Justiça e desenvolvimento – Urbanismo também ajuda a reduzir criminalidade

por José Barroso Filho

O nosso objetivo maior com o Direito é uma sociedade ordenada, pacífica. Sempre teremos conflitos intersubjetivos, disputas por bens que são limitados. Estas eventuais lesões que podem ser classificadas no âmbito Penal, Cível, Tributário etc. Desta forma, achar que possamos viver em uma sociedade sem algum nível de conflito é utopia. Como tratar desses conflitos é o nosso desafio.

Tratar o fenômeno jurídico de maneira isolada é uma visão reducionista e ineficiente, necessário a compreensão de outros domínios, além do Jurídico: o Político, o Econômico, o Social. Essa visão interdisciplinar (ou caminhando mais, transdisciplinar) é fundamental para entender o fenômeno jurídico.

A propósito, Émile Durkheim afirma que “não há ato algum que seja, em si mesmo, um crime. Por mais graves que sejam os danos que ele possa causar, o seu autor só será considerado criminoso se a opinião comum da respectiva sociedade o considerar como tal”

Aliás, bem observou Giogio Del Vecchio: “o crime não é simplesmente um fato individual pelo qual deve responder, de modo exclusivo, seu autor, para repará-lo; é também – e precisamente nas formas mais graves e constantes – um fato social que revela desequilíbrios na estrutura da sociedade onde se produz. Em conseqüência, suscita problemas muito além da pena e da reparação devidas pelo criminoso”.

O que queremos, na verdade, é diminuir o índice de crimes, o índice de infrações. Portanto, toda medida que se tome nesse sentido é uma medida de política criminal. Então, por exemplo, se há um aumento de postes de iluminação pública, também há diminuição dos crimes (crimes de estupros, crimes de furtos). Da mesma forma, se há um incremento na atividade econômica, pode-se perceber que em situações de aquecimento econômico, o índice de criminalidade decresce, e isto também é política criminal. Podemos atuar, nestes exemplos, também com o Direito Penal, punindo aquelas pessoas que lesionem bens jurídicos. Porém, só punir não é a melhor solução; não é a melhor, não é a mais eficiente. É preciso uma visão mais sistêmica.

Para Dahrendorf, nas sociedades contemporâneas assiste-se ao declínio das sanções. A impunidade torna-se cotidiana. Esse processo é particularmente visível em algumas áreas da existência social. Trata-se de áreas onde é mais provável ocorrer a isenção de penalidade por crimes cometidos. São chamados de “áreas de exclusão”, a saber:

— nas mais diferentes sociedades, uma enorme quantidade de furtos não é sequer registrada. Quando registrada, é baixa a probabilidade de que o caso venha a ser investigado. O mesmo é válido para os casos de evasão fiscal, crime que parece ter instituído uma verdadeira economia paralela e para o qual há sinais indicativos de desistência sistemática de punição. A conseqüência desse processo é que as pessoas acabam tomando as leis em suas próprias mãos;

— o reconhecimento, por parte do cidadão comum, de espaços na cidade que devem ser deliberadamente evitados, isto é, o reconhecimento de áreas que se tornaram isentas do processo normal de manutenção da lei e da ordem. A contrapartida desse fato tem resultado no rápido desenvolvimento de sistemas privados de segurança, o que se traduz na quebra do monopólio da violência em mãos dos órgãos e indivíduos autorizados. Se levado ao extremo esse processo conduz necessariamente à anomia parcial.

Afirmou Carrata que a diminuição da criminalidade não está no aumento das penas, mas na certeza da punição. Correto, mas precisamos avanças mais.

Procuremos entender o porquê do crime para adequar a justa conseqüência – sanção, mas, sobretudo, compreendendo as causas, o intuito é evitar o cometimento de novos crimes.

Vale recordar a frase de Lacassagne: “o meio social é o caldo de cultura da criminalidade; o delinqüente é o micróbio, que não tem qualquer importância enquanto não encontra a cultura que provoca a sua multiplicação … As sociedades têm os criminosos que merecem”.

