por Marcelo Câmara Rasslan
Capitaneados pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), os magistrados brasileiros foram os primeiros a sustentarem a inconstitucionalidade da criação, instalação e funcionamento do Conselho Nacional de Justiça porque, encarregado de “administrar” o Poder Judiciário Nacional, em nível superior, é integrado por pessoas que não pertencem aos quadros da magistratura. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, afirmou a constitucionalidade do dito conselho.
A instituição do “conselhão” atendia e atende aos apelos dos cidadãos brasileiros, interessados em ver um Poder Judiciário mais transparente, e com a atuação de seus membros e dirigentes limitada pelo ordenamento jurídico-legal vigente. Desde então, muitas foram as decisões ali tomadas que, efetivamente, cumpriram tal objetivo.
Entretanto, outras tantas decisões desrespeitaram e desrespeitam o próprio ordenamento vigente, invadiram e invadem competências privativas dos órgãos jurisdicionais, notadamente do Supremo Tribunal Federal, verdadeiramente o maior guardião da Constituição da República, que não é uma lei qualquer, mas sim a lei básica do país, que garante os direitos fundamentais do seu povo e, por isso, nos iguala a todos.
A última decisão do referido conselho, tomada por decisão individual de um de seus membros, referente a ato do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, e amplamente divulgada pela mídia, é uma delas.
Trata-se da decisão do conselheiro Paulo Lobo exarada em Procedimento de Controle Administrativo (PCA 2008.100.00.00.586-6), que não só suspendeu o limite de idade máxima para inscrição em concurso para acesso à magistratura como também determinou a prorrogação do prazo de inscrição para o XXVIII Concurso de ingresso na magistratura estadual. E, em conseqüência, obrigou o TJ-MS, também, a modificar todo o seu planejamento, inclusive quanto à época da realização das provas.
Entendeu aquele conselheiro que não se pode estabelecer idade máxima para o candidato à carreira da magistratura porque a Constituição da República não impôs limite de idade para cargos públicos. Aassim, nenhuma legislação poderia fazer essa restrição, muito menos um edital, para o que citou a Súmula 683 do STF que dispõe que “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do artigo 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
Para se decidir, aprendem os magistrados desde cedo, é necessário pesquisar, estudar e entender o que é posto para ser decidido. A boa interpretação não pode ser isolada, deve verificar os princípios e finalidades da norma e, finalmente, não pode ser inconseqüente, ou seja, deve também verificar as conseqüência do que decide sobre o conjunto das normas e não criar problemas para tal conjunto e para a cidadania.
Infelizmente, a decisão tomada, — e que deve ser cumprida, pelo menos até que, eventualmente, seja modificada —, descurou-se disto.
O próprio STF, guardião e maior intérprete da Constituição da República, já decidiu que o limite máximo de idade para inscrição em concursos semelhantes é constitucional, desde que prevista em lei.
Em decisões do STF, todas posteriores à Constituição de 1988 e nela embasadas, estabeleceu-se que “Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, emprego e cargos públicos”, e que “O limite de idade, no caso, para inscrição em concurso público e ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Mato Grosso — vinte e cinco anos e quarenta e cinco anos — é razoável, portanto não ofensivo à Constituição, art. 7º XXX, ex vi do art. 39, § 2º”(RE 184.635/MT — MATO GROSSO — Rel. Min. Carlos Velloso), além de ter assentado que “A lei pode limitar o acesso a cargos públicos, desde que as exigências sejam razoáveis e não violem o art. 7º, XXX, da Constituição” (AI-AgR 413.149/DF — DISTRITO FEDERAL — Rel. Min. Joaquim Barbosa), porque “Não é inconstitucional a imposição de limite máximo de idade, para ingresso de praça, nos quadros de Corpo de Bombeiros Militar (CF, art. 42, §§ 9º e 11, no texto original)” (RE 197.479/DF — DISTRITO FEDERAL — Rel. Min. Octávio Gallotti).
O STF não admite que a limitação de idade seja estabelecida apenas em edital, sem base em lei, e sem qualquer razoabilidade.
E, no Mato Grosso do Sul, — talvez o desconheça o conselheiro Paulo Lobo —, há lei que estabelece o limite para inscrição em concurso para ingresso na magistratura estadual, tratando-se da Lei 1.511, de 05.07.94 que, em seu artigo 195, parágrafo 5º, determina expressamente que “No concurso para ingresso na carreira da magistratura estadual, a idade mínima dos candidatos é fixada em 23 e a máxima em 45 anos, contados no dia da inscrição. (alterado pela Lei 1.969, de 28.6.99 — DO-MS, de 29.6.99.)”.
Tal lei encontra-se em vigor e nunca foi declarada inconstitucional pelo órgão jurisdicional competente que é o Supremo Tribunal Federal. Aliás, nunca ali foi posta a discussão sobre a sua inconstitucionalidade.
A nosso ver, portanto, a decisão tomada além de contrariar texto expresso de lei que nunca foi declarada inconstitucional, invade competência privativa da mais alta corte de Justiça deste país, porque “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. (Art. 102, I, a, Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).
É assim, infelizmente, que se afronta o Estado de Direito, ofende-se a cidadania e o respeito às instituições, às leis e à sua hierarquia.
Triste e inglória decisão que, espera-se, seja brevemente modificada, até mesmo com a provocação ao Supremo Tribunal Federal que haverá de lembrar nem ele se sobrepõe à Constituição, da qual é o guardião e maior intérprete, sob pena de entender-se que o CNJ assumiu, de vez, competência a ele não contemplada pela Carta Magna, e inverter-se de vez a posição dos inciso I e I-A do seu artigo 92.
Ou concluiremos que ser praça dos quadros do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal é mais difícil que ser Juiz Substituto em Mato Grosso do Sul.
Revista Consultor Jurídico