, do CPC).
Fica o autor intimado de que, na forma do disposto no artigo 475-J do Código de Processo Civil, a partir do trânsito em julgado terá o prazo de 15 (quinze) dias para efetuar o pagamento, sob pena de acréscimo de 10% (dez por cento) sobre o montante da condenação.
A publicação ocorrerá em Cartório, estando as partes intimadas da data para a publicação da sentença, em 02/04/2008, data a partir da qual passará a fluir o prazo para interposição de eventual recurso e serão as partes consideradas intimadas da sentença para todos os efeitos.
Registre-se.
Brasília – DF, quinta-feira, 27/03/2008 às 16h46.
Revista Consultor Jurídico