Talvez mais adequada seja a frase do professor Hermann Mannheim, mais neutra, sem tanta carga valorativa: “cada sociedade tem o tipo de crime e de criminosos correspondentes às suas condições culturais, morais, sociais, religiosas e econômicas”.

Assim, se ao Direito Penal importa a definição do tipo de crime e a sua conseqüência sancionatória, à criminologia importa a compreensão da realidade criminal em todos os seus aspectos.

Numa primeira fase, a criminologia debruça-se sobre a pessoa do delinqüente, servindo-se de métodos próprios da biologia e da psiquiatria, sendo, pois, denominada “criminologia clínica”. Numa fase mais avançada da reflexão criminal, o criminólogo desloca seu estudo para o meio social onde se gerou a prática delitiva — a acentuação deste aspecto da criminologia deu lugar à sociologia criminal. A partir do momento em que se compreende que não existe sociedade sem crime, não só não é concebível uma sociologia que ignore este fenômeno, como não é possível estudar o crime, considerado em abstrato, sem invocar o meio social onde se desenvolve.

Analisemos a correlação entre o urbanismo e a criminalidade.

Carlos Alberto Camargo afirma: mais do que regime de governo, a democracia é o equilíbrio conquistado pela própria sociedade, harmonizando interesses contraditórios. A discussão democrática sobre temas de interesse social é indispensável para esse equilíbrio, promovendo necessária sinergia, na qual até as opiniões contrárias se somem na busca do bem comum.É dessa forma que devemos discutir a questão da violência urbana, fugindo de posturas maniqueístas, preconceituosas e perigosas ao interesse social. Além da ausência de políticas públicas capazes de promover a recuperação dos locais deteriorados das cidades, vê-se também o crescimento urbano desordenado. Enormes contingentes de migrantes aglomeram-se nas periferias das metrópoles, sem emprego ou subempregados, desprovidos de educação, habitação, saúde, higiene básica, transportes eficientes, etc. Tal situação em si, já traz um conteúdo de degradação gerador de violência

O problema das ocupações irregulares de terrenos urbanos para moradia da população de baixa renda se repete na maioria das grandes cidades brasileiras e nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. O resultado é o crescimento desordenado e o inchaço das cidades com falta de infra-estrutura para garantir as necessidades básicas do cidadão, reconhecidas na Constituição, como o saneamento básico, abastecimento de água, assistência médica, transporte e educação.

A outra grave conseqüência deste crescimento irregular urbano é o alto índice de violência e criminalidade. A falta da presença do Estado em certas regiões da periferia das metrópoles e áreas de risco, como encostas de morros e beiras de córregos e rios, transforma estes locais em uma verdadeira terra-de-ninguém, em guetos urbanos onde a lei é ditada através da violência de grupos do crime organizado.

Estes aspectos comprovam que as grandes cidades geram anonimato e falta de identificação com os fatores sociais tão comuns na vida em sociedade. A perda desta identidade social é extremamente perniciosa e causa prejuízos sociais diversos.

Destaca-se que no ano de 1800, só 3% da população mundial vivia em áreas urbanas. No ano 2000, serão em torno de 50%. Nos países em desenvolvimento a mudança é mais rápida: há meio século 70% da população brasileira vivia na área rural; hoje é ao contrário.

Se por um lado Perlman aponta aspectos positivos quanto às metrópoles no que tange à sociabilização e ao desenvolvimento com base na cultura e nas artes, os negativos são relacionados à alta criminalidade, à violência e à pobreza da população de periferia, dentro de outros fatores urbanistas (a polarização entre ricos e pobres é radical). Afirma: toda cidade rica tem uma pobre em seu interior. A explosão de cortiços e favelas é duas vezes mais que o crescimento planejado de bairros organizados.

A Pesquisa de Informações Básicas dos Municípios, feita pelo IBGE, revela que favelas nada têm a ver com material de construção. Dos caixotes cobertos de zinco às casas de alvenaria, não houve progresso social nem urbano. A ilusão de encontrar emprego nas áreas metropolitanas perdura.

