A 2ª Vara do Tribunal do Júri de São Paulo aceitou a denúncia e decretou a prisão preventiva do casal Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta de Isabella de Oliveira Nardoni, morta em 29 de março. A denúncia foi apresentada pelo promotor Francisco Cembranelli, que acusa o casal de homicídio triplamente qualificado: motivo fútil, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima.
“Não resta dúvida que a prisão processual constitui uma medida drástica, já que antecede uma eventual decisão condenatória definitiva. Todavia, não é menos certo que, quando necessária em uma daquelas hipóteses, exige coragem por parte do Poder Judiciário que não deve se omitir na defesa da sociedade”, explicou o juiz Maurício Fossen. Ao longo da decisão, ele continua explicando porque aceitou o pedido de prisão.
Segundo o juiz, a detenção se mostra necessária para garantir a ordem pública “em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social”. Fossen concluiu ainda que os dois são pessoas insensíveis e sem “compaixão humana”.
O interrogatório dos réus está marcado para o dia 28 de maio, ás 13h30. Ao Estadão, o advogado do casal, Marco Polo Levorin, afirmou que a Justiça ainda não notificou o casal da prisão preventiva. Mas afirmou que o pai e a madrasta da garota devem se entregar à Polícia assim que forem notificados. A defesa adiantou a informação de que vai entrar com pedido de Habeas Corpus.
Segundo o promotor, se a prisão não fosse decretada, o julgamento dos dois pelo 2º Tribunal do Júri, no Fórum de Santana, poderia demorar até seis anos. “Estando eles soltos, não tenho dúvidas de que não teremos qualquer desfecho antes de cinco ou seis anos”, declarou. Cembranelli acredita que se o casal ficar preso o júri poderá sair até o final do ano.
Isabella morreu em 29 de março, quando passava o fim de semana com o pai e a madrasta. De acordo com a denúncia, ela foi asfixiada e jogada do sexto andar do edifício London, na zona norte de São Paulo. No dia 18 de março, Alexandre e Anna Carolina foram ouvidos pela Polícia e acabaram indiciados pela morte da menina. Ambos negam o crime. O casal chegou a ficar oito dias preso.
Leia a decisão
Processo nº: 274/08
VISTOS
1. Ante a comprovação da materialidade do crime através do laudo de exame necroscópico da vítima, que já se encontra encartado aos autos, e a existência de indícios de autoria em relação aos acusados ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, inclusive com individualização da conduta atribuída a cada um deles na prática do crime ali descrito, de competência deste Tribunal do Júri, recebo a presente denúncia oferecida pelo Ministério Público contra os réus, dando assim por instaurada a presente ação penal.
2. Designo interrogatório dos réus para o próximo dia 28 de maio de 2008, às 13:30 horas.
Expeça-se o competente mandado para citação e intimação dos réus, com as advertências de praxe.
Como os réus já constituíram Advogados nos autos, os mesmos deverão ser intimados pela Imprensa Oficial para comparecerem à audiência de interrogatório de seus clientes.
O mandado deverá ser cumprido até 10 dias antes da audiência.
3. Requisitem-se F.A. e eventuais certidões criminais dos acusados, como também os laudos periciais faltantes junto à D. Autoridade Policial, como pleiteado pelo Ministério Público.
Requisite-se também o serviço de estenotipia junto à E. Presidência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo para o dia do interrogatório dos réus.
Fica deferida também a oitiva das três testemunhas arroladas pelo Ministério Público além do limite legal, as quais serão ouvidas como testemunhas do Juízo com base no princípio da busca da verdade real no processo penal.
4. Por fim, quanto ao requerimento de decretação da Prisão Preventiva dos réus formulado pela D. Autoridade Policial e endossado pelo nobre representante do Ministério Público, entende este Juízo que tal pretensão deve realmente ser acolhida no presente caso concreto, já que se encontram presentes os requisitos legais exigidos para tanto pelos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal.
Porquanto este mesmo magistrado já tenha decretado, em momento anterior, a prisão temporária dos réus, o fato é que os fundamentos para a decretação da prisão preventiva são totalmente diversos e, portanto, em nada vinculam a presente decisão, uma vez que se tratam de medidas judiciais com finalidades totalmente diversas.
Isto porque a prisão temporária decretada anteriormente possuía um objetivo estritamente pré-processual, visando, no entendimento deste magistrado, impedir que a presença dos réus na cena do crime, naquele momento — sobre quem recaíam as suspeitas de autoria do delito — pudesse acarretar algum prejuízo aos trabalhos de campo que as perícias técnicas já designadas e que se mostravam imprescindíveis para o esclarecimento dos fatos, necessitavam ainda serem realizadas naquele local.
