por Milton Flávio de A. C. Lautenschläger
Há verdadeiro consenso, inclusive entre os mais altos escalões do Poder Judiciário nacional, sobre a importância da utilização e ampliação da arbitragem (Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996), como forma eficaz de solução paraestatal de conflitos e de desobstrução da Justiça. A simplicidade, objetividade, sigilo e rapidez do procedimento arbitral, se sobrepõem à complexidade, prolixidade, publicidade e, principalmente, à morosidade do processo judicial.
Não obstante, em uma das mais importantes searas do Direito, o Direito do Trabalho, a arbitragem ainda encontra enorme resistência, tanto por parte dos membros do Ministério Público do Trabalho, quanto por parte dos magistrados, em especial no que se refere à possibilidade de solução, por esse intermédio, dos conflitos individuais do trabalho.
Longe de discordar inteiramente das opiniões exaradas, entendemos que o tema merece profunda reflexão e comedida análise em alguns dos seus mais importantes aspectos. Embora apoiemos firmemente o propósito daquelas autoridades de combaterem as câmaras arbitrais fraudulentas e suas nefastas conseqüências, ousamos discordar de todos os argumentos lançados como fundamento para negar a possibilidade de solução dos conflitos individuais do trabalho através da arbitragem.
Discute-se muito, por exemplo, sobre a indisponibilidade das garantias trabalhistas, fato que, de per si, inibiria a utilização da jurisdição arbitral, por ser esta fundada na cognição e solução de conflitos exclusivamente relacionados a direitos patrimoniais disponíveis.
A esse propósito, cumpre notar que, se por um lado os Direitos do Trabalho são realmente indisponíveis, os efeitos patrimoniais que deles emanam podem sim, até onde não ofenderem os direitos em si mesmos, ser objeto de renúncia, transação, transferências ou limitações, tal como ocorre com os chamados direitos da personalidade. E os fatos comprovam o explicitado. Ao trabalhador é facultado, como se sabe, pedir a sua própria dispensa, ato pelo qual abre mão, isto é, renuncia a alguns destes reflexos patrimoniais.
Nessa mesma esteira, o próprio Judiciário é parte do tripé que testemunha e referenda milhares de transações diárias ocorridas nas chamadas audiências de conciliação, e que versam, essencialmente, sobre os consectários trabalhistas.
Alguns poderiam alegar que, nos casos das citadas audiências, a disponibilidade dos direitos seria permitida porque empregadores e empregados se encontram, nestas ocasiões, sob o campo de atuação do juiz de Direito. Tal argumento, entretanto, não resiste a uma superficial análise da lei. Afinal, na arbitragem, a figura do magistrado é perfeitamente substituída pela do árbitro, legalmente definido como juiz de fato e de direito (artigo 18 da Lei 9.307/96).
Por tudo isso, advogar tratar-se, a Justiça do Trabalho, a única via lícita para decidir sobre um conflito individual daquela natureza, significa desprestigiar e desestimular a arbitragem como uma jurisdição privada opcional, licitamente reconhecida como tal, proveniente da manifestação livre da vontade das partes contratantes, e que, dentre outras coisas, importa em uma renúncia à atividade jurisdicional do estado. Vale dizer, eleita a via paraestatal da arbitragem para a solução do conflito, as partes não mais poderão recorrer ao Poder Judiciário e, portanto, à Justiça do Trabalho, salvo nas hipóteses previstas em lei.
Justamente uma das hipóteses mais freqüentes de recurso ao Poder Judiciário após a realização de um procedimento arbitral, é aquela referente ao pedido de decretação da nulidade da respectiva sentença arbitral produzida, pedido este que é facultado, às partes, dentro de um determinado período e limitado a algumas circunstâncias pré-estabelecidas. Contudo, ao se depararem com tais pedidos, as decisões judiciais deles decorrentes, especialmente aquelas exaradas no âmbito da Justiça do Trabalho, quase sempre são equivocadas. Isso porque, na maioria dos casos, após anular uma sentença arbitral (muitas vezes, sob justificativas distintas daquelas legalmente previstas para a anulação — artigo 32 da Lei 9.307/96), o magistrado determina o normal prosseguimento da reclamação trabalhista, ignorando o preceito legal que, para muitos deles, impõe a devolução do litígio à jurisdição privada contratualmente eleita (artigo 33, II, da Lei 9.307/96). Trata-se, ao nosso ver, de exemplo incontestável de subtração de competência.
Superada a questão atinente à constitucionalidade do artigo 7º, da Lei 9.307/96, que por longo período assombrou aqueles que acreditavam nesta forma de solução alternativa para conflitos, eis que surgem novos e sérios desafios ao instituto da arbitragem, agora concentrados no âmbito da Justiça do Trabalho.
Boa hora para divulgar alguns dos fundamentos jurídicos que perfazem a arbitragem, para críticas construtivas e para discussões hábeis a influenciar e garantir a paralela existência e eficácia desta forma privada de solução dos conflitos. Boa hora para defender um dos mais eficientes mecanismos de desoneração da Justiça e, conseqüentemente, de promoção do desenvolvimento sócio-econômico nacional.
E, diga-se de passagem: confrontada com os mais avançados sistemas jurídicos alienígenas, dentre os quais muitos com larga tradição e experiência na composição alternativa dos conflitos por intermédio do juízo arbitral, a Lei 9.307/96, indubitavelmente, se equipara aos melhores e já consagrados modelos legislativos, fato que além de muito orgulhar nossos operadores do direito, neles deve suscitar o ímpeto de difundi-la perante toda a sociedade civil.
Revista Consultor Jurídico