por Eduardo Costa da Silva
Muito se debate acerca da remuneração dos executivos de companhias americanas, sobretudo, após os escândalos corporativos, que motivaram profundas alterações legislativas nos Estados Unidos, principalmente com a edição da Lei Sarbanes-Oxley. Dentro deste contexto a remuneração dos executivos passou a ser objeto de acalorados debates no meio acadêmico norte-americano, uma vez que é apontada como um dos principais elementos que motivaram a elaboração dos referidos esquemas fraudulentos.
Nos EUA a preocupação com a questão de alinhamento de interesses entre executivos e os acionistas deu origem à chamada Teoria da Agência. Trata-se da questão da separação entre o capital e o controle, pois nos EUA predomina a chamada empresa institucionalizada, aquela cujo controle não mais pertencia ao proprietário do capital. Desta forma, o grande desafio é evitar o chamado benefício privado do controle, ou seja, a extração de vantagens econômicas, por parte das dos executivos em detrimento dos interesses da companhia.
O ambiente pré-escândalos corporativos era de grande euforia, em razão do desempenho empresas de tecnologia, associado a uma interpretação distorcida da chamada Teoria da Firma. Em linhas gerais, dispõe que a eficiência de uma empresa é alcançada com a eliminação dos custos de transação. Em outros termos a referida teoria foi aplicada às companhias abertas, utilizando-se como parâmetro de aferição da redução dos custos de transação, a maximização do valor das ações da companhia.
Sob o pretexto de maximização do valor das ações muitos executivos uniram o útil ao agradável, ou seja, adotando estratégia de curto prazo, para aumento do valor das ações da companhia, garantiram excelentes prêmios ao exercerem suas opções de ações e recebimento de bônus de desempenho.
Nesse sentido, Bebchuck e Fried (Pay Without Performance, Havard Press, 2004) apresentaram estudo relativo ao aumento na remuneração dos executivos nas 500 maiores companhias americanas no período de 1993 a 2002.
A preocupação dos referidos estudiosos foi a de verificar se o grande incremento na remuneração dos executivos no período estudado acompanhou ou não o crescimento do valor de mercado das companhias. Ao final de suas projeções chegou-se a conclusão de que o crescimento baseado no incremento do valor de mercado ficou aquém da variação da remuneração percebida no período. Enquanto no período de 1993-2002 a variação percentual da remuneração dos CEOs foi de 181% e dos top 5 foi de 143%, porém, segundo os referidos autores o percentual do crescimento justificado pelo incremento do valor da companhia foi de 16% e 19%, respectivamente.
De acordo com os autores, o aumento da remuneração dos executivos americanos, poderia ser justificado pelo aumento da remuneração de natureza variável (e.g. stock options, bônus), desde que a remuneração fixa (in cash compensation) apresentasse uma redução proporcional. Porém, os resultados apresentados demonstram que não houve a redução proporcional entre remuneração fixa e variável, que pudesse justificar o incremento da remuneração global dos executivos no período 1993-2002, pelo contrário houve incremento nas duas formas de remuneração, fato que corrobora a tese da injustificada assimetria.
Segundo entendem os referidos autores, os problemas decorrem da influencia que os CEOs exercem sobre o conselho de administração/ comitês de remuneração, que em tese, deveriam ser suficientemente independentes para fiscalizar a remuneração dos executivos e negociá-las em condições de mercado. Concluem ainda que o problema é agravado em companhias cujos níveis de governança corporativa são considerados fracos.
Quanto à remuneração dos executivos das companhias brasileiras a questão é disciplinada pelo artigo 152 da Lei 6.404/76, que impõe a companhia o dever de informar o montante global da remuneração paga aos executivos, sem obrigação específica de separar a remuneração entre fixa e variável, ou informar sobre planos de stocks options.
Além disso, no plano infra-legal, temos os regulamentos dos níveis diferenciados de governança corporativa da Bovespa, que apesar de louvável e bem sucedida iniciativa, impõe regras genéricas acerca da remuneração de executivos, e, assim, como as regras legais, não obrigam as companhias a informarem de forma clara se determinado administrador possui ou não planos de stock options, qual a data de seu exercício, quais os valores envolvidos ou até mesmo informações sobre o percentual entre remuneração fixa e variável que cabe a cada um dos administradores.
Apesar de todo o esforço para a melhora dos problemas de governança corporativa no Brasil, as ações foram orientadas, principalmente, para a tentativa de redução de conflitos existentes entre os acionistas majoritários e minoritários, este direcionamento pode ser justificado pelas características das companhias brasileiras, cujo controle é de natureza majoritária, ou seja, é exercido por poucos e muitas vezes por um único acionista. Entretanto, pouco se avançou nas questões relativas ao controle e fiscalização da remuneração dos executivos, que também pode ser instrumento para o cometimento de abusos, principalmente, quando o controlador é capaz de influenciar nas decisões do conselho de administração.
Desta forma, o estabelecimento de regras que aumentem a transparência acerca da remuneração percebida pelos executivos das companhias brasileiras, além de contribuir com o aumento dos níveis de governança corporativa, ofereceria, ao menos, aos agentes participantes do mercado a oportunidade de aferir se os valores recebidos pelos administradores são compatíveis com o valor que os mesmos estão gerando para os acionistas e a sociedade.
Revista Consultor Jurídico