A volta da Anaconda – Juiz denunciado acusa MPF de grampear autoridades

por Fernando Porfírio

A Justiça Federal de Brasília recebeu ação que acusa o Ministério Público Federal de fazer grampo ilegal. O suposto grampo teria partido de um aparelho do tipo guardião, e fez escutas clandestinas até de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que na época ocupava o cargo de vice-presidente da Corte, além de outras autoridades com foro privilegiado.

Reportagem da revista Veja de agosto do ano passado mostra que pelo menos cinco ministros do STF — Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto, além de Sepúlveda Pertence, que se aposentou em 2007 — se sentem ou já se sentiram monitorados por escutas clandestinas.

A ação reclama reparação de danos morais e materiais a favor do juiz da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Ali Mazloum e é assinada pelos advogados Américo Lacombe e Gabriel Lacombe. O juiz paulista foi denunciado pelos crimes de ameaça e abuso de poder e afastado do cargo. A ação penal, no entanto, não vingou, trancada pelo STF.

No pedido de indenização, os advogados apontam como réus a União Federal e os procuradores regionais da República Janice Ascari, Ana Lúcia Amaral e Guilherme Schelb. As duas procuradoras atuam no Ministério Público Federal em São Paulo e Schelb, em Brasília. Está previsto para está terça-feira (29/4) o depoimento do procurador Guilherme Schelb na CPI dos grampos.

Ouvida pelo Consultor Jurídico, a procuradora Janice Ascari disse que “as acusações são graves, um absurdo total. Espero que ele tenha provas do que está dizendo”.

A defesa pede indenização no valor de R$ 168.280,00. A ação diz que o juiz Ali Mazloum foi vítima de um “verdadeiro atentado” no exercício de suas funções e de violação de sua dignidade, intimidade, honra e imagem. Afirma que o dano foi resultado de denúncia inepta, feita a partir da vontade dos acusados que se basearam num relatório apócrifo, que, segundo os advogados, não narrava nenhum crime e tinha o objetivo único de “acobertar o nebuloso e irregular grampo”.

Por conta da ação proposta pelo Ministério Público Federal, o juiz da 7ª Vara Criminal ficou afastado de suas funções por quase dois anos, de 16 de setembro de 2004, data do recebimento da denúncia pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, até 12 de setembro de 2006, quando a ação da suposta ameaça foi trancada pelo STF.

“O comportamento dos réus acarretou prejuízos materiais e inegáveis danos morais ao autor”, afirmam os advogados de Ali. “Em função da inepta denúncia por abuso de poder e ameaça, o autor foi afastado de suas funções, o que por si só acarreta inegável e incomensurável dano moral a qualquer pessoa, a qualquer funcionário público”, completam os advogados.

Investigações paralelas

O juiz Ali Mazloum apurava, desde o final de 2002, atividades ilícitas supostamente praticadas por um grupo chefiado por Ari Natalino da Silva. A investigação envolvia delitos como falsificação, contrabando de cigarros, adulteração de combustíveis, lavagem de dinheiro e sonegação de tributos. O inquérito corria sob sigilo, na 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo.

Em setembro de 2003, foi remetido ao juiz um procedimento de interceptação telefônica iniciado em Brasília, em dezembro de 2002. Os grampos tratavam das investigações que eram feitas em São Paulo. Depois de quase 10 meses de interceptações telefônicas, o juiz federal de Brasília entendeu que o assunto não era de sua competência e mandou o caso para São Paulo.

Segundo revelam os advogados Américo Lacombe e Gabriel Lacombe, o expediente de interceptação telefônica era comandado pelo procurador regional da República Guilherme Schelb, que atuava em Brasília. O expediente tratava dos mesmos fatos e envolvia as mesmas pessoas que eram investigadas sigilosamente em São Paulo, mas não haveria indicação de crime praticado pelos suspeitos na Capital Federal.

Ainda de acordo com a ação de indenização apresentada por Ali Mazloum, o juiz constatou irregularidades no procedimento de interceptação telefônica, entre elas escutas sem autorização judicial e a inclusão de autoridades em relatórios de policiais, entre elas o vice-presidente do STF, deputados federais e integrantes do Executivo. O juiz pediu esclarecimentos aos agentes públicos envolvidos com os grampos telefônicos. Entre 2002 e 2003, passaram pela vice-presidência do Supremo os ministros Ilmar Galvão e Nélson Jobim, ambos já aposentados.

As interceptações eram operadas em Brasília por três policiais rodoviários federais: Wendel Benevides Matos, Marcos Prado e Airton Moti. O juiz Mazloum exigiu que fosse juntada aos autos a cópia integral das escutas telefônicas e convocou o policial Wendel para prestar esclarecimentos.

