Sob novo código – Criminalistas divergem sobre mudanças no processo penal

por Priscyla Costa

As mudanças nas regras do Código Penal e de Processo Penal aprovadas nesta quarta-feira (14/5) pela Câmara dos Deputados dividem os advogados criminalistas. Enquanto uns comemoram os avanços, ainda que tímidos, outros duvidam da efetividade das novas regras. Algumas delas, prestes a entrar em vigor.

Ao todo, a Câmara aprovou oito projetos de lei sobre segurança pública e efetividade do Poder Judiciário em matéria penal. Dos oito projetos, apenas dois seguem para sanção presidencial: o que modifica o funcionamento do Tribunal do Júri e o que aperfeiçoa as exigências legais quanto às provas apresentadas no processo penal. As outras seis propostas seguem para o Senado porque sofreram modificações.

O PL 4.203/01, que muda as regras do Tribunal do Júri, acabou com a figura do “protesto por novo júri” para os condenados a mais de 20 anos de prisão e prevê que o julgamento só será remarcado em casos excepcionais (doença comprovada, por exemplo). Também permite que a sessão seja feito mesmo que o réu, estando solto, deixe de comparecer ao júri.

O projeto ainda determina que os jurados respondam a apenas três quesitos quando forem decidir pela condenação ou não do acusado — se existe crime (materialidade), se existe autoria e se o réu é culpado ou inocente —, abrindo possibilidade para mais duas perguntas a respeito das qualificadoras e atenuantes.

A proposta, depois da sanção presidencial, entra em vigor 60 dias após a publicação no Diário Oficial da União, foi elogiada por advogados criminalistas. Para Flávia Rahal, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, a alteração dos quesitos é a parte mais fundamental dessa reforma. “Temos um avanço significativo já que são as perguntas feitas pelo juiz aos jurados que, na maioria das vezes, causam nulidades. Ainda não temos a reforma que imaginávamos, mas caminhamos bem.”

A eliminação do protesto por novo júri também foi bem vista. “O que tínhamos era um resquício do legislador de 1940, que imaginava que 20 anos era uma pena muito alta”, explica o criminalista Sergei Cobra Arbex. “Não é porque o réu foi condenado a 20 anos de prisão que seu júri deve ser refeito. O que tem de ser levado em consideração é se a pena é justa, independentemente do tempo”, afirma.

Arbex, que é presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB paulista e atua como assistente de acusação do caso de Antônio Marcos Pimenta Neves (jornalista condenado por matar a ex-namorada), afirma que o projeto só perde por tirar das perguntas feitas aos jurados o quesito da violenta emoção. “Isso me preocupa porque a figura da ‘violenta emoção’ derruba a pena em um patamar bem inferior. Tirar esse argumento pode prejudicar a defesa”, acredita Arbex.

O criminalista Luiz Fernando Pacheco afirma que eliminar o protesto automático por novo Júri é “um retrocesso”. “O Tribunal do Júri é formado por pessoas leigas. Quando a pena é pesada e grave, me parece salutar e desejável que seja reexaminada por outros jurados. Essa mudança não contribuiu para melhorar o sistema”, defende.

“O que temos são projetos que vêm para fazer funcionar e agilizar o processo penal, mas não dá para ter certeza da efetividade deles. O grande problema da morosidade do Judiciário é a carência de recursos materiais e humanos. Não acredito que modificando regras do Tribunal do Júri seja possível fazer com que a Justiça funcione com mais efetividade. A lei, em si, nem precisaria ser modificada. A questão é de administração”, defende Pacheco.

A outra proposta que segue para sanção é o PL 4.205/2001. O Plenário aprovou oito das dez emendas do Senado ao projeto, que muda o Código de Processo Penal para aperfeiçoar as exigências legais quanto às provas apresentadas nos processos. Uma das mudanças acatadas determina o envio antecipado de dúvidas que possam ser requeridas dos peritos durante o andamento do processo judicial. “A mudança é positiva, mas precisamos avançar para mudar todo o procedimento do Júri e não partes, isoladamente”, observa Flávia Rahal.

