por Priscyla Costa
O júri do médico Farah Jorge Farah, acusado de homicídio duplamente qualificado, ocultação e vilipêndio de cadáver, entrou no segundo dia nesta quarta-feira (16/4). Foram ouvidos os depoimentos das testemunhas de defesa e acusação. Farah foi denunciado pelo Ministério Público por matar e esquartejar a dona de casa Maria do Carmo Alves, sua amante, na noite de 24 de janeiro de 2003.
O crime gerou enorme clamor popular. Por semanas, a imprensa dedicou páginas e mais páginas para o caso. Farah foi capa das mais importantes revistas do país. Parte da imprensa chegou a se dirigir a ele como “monstro”, tamanha a crueldade do crime. É que o médico, para evitar o reconhecimento do corpo, desfigurou a vítima. Ele removeu cirurgicamente parte dos tecidos do rosto e das plantas das mãos e dos pés. O corpo foi esquartejado, colocado em sacos de lixo e escondido no porta-malas do carro de Farah.
Réu e defesa, em uma situação como essa, já chegam ao plenário do Júri em desvantagem. Mas a única opção da defesa é tentar inverter o jogo. E não para conseguir a absolvição do réu, mas para que seja fixada a pena mais justa possível. Roberto Podval, responsável pela defesa de Farah, depositou parte de sua esperança no depoimento das testemunhas arroladas pela defesa e nas contradições contadas pelas testemunhas de acusação.
“Se todo mundo contar a verdade, a história se sustenta por si só. A defesa não precisa falar nada ou inventar qualquer versão”, disse o advogado antes do fim das oitivas.
Nesta quinta-feira (17/4), o desafio de Podval e sua equipe será mostrar para os jurados que Farah não é um “pervertido” ou “monstro”, como sustentado pela acusação e pela imprensa. Contra sua versão, há depoimentos de pacientes do ex-cirurgião que afirmaram, durante o julgamento, que sofreram abusos sexuais enquanto estavam sedadas devido a procedimentos cirúrgicos.
Para isso, a defesa tem a seu favor inquéritos por abuso sexual abertos a pedido das mulheres, mas arquivados por falta de provas. Existe ainda uma ação com pedido de indenização por danos morais, ajuizada pelas pacientes, julgada improcedente pela primeira instância. Este processo está em fase de apelação.
“Essas pacientes impressionaram o júri. Mas elas criaram histórias e juntaram outras mulheres para confirmar suas versões. Se elas tivessem contado a verdade, a história seria outra”, disse Podval.
Outra arma que a defesa tem é a que comprova centenas de ligações feitas por dia por Maria do Carmo a Farah. O argumento é o de que Maria do Carmo perseguia o médico fazendo com que ele vivesse apenas por e para a dona de casa. Testemunhas disseram que Maria do Carmo chegou a ligar 800 vezes em um dia para o ex-cirurgião. Ela conseguiu fazer com que caísse o movimento da clínica do médico porque sempre que ia para lá, arrumava confusão. O que a defesa tenta mostrar é o forte sentimento de obsessão que ela tinha por Farah.
Todas as testemunhas da defesa confirmaram a versão. E, para ilustrar a situação de perseguição, a defesa exibirá para os jurados os filmes Tomates Verdes Fritos e Atração Fatal. Os longas contam histórias de crimes cometidos em legítima defesa e obsessão. A defesa conseguiu autorização da produtora para a exibição.
O caso
No dia dos fatos, a mulher o atacou com uma faca. O médico disse que ela o perseguia há mais de cinco anos. “Ela [Maria do Carmo] me atacou com uma faca. Me defendi com minha bengala. Eu a empurrei e ela bateu a cabeça na parede. Eu surtei, excelência (se referindo ao juiz), e não lembro o que aconteceu”, disse.
Farah diz que não recorda de nada que aconteceu, apenas de ter se “atracado” com Maria do Carmo. O réu disse que ficou “em transe” até o domingo (o crime ocorreu em uma sexta-feira). “A gente se atracou, eu consegui tirar a faca da mão dela. Como eu fiz a seqüência dos fatos, eu não sei”.
Se o argumento prosperar, Farah será condenado apenas por ocultação e vilipêndio de cadáver. Ou não. A defesa argumenta que pode ter havido vilipêndio, mas não ocultação porque o ex-cirurgião disse onde é que escondeu o cadáver.
Avaliação de uma mente
A defesa também levou a psiquiatra Hilda Morana, como testemunha, para explicar o suposto surto do médico. Ela disse que aplicou o teste de Rorchach (usado para identificar traços de personalidade) no médico Farah Jorge Farah. Ela foi categórica ao defini-lo. “Não é um psicopata, não é um perverso, não reincidiria no crime, nem nada. Ele é um descontroladinho para questões emocionais.” A psiquiatra afirmou que, pelo teste, foi possível determinar que o réu pudesse cometer o crime sobre forte pressão emocional.
Já o psicanalista e perito judiciário Carlos Alberto de Souza Coelho, chamado pela acusação, acredita que Farah tentou fazer uma desconstrução da figura feminina com o esquartejamento. “Enxergo uma relação com a mãe, que o dominava. Posso entender, quando ele comete um crime dessa maneira, que ele desconstrói a figura feminina, visando se libertar do domínio materno”, diz o perito.
Segundo ele, Farah sabia que cometia um crime, mas não foi capaz de segurar seu impulso. Quanto ao esquartejamento, afirma que o réu não estava consciente no momento em que o praticava. Ambos os especialistas concordam que é possível que Farah seja semi-inimputável, ou seja, que não estava no comando pleno de suas faculdades mentais quando cometeu o crime e o posterior esquartejamento de Maria do Carmo.
Primeira absolvição
Entre as acusações havia, ainda, a de fraude processual porque o acusado limpou sua clínica para se livrar dos vestígios de sangue no local. Mas o Supremo Tribunal Federal determinou que fosse retirada da pronúncia a última acusação.
O entendimento da maioria dos ministros da 2ª Turma do STF foi o de que “é impróprio atribuir ao paciente em concurso a prática dos delitos de ocultação de cadáver e de fraude processual penal sob pena de risco de bis in idem (duas vezes a mesma coisa)”. Como o julgamento desta questão terminou empatado, o resultado favoreceu o cirurgião plástico.
Desde 31 de maio do ano passado, Farah está em liberdade também por decisão da 2ª Turma do STF. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, considerou que não estavam mais presentes os fundamentos que justificaram sua prisão cautelar, como garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.
Revista Consultor Jurídico