Poder do leão – País carece de limitação explícita do poder tributante

por João Luiz Coelho da Rocha

Interessante a decisão noticiada, no mês de abril passado, do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Tratava-se ali de uma questão ligada a ICMS naquele ente especial da federação, proferida no processo 2007.00.2.010051-4, onde se declarou inconstitucional uma portaria da secretaria de fazenda do DF que passou a prever uma hipótese de incidência antecipada do tributo em certas operações.

O importante aqui é a matriz constitucional argüida pelos desembargadores do TJ do DF para fulminar a portaria em apreço: declarou-se por maioria dos julgadores, que, nos termos do artigo 146 III “a” da Constituição Federal, somente a lei complementar pode definir, redefinir ou enquadrar hipóteses de incidência, bases de cálculo ou contribuintes dos impostos tratados na Constituição.

Evidentemente que, 20 anos após a vigência da Carta e cuidando-se de matéria tão central, esta não é uma questão jurídica nova. Contudo, sabe-se bem que esse é um ponto de direito muito sensível — já no aspecto formal do exercício mais ou menos largo da competência — e do poder estatal — já no enorme estofo econômico aí envolvido, onde pode haver uma modulação mais difícil dos irresistíveis apelos estatais à maior tributação.

E é justamente por isso que até hoje não há, no Direito brasileiro, uma grande clareza no trato dessa limitação explícita ao poder tributante, expressa naquele artigo constitucional.

Como a declaração constitucional é a de “normas gerais” nessas matérias, muitos autores, mais estritamente formalistas e mais chegados à simpatia fazendária, andaram fixados nessa restrição aparente, que só admitiria à lei qualificada o trato genérico sobre “fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” dos impostos.

Mas, o que seriam então tais normas gerais? Conceituação teórica dessas categorias próprias ao direito tributário? Claro que não, pois a Constituição não é um livro texto didático, mas uma carta organizacional e estrutural do país, e a lei complementar, como toda lei, não é uma enciclopédia de conceitos

Portanto, o artigo146 III “a” da Constituição de 1988, ao deferir à lei complementar a prerrogativa de, por meio de normas gerais, definir fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos, ela certamente quer dizer que tanto essa delimitação Objetiva (fatos geradores e bases de cálculo) quanto a circunscrição subjetiva (contribuintes) dos impostos, só por aquele tipo de lei podem ser tratadas.

Ou seja, não pode haver uma nova definição, descrita no ato normativo, do fato gerador, da hipótese de incidência do imposto sem uma lei complementar que assim a descreva. O valor econômico sobre o qual ocorre a incidência impositiva — base de cálculo — igualmente só por lei qualificada pode ser tratado. E também só a lei complementar pode declarar que uma ou tal pessoa jurídica ou física será contribuinte daquele imposto.

Tudo isso dentro do orgânico sistema tributário desenhado na Constituição deveria ser simples, se a incrível vocação do poder público brasileiro de exacerbar suas fontes arrecadatórias não contribuísse sempre para confundir e distorcer as premissas legais de defesa do contribuinte.

Vamos tomar, por exemplo, o caso, tal como descrito no artigo 43 do Código Tributário Nacional, do fato gerador (hipótese de incidência) do imposto de renda, que é a aquisição da disponibilidade econômica de renda (produto do trabalho, do capital ou de ambos) ou de proventos de qualquer natureza (outros acréscimos patrimoniais).

Isso considerado, não se pode conceber nem admitir que a legislação ordinária crie, na especificação — sem dúvida necessária, e tratada corretamente por lei ordinária — do que seja o lucro real das pessoas jurídicas para fins de imposto de renda, certos parâmetros de sua apuração que signifiquem de modo claro uma elasticidade indevida do conceito fiscal de renda. E isso acontece freqüentemente na ordem jurídica brasileira.

Veja-se o caso da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cujo ônus ou custo para a pessoa jurídica não é admitido pela lei fiscal ordinária ( Lei 8981/95 de 1995, artigo 41 parágrafo 2º) como dedutível para apuração do lucro real, e portanto para cálculo do imposto de renda a pagar.

Ao percorrer o caminho, pois para calcular o lucro real, para chegar à “renda” como base de cálculo do imposto previsto no artigo 43 do CTN, o contribuinte pessoa jurídica é compelido — por lei ordinária — a oferecer à tributação algo que não representou efetivo acréscimo patrimonial seu.

Neste sentido, esse acórdão do TJ do Distrito Federal talvez seja uma porta mais aberta para que o Judiciário “chame a casa à ordem” e, a bem da ordem constitucional protetora dos contribuintes, declare como afrontosos à Carta de 1988 e, portanto inválidos, esses dispositivos todos que, por lei comum, por decreto, às vezes até por portaria, como no caso acima, alarguem e estendam bases de cálculo e hipóteses de incidência e ainda ampliem o conjunto de contribuintes sujeitos aos impostos existentes no país.

Revista Consultor Jurídico

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