Para o Senado

Segue para o Senado o Projeto de Lei 4.850/05, que propõe várias alterações no Código Penal e na Lei de Crimes Hediondos para tipificar crimes sexuais ou aumentar a pena para crimes já previstos. O texto muda, por exemplo, artigos do Código Penal em relação a crimes como estupro, tráfico de pessoas, prostituição e outras formas de exploração sexual.

Também será analisado pelos senadores o PL 1.288/07, que estabelece o uso de pulseira ou tornozeleira com chip para rastreamento eletrônico dos presos em regime aberto. “Essa é uma questão controvertida. A impressão é que o projeto serve apenas para desafogar o sistema penitenciário, que está falido. O que o Executivo não poderá esquecer é que o preso terá de decidir se quer se submeter a isso ou não. O uso não poderá ser obrigatório”, afirma Luiz Fernando Pacheco.

Os deputados tipificaram o crime de seqüestro-relâmpago (PL 4.025/04), mas como houve mudança no texto do projeto, ele volta ao Senado. O texto atribui penas mais rigorosas para a extorsão se for cometida com restrição da liberdade da vítima, ou se resultar em lesão corporal grave ou em morte.

O Projeto de Lei 7.226/06, que permite a apreensão, o seqüestro e a indisponibilidade de bens de indiciados, é outra proposta que será analisada novamente. A proposta garante a extensão do seqüestro de bens imóveis do indiciado ou acusado aos bens que tenham sido registrados em nome de terceiros, ou que estejam misturados com o patrimônio legalmente constituído.

De acordo com o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA), a proposta dá mais efetividade e agilidade para o Poder Judiciário, já que hoje o Código de Processo Penal impede determinadas situações de seqüestro de bens, o que, segundo ele, atrasa o andamento do processo. “A partir de agora isso deixa de ser um embaraço e agilizará a reparação de danos”, diz o deputado.

Ainda voltam para o Senado o PL 7.024/06, que cria punições para o uso de celulares em prisões, e o PL 938/07. Este determina que o juiz, ao fixar a pena-base, observe se o réu já cumpriu medida socioeducativa de internação quando era menor de 18 anos. “É como se o ato infracional passasse a contar como antecedente criminal”, explica Flávio Dino.

Foram retirados da pauta de votação três projetos: o PL 4.207/01, do Poder Executivo, que agiliza procedimentos do processo penal; o PL 678/03, que reduz a lista de categorias com direito à prisão especial; e o PL 2.356/07, que aumenta o tempo necessário de cumprimento de pena em regime mais rigoroso para o preso ter direito a progressão.

Vontade de prender

Na semana passada, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou projeto que dá às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) o poder de requerer à Justiça prisão temporária de investigado. O Projeto de Lei 116/07, do deputado Neilton Mulim (PR-RJ), também modifica os prazos da prisão temporária, previstos na Lei 7.960/89.

A proposta foi aprovada na forma de substitutivo do relator, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). O substitutivo estabelece que a prisão temporária será de 10 dias, prorrogáveis por igual período, e não de cinco, como é hoje. O texto abre exceção para os crimes ditos hediondos, quando a prisão temporária pode ser de 30 dias (prorrogáveis).

O projeto original previa 60 dias de prisão para crimes cometidos por organizações criminosas, 30 dias para crimes hediondos e cinco dias para os demais casos, todos prorrogáveis. Biscaia optou por alterar a redação para torná-la igual ao de outra proposta aprovada na Comissão de Segurança Pública em abril passado (PL 124/03), que também altera os prazos da prisão temporária.

Atualmente, a prisão temporária só pode ser pedida pela Polícia e pelo Ministério Público. Não há uma lei explícita atribuindo às CPIs esse mesmo poder, o que tem levado a interpretações divergentes nos tribunais quando a comissão encaminha pedido de prisão. Com a inclusão da prerrogativa na legislação, o deputado Biscaia disse que o Congresso fortalece o papel das CPIs. Segundo o texto, a prisão só poderá ser pedida quando for imprescindível para as investigações da comissão. Além disso, o Ministério Público será ouvido antes da decisão do juiz.

O projeto será examinado pela Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovado, segue para o Plenário. Além dessa proposta, a Câmara analisa outro projeto de Neilton Mulim (PL 58/07) que autoriza as CPIs a solicitarem à Justiça a prisão preventiva de investigados.

Revista Consultor Jurídico

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