Operação Anaconda

Na primeira reunião Wendel Benevides informou que as escutas foram realizadas entre dezembro de 2002 e agosto de 2003, sem interrupções, e todas as conversas estavam armazenas em 26 CDs. No entanto, o policial não esclareceu o motivo da falta de autorização judicial em alguns períodos de escutas nem o porque de captação de conversas de autoridades com prerrogativa do foro.

Em uma segunda reunião compareceram os três policiais que negaram irregularidades no material de interceptação. O juiz reclamou a perícia do material e do guardião. Os policiais não souberam dizer com certeza de quem era o equipamento. Dias depois Wendel encaminhou ofício ao juiz confirmando que o equipamento era de propriedade do MPF.

“Todo o material utilizado pela equipe para a coleta de material, transcrição, confecções de relatório eram de propriedade do Ministério Público Federal, e já foram devidamente devolvidos, assim como todo o material produzido”, dizia o ofício do policial rodoviário federal.

Dez dias depois dessa reunião, as procuradoras regionais da República Janice Ascari e Ana Lúcia Amaral ofereceram denúncia contra o juiz Ali Mazloum pelos crimes de ameaça e abuso de poder, praticados contra os três policiais. A denúncia teve como base o que foi chamado de “relatório de reunião com juiz federal”. O relatório teria sido feito em Brasília, pelo policial Wendel, em 7 de outubro, mas sem sua assinatura, e, enviado no dia seguinte, pelo procurador da República Guilherme Schelb, para o MPF em São Paulo.

De acordo com os advogados de Ali Mazloum, a procuradora regional da República Janice Ascari recepcionou o relatório apócrifo, alegando que haveria conexão entre a suposta ameaça e outra investigação que tratava de uma suposta quadrilha investigada pela Operação Anaconda, que naquela época ainda não havia sido deflagrada.

“Portanto, com base em relatório apócrifo, sem confirmação do suposto subscritor sobre seu conteúdo, natureza ou finalidade, sem ouvir nenhuma das partes envolvidas e citadas no relatório, com incrível velocidade e pressa, as rés Janice e Ana fizeram a grave acusação de ameaça e abuso de poder contra o Autor”, afirmam os advogados.

Nova versão

O policial rodoviário federal Wendel Benevides Matos, que atuava como corregedor da Polícia Rodoviária Federal no Espírito Santo, confessou este ano à Justiça Federal que nunca foi ameaçado pelo juiz federal Ali Mazloum.

O policial também afirmou que jamais representou contra Ali Mazloum. Nesse tipo de crime, o Ministério Público só pode oferecer denúncia se houver representação da vítima. O depoimento do policial rodoviário federal foi prestado ao juiz federal Élcio Arruda, na 3ª Vara de Porto Velho (Rondônia).

A confissão do policial aconteceu em Ação Cautelar de produção antecipada de prova que o juiz Ali Mazloum move como medida para preparar a futura ação de indenização por danos morais contra a União, procuradores de Justiça e policiais federais.

Na mesma ação, a Justiça Federal do Rio de Janeiro, ouviu, no último dia 16, o depoimento do policial rodoviário federal Marcos Prado. O policial afirmou que nunca fez representação nem ao MPF nem a qualquer superior hierárquico dizendo que foi ameaçado. Sustentou, ainda, que nunca foi ouvido por procuradores da República para se manifestar sobre a reunião teve com o juiz da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo.

Briga no MPF

Os grampos telefônicos envolvendo o caso também foram motivos de briga entre membros do MPF de São Paulo. O procurador da República Cristiano Valois de Souza acusou os procuradores regionais de São Paulo, Mário Luiz Bonsaglia e Marcelo Moscogliato, de omitir fatos e deturpar a verdade. A intenção, segundo Valois, seria favorecer os policiais rodoviários federais testemunhas na Operação Anaconda.

Os procuradores regionais conseguiram impedir a instauração de inquérito que investigaria grampos feitos por policiais rodoviários federais, violação de segredo de justiça e vazamento de informações, por meio de um Hábeas Corpus impetrado junto ao TRF de São Paulo.

A briga interna no Ministério Público Federal de São Paulo começou quando Bonsaglia e Moscogliato impetraram o HC, com pedido de liminar, para suspender a instauração do inquérito penal requisitada por Valois de Souza.

O HC foi impetrado em favor dos policiais rodoviários federais Wendel Benevides Matos, Marcos Prado e Airton Moti. Os procuradores regionais sustentaram que o pedido de abertura de inquérito ofendia os princípios do promotor e do juiz natural da causa e impunha constrangimento ilegal aos policiais investigados.

Revista Consultor Jurídico

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