As áreas de habitações sub-humanas são presas do crime organizado e tornaram-se questão de segurança. Impossível, no labirinto das favelas, repletas de vielas e becos inacessíveis, o acesso de uma ambulância ou uma viatura da polícia, dentre as sensíveis ausências do Poder Público. E como não existe vácuo de poder, estes serviços de assistência passam a ser prestados pelos delinquentes. As conseqüências recaem sobre os próprios moradores, na sua esmagadora maioria, honestos e que ficam reféns de grupos criminosos. Desta forma, o urbanismo converte-se em um grave fator criminógeno.

Vale lembrar que as chaves do urbanismo estão nas quatro funções: habitar, trabalhar, recrear-se, circular. Todas estas funções estão comprometidas ou inexistem nas chamadas favelas ou invasões.

Necessário o estímulo a parcerias comunitárias com o setor público, de modo a adotar-se as providências abaixo sugeridas.

Inicia-se por providências simples: melhorando condições urbanas etc; reabilitação de prédios que possibilitem conduta criminosa; melhorar o meio ambiente urbano: iluminar ruas; remover crescimento de matagais; lacrar prédio vazios; abrir vias de acesso aos serviços públicos, impedindo o estabelecimentos dos “labirintos de vielas e becos” …

Fundamental é a ampliação de postos de saúde nos bairros, de modo a promover o atendimento básico, inclusive, utilizando os recursos da telemedicina.

De todo interessante será a criação e reformas de praças, bem assim, a implementação de uma rede de bibliotecas em bairros mais pobres, cujo papel primordial é recuperar o espaço público deteriorado e facilitar a convivência Com o mesmo objetivo, a promoção de constantes shows de música, entre várias outras ações culturais como festivais de teatro e de dança. Os efeitos dessas iniciativas resultarão no surgimento de uma nova vida noturna, antes limitada porque as famílias tinham medo de sair de casa.

Estas medidas serão insuficientes se não houver o aumento do número de policiais e aprimorado seu treinamento. É de fundamental importância a criação de Núcleos de Policiamento Comunitário. Visível será o impacto positivo que se alcançará quando aproximarmos as crianças e os jovens da cultura. A música, a dança, o teatro, as artes plásticas, a comunicação prestam-se como fonte de realização e antídoto contra a marginalidade.

Melhorar a educação formal é um dos ingredientes do plano amplo contra a violência. O poder público deve se empenhar em aumentar a matrícula, reduzir a evasão e, através do treinamento para os professores, oferecer melhor qualidade de ensino.

Basta observar os êxitos obtidos em Bogotá e Medelin, na Colômbia, ambas, antes conhecidas como centros de violência.

Vale o exemplo do Haiti, no qual, as tropas brasileiras aprenderam que o Estado não pode se restringir ao patrulhamento, mas deve melhorar a vida nas favelas para ganhar o apoio da população. Enquanto os militares se limitaram ao patrulhamento, foram acuados pelos criminosos das três grande favelas de Porto Príncipe: Cité Soleil, Cité Militaire e Bel-Air. Tudo mudou depois que a Companhia de Engenharia começou a acompanhar as operações e a executar obras e serviços.

Segundo o General Augusto Heleno, primeiro comandante da Missão de Estabilização no Haiti (ONU), as ações começaram com a simples retirada de lixo das favelas — só em Bel Air foram 1.200 caminhões — e prosseguiu com obras que melhoraram a qualidade de vida dos moradores: “Imediatamente após a ação militar, a companhia entrava e fazia intervenções capazes de melhorar o dia-a-dia da população. Em Cité Soleil, só havia água duas vezes por semana, quando tinha. Chegamos lá e fizemos poços. Hoje, os moradores têm água 24h por dia. Recuperamos escolas, colocamos um posto de saúde com médicos e dentistas. Temos gente até para cortar cabelo. Para a população, isso é sensacional”, explica

Este choque de cidadania influencia positivamente a população e, por conseqüência, permite um melhor desenvolvimento social. O fenômeno crime não é, eficazmente, combatido só com penas mais altas e construção de cadeias. Inclusão social, sempre. Penas, quando necessário. Ladeando esforços, Poder Público e Comunidade, o crime perderá espaço e sentido. Não há justiça sem desenvolvimento!

Revista Consultor Jurídico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Init code Huggy.chat End code Huggy.chat