Qualquer manual de Direito Tributário ensina que a imunidade recíproca é aquela instituída para proibir que uma entidade política tribute, por meio de impostos, o patrimônio, a renda ou os serviços de outra entidade política.
É o que prescreve o artigo 150, VI da CF:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
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VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.”
A vedação de tributação das pessoas jurídicas de direito privado, bem como dos livros e dos templos religiosos, é conhecida como imunidade genérica, sendo que a recíproca é privativa dos entes componentes da Federação.
Dois são os fundamentos da imunidade recíproca:
a) os impostos servem para custear os serviços públicos em geral. Logo, tendo em vista que as três entidades políticas prestam tais serviços, cada uma na área de sua competência ou de forma conjunta, não teria sentido um ente político tributar outro ente político;
b) a relação jurídico-tributária é a que mais conflitos gera entre as partes, comprometendo o princípio federativo da convivência harmônica entre os entes componentes da Federação. Sabe-se que o fenômeno da tributação foi a causa direta ou indireta de grandes revoluções ou transformações sociais. A própria Inconfidência Mineira, genuíno movimento de afirmação da nacionalidade, teve como motivação principal a sangria econômica provocada pela Metrópole, com o aumento da derrama.
Por isso, a Constituição de 1988 estendeu a imunidade recíproca a autarquias e fundações públicas, ainda que limitada ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes (§ 2º do art. 150).
O STF, por meio de uma interpretação sistemática e teleológica, vem reconhecendo a imunidade recíproca também a favor das empresas públicas que exercem a atividade de prestação de serviço público em regime de monopólio.
De fato, a atividade de prestação de serviço público em regime de monopólio estatal por uma empresa pública, apesar de sua natureza de pessoa jurídica de direito privado, permite equipará-la a uma autarquia, isto é, entidade que executa serviço público determinado, destacado da administração central. Como integrante da administração pública indireta aplicam-se à empresa pública todos os princípios insertos no art. 37 da CF, sujeitando-se, inclusive, à fiscalização do Tribunal de Contas.
Outrossim, inaplicáveis as restrições contidas nos §§ 1º e 2º do art. 173 da CF, que determinam a submissão de empresa pública ao regime de direito privado no que tange, dentre outras, às obrigações tributárias, vedando-lhe a fruição de benefício tributário não extensivo às empresas do setor privado. É que tais restrições têm fundamento no princípio da livre concorrência, sobre o qual se assenta o regime econômico da livre iniciativa (art. 170, II e IV da CF). Em relação à empresa pública que presta serviço público em regime de monopólio, fazendo as vezes do próprio Estado, não há que se cogitar do princípio de livre concorrência. Diferente é a hipótese de uma estatal que explora atividade econômica com o fim meramente especulativo. Neste caso, incidem as regras dos §§ 1º e 2º do art. 173, bem como a do próprio caput desse artigo, que só permite a assunção direta da atividade econômica pelo Estado por razões de segurança nacional e de relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Dentro dessa linha de argumentação, que prestigia a interpretação sistemática e teleológioca, o STF reconheceu a imunidade recíproca a favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (RE nº 407.099-RS, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6-8-2004, Ata nº 21/2004).
No nosso entender, a imunidade recíproca proclamada pela Corte Suprema restringe-se à prestação de serviço público obrigatório e exclusivo do Estado. Não alcança outros serviços, prestados pela Empresa, como os de entrega de jornais, livros, revistas etc.
Mais recentemente, o STF reconheceu a imunidade recíproca a favor da Empresa Brasileira de Infra Estrutura Aeroportuária – Infraero –, por se tratar de empresa pública federal que tem por atividade-fim a prestação de serviço de infra-estrutura aeroportuária em regime de monopólio estatal, o que afasta a cogitação de violação do princípio da livre concorrência (RE nº 363412 ASR/BA, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 17-8-2007, Ata nº 20, de 7-8-2007).
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Kiyoshi Harada
jurista, professor e especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP