Está na mira da Procuradoria-Geral da República a lei que autoriza a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, subordinada ao Poder Executivo, a prorrogar indefinidamente o prazo de sigilo dos documentos classificados no mais alto grau de confidencialidade. A medida afetou especialmente os documentos da ditadura militar. O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei no Supremo Tribunal Federal.
A ADI é contra a Lei 11.111/2005. Inicialmente, a matéria era tratada na Lei 8.159/1991, que foi modificada pela Medida Provisória 228 em 2004, mais tarde convertida na Lei 11.111. A regra prevê, por exemplo, o prazo de até 100 anos de sigilo de documentos referente à honra e à imagem das pessoas.
Antonio Fernando argumenta que a matéria não poderia ser tratada por Medida Provisória. Isso porque ela não atende os requisitos constitucionais de relevância e urgência. Além disso, a Constituição veda a edição de MPs que tratem sobre “nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral”. O procurador-geral afirma que cidadania e direitos políticos não se resumem a votar e ser votado, mas incluem a participação no processo político. “O pressuposto dessa atuação é exatamente o direito à informação”, afirma.
“A Constituição, embora não tenha reconhecido expressamente o direito à verdade, não deixou de garanti-lo como um direito fundamental. Dispõe o artigo 5º, parágrafo 2º: ‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’”, observa o procurador-geral da República.
Para ele, o parlamentar é o legislador dos direitos fundamentais. E os artigos questionados transferem ao Executivo o poder de classificar as categorias de sigilo e impor as restrições ao seu acesso. Antonio Fernando pondera que o Executivo é o maior interessado no segredo dessas informações. Assim, o legislador não poderia permitir que o Executivo decidisse o que pode ou não vir a público. “As informações não se destinam apenas aos interessados em sentido técnico-operacional, mas a todo povo brasileiro, à sua memória, à sua identidade. Não se trata de uma questão de interesse privado, mas de expressão pública”, defende.
A ação ainda mostra que o acesso aos registros históricos cumprem um papel fundamental na consolidação da democracia, especialmente em países que passaram por ditaduras, como o Brasil. E lembra que esses regimes violaram os direitos humanos. “A dor da família e o sofrimento das vítimas tornam, no mínimo, moralmente inaceitável o silêncio sobre tais fatos ou o silêncio por tempo indefinido”, diz. Antonio Fernando defende, ainda, que os prazos dilatados estabelecidos pelas leis questionadas não são razoáveis. “Pessoas podem eventualmente terem sido anistiadas, mas isso não importa esquecimentos dos episódios antecedentes”.
Revista Consultor Jurídico