Novos concorrentes – Eleição nos tribunais deve deixar de ser homologatória

por Aloísio de Toledo César

Há uma viva expectativa da magistratura brasileira, sobretudo em São Paulo, acerca do projeto de Estatuto da Magistratura que está em elaboração no Supremo Tribunal Federal, sendo relator o ministro Cezar Peluso. Pretende-se que o novo texto, que substituirá a atual e ultrapassada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979, proporcione aos juízes, de forma mais democrática, o direito de eleger os ocupantes dos cargos de direção nos tribunais.

Atualmente, essa eleição se faz com cartas marcadas, porque somente podem concorrer aos cargos de direção os três desembargadores mais antigos. Como são três os cargos de direção — presidente, vice-presidente e corregedor-geral —, participam da disputa apenas os que preencham o requisito de serem os mais antigos.

Tal exigência frustra os anseios de maior participação de outros desembargadores, vários dos quais não estão entre os mais antigos, mas gostariam de ter o direito de concorrer. Pretende-se, enfim, que a eleição não seja simplesmente homologatória, e sim democrática, com a participação de maior número de concorrentes.

Da forma como é realizada, tem-se uma eleição legal para todos os efeitos, porque, afinal, se mostra de conformidade com a Lei Orgânica da Magistratura, superada, mas que ainda está em vigor. Por falta do pretendido traço democrático, tem-se presente não só um certo desconforto, como também a esperança de que o projeto do novo estatuto enfoque o tema e permita que outros desembargadores concorram com os mais antigos.

Nos tribunais de menor número de componentes, como o Supremo Tribunal Federal e outros, de alguns estados brasileiros, a eleição para presidente, vice-presidente e corregedor-geral se faz quase na forma de revezamento, permitindo que praticamente todos os integrantes cheguem aos cargos de direção antes de se aposentarem.

No caso particular do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contudo, com 360 desembargadores, e que hoje, sem dúvida, é o maior tribunal do mundo, a eleição dos três dirigentes, promovida tão-somente entre os três mais antigos, causa um sentimento de insatisfação mais acentuado.

Registre-se que esse clima de desconforto não almeja, em absoluto, excluir o direito dos mais antigos de continuarem a participar da eleição. No último pleito, por exemplo, para escolha dos dirigentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, elegeu-se para presidente, com grande votação, o desembargador Roberto Vallim Bellocchi.

A expressiva votação a ele consagrada, significando plena aprovação de seu nome, conferiu legitimidade ao processo. Todavia, por serem 360 os componentes do tribunal, sendo vários deles, ainda que mais novos, também aspirantes ao cargo, ficou certamente na maioria o sentimento de que esse processo deve ser aperfeiçoado, para se tornar mais democrático.

Nenhum, entre esses desembargadores desejosos de maior democracia no tribunal, pretende introduzir no processo eleitoral um enfrentamento entre mais novos e mais antigos.

O que se busca, na verdade, é consagrar a todos, indistintamente, o direito de participar da disputa, independentemente de serem mais antigos ou mais novos.

Para isso vir a ocorrer é necessário que o Estatuto da Magistratura, em fase de elaboração no Supremo Tribunal Federal, enfoque apropriadamente o tema no projeto a ser enviado ao Congresso Nacional, quando, então, os representantes do povo poderão votá-lo e aprová-lo.

O ministro Cezar Peluso está já há vários anos com a obrigação de redigir o referido projeto. Todavia, tendo em vista o absurdo volume de processos que é obrigado a julgar no Supremo Tribunal Federal, praticamente todos os dias, ainda não conseguiu desvencilhar-se do encargo. Em razão da alta relevância do assunto para a magistratura brasileira, seria compreensível que o referido ministro obtivesse as necessárias condições materiais e de tempo para concluí-lo.

Tenha-se em mente que a parcial reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional 45, de 8/12/2004, tornando obrigatória a eleição de metade dos desembargadores integrantes do Órgão Especial dos tribunais, já não se justifica a manutenção do sistema de escolha somente entre os mais antigos.

De fato, ficou expressa uma gritante incompatibilidade entre essa disposição de abertura e a outra, da Lei Orgânica da Magistratura, que limita somente aos mais antigos a eleição para os cargos de direção.

Desde que estão abertas a todos os desembargadores as eleições para composição do Órgão Especial, de cúpula, encarregado de julgar os mais intrincados processos, inclusive contra juízes e promotores de Justiça, soa desconfortável que somente alguns desembargadores, ainda que extremamente preparados e competentes, possam disputar os cargos de direção.

É o caso de também deixar consignado que o país vive um clima de efetiva democracia em todos os setores da vida nacional. Este clima é tão amplo e irrestrito que até mesmo manifestações antidemocráticas têm sido admitidas, como greves de servidores, ocupações de propriedades por sem-terra, paralisações de avenidas e estradas por descontentes, ocupações de prédios por pessoas sem teto.

Os pulmões arejados da democracia brasileira, neste momento, após o tormento de 20 anos de ditadura, apontam como ideal o caminho definitivo das eleições livres, que eternizam o sistema e afastam o risco de novo e indesejável totalitarismo. O Judiciário não é diferente dos outros dois Poderes do Estado brasileiro e por isso mesmo a democratização da escolha de seus dirigentes deve merecer atenção e esforços, para que se consolide.

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, na edição de terça-feira (13/5).

Revista Consultor Jurídico

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