por Haman Tabosa de Moraes e Córdova
A Assembléia Nacional Constituinte, reunida em 5 de outubro de 1988, inaugurou uma nova ordem jurídica com a promulgação da vigente Constituição Federal, a qual foi denominada “Constituição Cidadã” pelo saudoso deputado federal Ulisses Guimarães em razão da grande participação popular na elaboração de seu texto, e bem assim, da significativa ruptura com mais de duas décadas de regimes totalitários no Brasil.
Quis aquele Poder Inaugural que no rol dos direitos e garantias fundamentais do povo brasileiro estivesse incluída a assistência jurídica — e não apenas judicial — integral e gratuita a ser prestada pelo Estado aos que comprovarem insuficiência de recursos, elencando-a dentre aqueles direitos que constituem o núcleo duro da Carta Política denominado cláusula pétrea, que não podem ser objeto de restrição ou supressão do texto constitucional, sob qualquer hipótese.
Para a efetivação dessa garantia fundamental, que tem por objetivo esclarecer ao povo carente os seus direitos e suas relações jurídicas com os poderes públicos, foi também criada pelo legislador originário a instituição pública correspondente para prestar esse relevante e indispensável serviço à população e servir de instrumento de ligação entre os seus direitos e o efetivo exercício dos mesmos: a Defensoria Pública.
Ao lado do Ministério Público e da Advocacia Pública, a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, responsável pelo atendimento à população de baixa renda e que, por tal razão, não dispõe de condições financeiras para se defender em juízo ou fora dele por meio de um advogado particular.
De brigas entre vizinhos e dissoluções de casamentos a pedidos de aposentadorias, de reparação de danos morais e materiais a extradição de estrangeiros, todos os casos podem ser levados à Defensoria Pública, a depender apenas da esfera do Poder Judiciário competente para julgá-los: se a Justiça Federal, é a Defensoria Pública da União que deve ser procurada; se a Justiça Estadual, é a Defensoria Pública do Estado que irá analisá-los, sendo ambas, todavia, ramos da mesma Instituição Defensoria Pública, una e indivisível.
Nesse contexto, passados quase vinte anos de sua idealização, comemora-se no dia 19 de maio o Dia Nacional da Defensoria Pública, instituído pela Lei Federal 10.448/2002 e que simboliza um processo de amadurecimento do Brasil, país que num passado não muito distante tratava dos pobres com políticas a base de pão e circo, mas que hoje passa a enfrentar o problema de frente, com um órgão do próprio Estado composto de agentes públicos concursados, vocacionados e entregues de corpo e alma à causa da parcela da população desprovida de recursos.
Relevante dizer, porém, que muito ainda há que se avançar quando o assunto é Defensoria Pública brasileira, notadamente porque há estados como Santa Catarina e Paraná que insistem em desrespeitar o modelo constitucional de assistência jurídica pública e não possuem um só defensor público concursado, além de outros como Rio Grande do Norte e Goiás que estão dando os primeiros passos desde a promulgação da Constituição Federal, descortinando uma dívida social de quase duas décadas com sua população de baixa renda.
Na esfera federal, também, há menos de trezentos defensores públicos para atender a todos aqueles cidadãos que, de norte a sul do país, precisem ter acesso à Justiça Federal para pleitear um benefício previdenciário injustamente negado pelo INSS, rediscutir cláusulas de contrato habitacional ou empréstimos junto à Caixa Econômica Federal, obter um medicamento vital ou realizar uma cirurgia de urgência. A Justiça do Trabalho, Eleitoral e Militar também reclama a atuação de defensores federais, os quais se encontram impossibilitados de atender o chamado em razão do diminuto quadro de profissionais.
Assim, a cada ano de comemoração do Dia Nacional da Defensoria Pública é preciso fomentar, mais e mais, a esperança de que num futuro próximo seja possível ver uma Defensoria Pública mais forte e aparelhada, com uma quantidade maior de defensores públicos à disposição do povo, a fim de que, com seu trabalho, sejam minimizadas as desigualdades sociais e se consiga distribuir cidadania aos que dela mais se ressentem. O tempo urge.
Revista Consultor Jurídico