Tal providência, aliás, veio a se revelar bastante salutar, posto que exatamente durante o período que os réus tiveram sua liberdade restringida, é que foi realizada a grande maioria das provas técnicas que estão servindo de base a instauração da presente ação penal, uma vez que foi possível não apenas identificar novas marcas de sangue no apartamento onde os mesmos residiam — mesmo tendo os Srs. Peritos constatado que teria havido uma tentativa de adulteração da cena do crime, já que vários daqueles vestígios chegaram a ser removidas, sendo que graças à tecnologia empregada foi possível identificar a presença dos mesmos (fls. 674) — mas também realizar simulações para identificar a altura de onde as gotas de sangue caíram do corpo da vítima até atingir o solo, visando identificar a altura do agressor, como também no veículo da família, sem falar nos vestígios de pegadas no apartamento e na janela de onde a menina foi atirada, cujas provas permitiram aos Srs. Peritos tentar reconstituir a dinâmica dos fatos no dia do crime.
Além disso, a prisão temporária dos réus visava também evitar uma possível intimidação que a simples presença dos mesmos naquele local — onde possuem seu domicílio — poderia potencialmente causar às testemunhas — notadamente quanto àquelas ainda não ouvidas — que ali também residem e, com isso, inibi-las de prestarem outros esclarecimentos necessários à D. Autoridade Policial para a busca da verdade real a respeito da autoria do crime em apuração.
Agora, no entanto, já estando encerrado o inquérito policial, após a conclusão dos laudos técnico-periciais que se mostraram pertinentes e ouvidas todas as testemunhas que a D. Autoridade Policial considerou importantes para elucidação dos fatos e individualização das condutas de cada um dos acusados, não há mais que se falar em prisão temporária, somente sendo possível decretar-se a segregação da liberdade dos acusados durante o transcorrer a instrução processual, enquanto ainda não existe sentença penal condenatório definitiva, através de prisão preventiva, a qual possui natureza jurídica totalmente diversa daquela primeira.
O Instituto jurídico da prisão preventiva encontra-se previsto nos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, o qual exige, para sua decretação, que esteja provada a materialidade do crime e haja indícios suficientes de autoria e, concomitantemente, que a medida se mostre necessária para uma garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou então para assegurar a futura aplicação da lei penal.
Não resta dúvida que a prisão processual constitui uma medida drástica, já que antecede uma eventual decisão condenatória definitiva; todavia, não é menos certo que, quando necessária em uma daquelas hipóteses, exige coragem por parte do Poder Judiciário que não deve se omitir na defesa da sociedade, posto que, na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, lembrando Bento de Faria, ao denominar a prisão preventiva como uma “injustiça necessária do Estado contra o indivíduo”, ressalva:
“Se é injustiça, porque compromete o ‘jus libertatis’ do cidadão, ainda não definitivamente considerado culpado, por outro lado, em determinadas hipóteses, a Justiça Penal correria um risco muito grande deixando o indigitado autor em liberdade.” (“Processo Penal”, Ed. Saraiva, 11ª edição, vol. 3, pág. 418).
Tanto é assim que a Constituição Federal expressamente excepciona a prisão em flagrante e as prisões processuais decretadas por Autoridade Judiciária da garantia à liberdade contida no inciso LXI, de seu art. 5º, o que demonstra que não há qualquer incompatibilidade entre aquelas hipóteses de custódias processuais e o princípio da presunção de inocência contida no inciso LVII do mesmo dispositivo constitucional, inclusive como já ficou assentado na Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
No presente caso concreto, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido recentemente pelos mesmos para ali estabelecerem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, além de não ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária decretada anteriormente, isto somente não basta para assegurar-lhes a manutenção de sua liberdade durante todo o transcorrer da presente ação penal, conforme entendimento já pacificado perante a jurisprudência pátria:
“RHC – PROCESSUAL PENAL – PRISÃO PROVISÓRIA – A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão provisória” (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).
Na visão deste julgador, prisão processual dos acusados se mostra necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar.
Nesse sentido, podemos citar, apenas a título de exemplo, os seguintes ensinamentos, além daqueles já mencionados pelo Dr. Promotor de Justiça ao referendar o pedido de prisão preventiva formulado pela D. Autoridade Policial:
“Desde que a permanência do réu, livre e solto, possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussão danosa e prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva ‘como garantia da ordem pública’. Nessa hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar, constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira ‘medida de segurança’. A ‘potestas coercendi’ do Estado atua, então para tutelar, não mais o processo condenatório com o qual está instrumentalmente conexo e, sim, como fala o texto do art. 312, a própria ‘ordem pública’. No caso, o ‘periculum in mora’ deriva dos prováveis danos que a liberdade do réu possa causar – com a dilatação do desfecho do processo – na vida social e em relação aos bens jurídicos que o Direito Penal tutela.” (JOSÉ FREDERIDO MARQUES, in “Elementos de Direito Processual Penal, Ed. Bookseller, Campinas-SP, vol. IV, pág. 63).
“Crimes que ganham destaque na mídia podem comover multidões e provocar, de certo modo, abalo à credibilidade da Justiça e do sistema penal. Não se pode, naturalmente, considerar que publicações feitas pela imprensa sirvam de base exclusiva para a decretação da prisão preventiva. Entretanto, não menos verdadeiro é o fato de que o abalo emocional pode dissipar-se pela sociedade, quando o agente ou a vítima é pessoa conhecida, fazendo com que os olhos se voltem ao destino dado ao autor do crime. Nesse aspecto, a decretação da prisão preventiva pode ser uma necessidade para a garantia de ordem pública, pois se aguarda uma providência do Judiciário como resposta a um delito grave…” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, Ed. RT, 6ª edição, SP, 2007, pág. 591, sem grifos no original).
