Questão interessante refere-se à criação de territórios. Parte da doutrina, bem representada por Pedro Lenza [01], entende que é necessária a consulta pública por meio de plebiscito para a criação de Territórios.
Entendemos que esse entendimento não possui embasamento legal nem corresponde à melhor concepção lógica sobre a matéria.
O art. 18, § 3º, da Constituição Federal possui a seguinte redação:
3º – Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.
Percebe-se, aqui, que é exigido o plebiscito no caso de um Estado formar um novo Território Federal. A consulta pública é justificada pelo fato de se desconstituir um ente autônomo, razão pela qual seus cidadãos deverão ser ouvidos. Essa é a razão, por exemplo, de se fazer tal consulta também no caso de um Estado ser incorporado a outro ou formar um novo Estado.
No simples caso de criação de território, porém, não exigiu a Constituição Federal de 1988 a realização de plebiscito. Vejamos o que diz o art. 18, § 2º, da Constituição Federal.
§ 2º – Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.
Dessa forma, incabível a exigência de plebiscito quando um Território simplesmente for criado, sem derivar de um outro Estado. Essa conclusão parece ser clara e evidente. O fato de a doutrina ter caminhado para sentido diverso parece ter sido fruto da escolha de uma premissa equivocada: a de que os Territórios futuramente criados necessariamente abrangerão áreas hoje pertencentes a Estados.
Em verdade, a criação Territórios Federais pode acontecer de duas formas: incorporação de nova área à República Federativa do Brasil ou transformação de Estado em Território.
No Brasil a incorporação de novas áreas gerou, por exemplo, a criação do Território do Acre, adquirido da Bolívia quando da assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903.
Deixou o texto constitucional de prever a necessidade de plebiscito quando o Território derivar do crescimento territorial de nosso País por motivos muito simples. Em primeiro lugar, pois, se tratando de território que não pertencia ao País, lá não há uma circunscrição eleitoral nem mesmo eleitores que viabilizem um Território. Pergunta-se, com quem se fará o plebiscito? Questionaremos à população lá existente, composta integral ou parcialmente de estrangeiros, possivelmente contrariada por se ver submetida a um novo ente soberano, se desejam incorporar-se à República constituindo um Território? Seriam aqueles que povoam o território eleitores brasileiros mesmo sem possuírem a respectiva nacionalidade? A resposta é certamente negativa.
A segunda razão também é nítida. Se um plebiscito “x” tiver resposta negativa quanto à transformação de um Estado em Território, a conseqüência será previsível: aquela parcela de nosso País continuará a ser um Estado. Ocorre, na hipótese de o Brasil incorporar uma nova área, tendo um plebiscito “y” resultado negativo, a área incorporada simplesmente ficará sem estrutura administrativa, em estado anárquico.
Ora, os territórios servem para que a União simplesmente administre áreas que não possuam um governo estadual. São locais em que a União atua com exclusividade (salvo no caso de divisão em Municípios, o que não é o caso, já que temos uma área que sequer pertencia ao País). Se a resposta a um eventual plebiscito fosse negativa, a União não poderia administrar o local, que não seria um Território Federal, e não teríamos governo estadual ou municipal, configurando-se, portanto, verdadeira “terra de ninguém”.
O território não é um ente político. Não decorre da forma de Estado federalista. Trata-se de mera autarquia em regime especial designada para administrar parcela territorial do País. Como dissemos anteriormente, o plebiscito no caso de transformação de Estado em Território não se justifica pelo fato de se criar essa autarquia, mas sim pela aniquilação de um membro integrante da Federação (Estado-membro). Essa justificativa, porém, não é encontrada na hipótese de mera criação de Território.
Frise-se que nada impede a convocação, pelo Congresso Nacional, de plebiscito acerca de quaisquer fatos relevantes em nossa república, inclusive no que toca à eventual criação de Território. Nesse caso, porém, razões casuísticas terão motivado a convocação, não um imperativo constitucional.
Apesar da previsão constitucional, atualmente não existem Territórios, sendo que os últimos (Fernando de Noronha, Amapá e Roraima) ou foram transformados em Estados ou incorporados a Estado.
———————————
Notas
01 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 275.
_______________________________
Fabrício Sarmanho de Albuquerque
Professor e Procurador da Fazenda Nacional