por Alessandra Abate
Erro médico é a falha do médico no exercício da profissão, seja porque não fez o que devia fazer (negligência), seja porque fez o que não devia (imprudência), ou porque fez de forma errada ou equivocadamente o que deveria fazer (imperícia). Como todo procedimento médico oferece risco ao paciente, e por não ser uma operação matemática, os profissionais se expõem à acusação de erro médico constantemente. O médico que não toma os cuidados exigíveis na conduta certamente incorrerá em responsabilidade civil. Cada vez mais se consolida entre os usuários de serviços médicos a percepção do erro e, principalmente, a busca da reparação.
Um estudo publicado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) indicou um aumento de 75% no número de denúncias contra os médicos, entre 2000 e 2006. A má-prática profissional — o erro médico — revelou ser o motivo de 35% do total de denúncias recebidas e de 43% dos processos contra os médicos.
No entanto, os aplicadores do Direito enfrentam grandes dificuldades na verificação dessas acusações e estão sempre em busca de maior aperfeiçoamento sobre o tema, tendo como elemento de referência o que realmente importa do ponto de vista legal: a análise e verificação da culpa do médico no exercício de sua função.
A responsabilidade civil do médico é apurada com base em algumas condições. Além da condição legal do médico (diploma apostilado pelo Ministério da Educação e registrado no Conselho Federal de Medicina do Estado em que é exercida a profissão), é preciso haver o dano alegado, existir o ato médico que o produziu, estar claramente comprovado o nexo de causa e efeito entre o ato médico e o dano referido e existir culpa do médico, caracterizada por imprudência, negligência e/ou imperícia. Em qualquer caso, a prova cabe àquele que se disser prejudicado. Os meios de prova mais comuns utilizados para certificação da ocorrência ou não do erro são: depoimento pessoal do médico, confissão, oitiva de testemunha, prova documental e prova pericial.
Em decisão recente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu recurso interposto por um hospital, julgando improcedente o pedido de indenização por danos morais formulado por um paciente que teve parte de agulha cirúrgica deixada dentro do seu corpo durante cirurgia de abdômen. O paciente alegou que os médicos teriam esquecido uma agulha em seu corpo. O hospital, em sua defesa, sustentou que não houve esquecimento e sim a decisão intencional de encerrar a cirurgia com rapidez, para evitar o agravamento da situação, e depois extrair o fragmento de metal sem risco de morte para o paciente. Sustentou ainda que o paciente foi informado da situação imediatamente após ter deixado a unidade de terapia intensiva e recuperar-se do procedimento, tendo optado conscientemente por não extrair o fragmento de objeto.
No caso, a agulha quebrou-se quando o corte já estava sendo fechado e significaria um risco para a vida do paciente mantê-lo anestesiado e com o corte da cirurgia aberto para procurar o fragmento. Principalmente porque o pedaço da agulha não colocaria sua integridade em risco relevante e poderia ser facilmente extraído posteriormente em simples procedimento ambulatorial. O que se exige do médico é a prestação de serviços conscienciosos, atentos, zelosos, bem como a utilização de recursos e métodos adequados, buscando sempre o bem-estar do paciente, ou seja, conservar a vida, melhorar a saúde ou aliviar a dor. Até porque o médico não tem o compromisso de curar, mas tão somente o de proceder de acordo com as regras e métodos da profissão, visando o melhor para a saúde da pessoa. Portanto, o médico agiu conforme exige sua profissão. No caso acima, a intenção, ao encerrar a cirurgia, foi preservar as chances de vida do paciente.
Em primeira e segunda instâncias, o hospital foi condenado a pagar indenização. Mas, no STJ, a 3ª Turma reconheceu que, embora o médico que esquece parte do material cirúrgico no organismo do paciente cometa ato ilícito passível de indenização, a ilicitude desaparece quando, antevendo o risco de morte do paciente em caso de prolongamento de cirurgia urgente, o médico encerra o procedimento mesmo sabendo que fragmento de agulha se perdeu acidentalmente no organismo do enfermo.
Além disso, o STJ entendeu que não sofre danos morais o paciente que é informado de que parte de material cirúrgico foi deixado em seu organismo, tão logo se recupere da cirurgia de urgência e conscientemente decida não realizar simples intervenção para extrair o fragmento. Mesmo optando por não extrair o objeto naquela ocasião, o paciente poderia tê-lo feito em outro momento, mas não o fez, o que revela não ter havido sofrimento a justificar indenização.
Para evitar processos, de um modo geral o médico deve falar a verdade ao paciente, em palavras adequadas ao seu nível de entendimento e dar a ele, por escrito, de forma clara, o diagnóstico, a conduta proposta e as recomendações, lembrando que a aceitação de qualquer procedimento proposto é de exclusiva decisão dele, certamente como agiram os médicos envolvidos no caso aqui mencionado.
Revista Consultor Jurídico