Esse entendimento doutrinário também encontra amparo na jurisprudência pátria, como demonstra a ementa de acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, a seguir transcrita:
“No conceito da ordem pública, não se visa apenas prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida de ser revelada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa” (STF, HC nº 60.043-RS, 2 Turma, Rel. Ministro Carlos Madeira, RTJ 124/033).
No mesmo sentido o teor do acórdão daquele mesmo Sodalício, em que foi relator o I. Ministro Carlos Aires Brito, cujo trecho de interesse aos autos, onde o credibilidade da Justiça é admitido como argumento válido para fundamentar o decreto de prisão cautelar se encontra assim redigido:
“HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA “CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA”, NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO.”
“O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública.” (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Aires Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original).
Sob esta ótica, pode-se constatar que a conduta imputada aos autores do crime descrito na denúncia deixa transparecer que se tratam de pessoas desprovidas de sensibilidade moral e sem um mínimo de compaixão humana, ainda mais em se tratando do fato de que a vítima seria filha de um deles e enteada do outro, a qual estava sob a responsabilidade dos mesmos, e que, se não por esta razão jurídica, ao menos pelo dever moral, deveriam velar por sua segurança, o que, no entanto, foi desprezado por eles, posto que além da acusação de esganadura contra a menina, a qual teria provocado um quadro de asfixia mecânica, como apontado na conclusão do laudo pericial juntado aos autos, foi ainda brutalmente atirada pela janela do 6º andar do prédio onde a família residia, sem nenhuma piedade.
Queiramos ou não, o crime imputado aos acusados acabou chamando a atenção e prendendo o interesse da opinião pública — em certa medida, deve-se reconhecer, pela excessiva exposição do caso pela mídia que, em certas ocasiões, chegou a extrapolar seu legítimo direito de informar a população — o que, no entanto, não pode ser ignorado pelo Poder Judiciário e fazer-se de conta que esta realidade social simplesmente não existe, a qual dele espera uma resposta, ainda mais se levarmos em consideração que o inquérito policial que serviu de fundamento à presente denúncia encontra-se embasado em provas periciais que empregaram tecnologia de última geração, raramente vistas — o que é uma pena — na grande maioria das investigações policiais, cujos resultados foram acompanhados de perto pela população, o que lhe permitiu formar suas próprias conclusões — ainda que desprovidas, muitas vezes, de bases técnico-jurídicas, mas, mesmo assim, são conclusões — que, por conta disso, afasta a hipótese de que tal clamor público seja completamente destituído de legitimidade.
Além disso, a prova pericial juntada aos autos apresenta fortes indícios de que o local do crime foi sensivelmente alterado, com o evidente intuito de prejudicar eventuais investigações que viessem a ser ali realizadas posteriormente, já que vários vestígios de sangue de aspecto recente no interior do apartamento teriam sido parcialmente removidos, inclusive em uma fralda de algodão encontrada dentro de um balde no local do crime, em processo de lavagem, onde foi obtido resultado positivo para sangue humano, como apontado nas conclusões contidas no laudo pericial já encartado aos autos (fls. 674, 693 e 707).
Embora se reconheça que tal prova pericial já foi realizada e que, em tese, a permanência dos réus em liberdade em nada alteraria o teor daquela prova técnica já produzida, não é menos certo que este comportamento atentatório à lealdade processual atribuído a eles constitui forte indício para demonstrar a predisposição dos mesmos em prejudicar a lisura e o bom resultado da instrução processual em Juízo, com o objetivo de tentar obter sua impunidade.
Assim, frente a todas essas considerações, entendendo este Juízo estarem preenchidos os requisitos previstos nos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, DEFIRO o requerimento formulado pela D. Autoridade Policial, que contou com a manifestação favorável por parte do nobre representante do Ministério Público, a fim de decretar a PRISÃO PREVENTIVA dos réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, por considerar que além de existir prova da materialidade do crime e indícios concretos de autoria em relação a ambos, tal providência também se mostra justificável não apenas como medida necessária à conveniência da instrução criminal, mas também para garantir a ordem pública, com o objetivo de tentar restabelecer o abalo gerado ao equilíbrio social por conta da gravidade e brutalidade com que o crime descrito na denúncia foi praticado e, com isso, acautelar os pilares da credibilidade e do prestígio sobre os quais se assenta a Justiça que, do contrário, poderiam ficar sensivelmente abalados.
Expeçam-se, pois, os competentes mandados de prisão em desfavor dos réus, na forma da lei, com as advertências de praxe.
Dê-se ciência do M.P.
Intime-se e diligencie-se.
São Paulo, 7 de maio de 2008.
MAURÍCIO FOSSEN
Juiz de Direito
Revista Consultor Jurídico