por Marina Ito
Depois de São Paulo e Minas Gerais, é a vez do Rio de Janeiro avaliar a possibilidade de monitoramento eletrônico de presos em regime aberto e semi-aberto. A audiência pública para discutir o assunto foi feita, nesta terça-feira (20/5), na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e contou com a presença de deputados, advogados, defensores públicos, promotores, além de outros setores como representantes dos Conselhos Regionais de Psicologia e de Assistência Social.
Posições divergentes marcaram a audiência. Para a maioria dos presentes, o monitoramento eletrônico por tornozeleiras eletrônicas fere o direito à dignidade. Ainda que veja a iniciativa como positiva, o defensor público Eduardo Quintanilha diz que o monitoramento pode fazer com que o preso que cumpre o regime aberto passe a ficar marcado como presidiário. “A estigmatização é muito grave em um lugar onde a ressocialização é tão difícil e as oportunidades são escassas”, constata.
O advogado Luís Guilherme Vieira informou que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, ainda não tem uma posição fechada sobre o tema. Mas, para ele, o monitoramento eletrônico de presos pode ser a volta dos grilhões utilizados no passado. Segundo o advogado, o problema é mais embaixo, pois é preciso reservar a cadeia para quem realmente não tem condições de permanecer na convivência social. Outra solução é a pena alternativa. “As penas alternativas viraram sonhos”, afirmou.
Para o deputado Marcelo Freixo, o uso das tornozeleiras deveria ser facultativo, como acontece em São Paulo. Mas para o defensor público Pedro Paulo Carriello, da Associação dos Defensores Públicos do Rio, a opção entre ficar na prisão ou ser monitorado pela tornozeleira é praticamente inexistente. “A autonomia da vontade peca porque é oferecido o inferno de Dante”, afirmou, referindo-se à situação dos presídios.
Vício de iniciativa
Ainda que a audiência tenha se focado no mérito da questão, os projetos podem ser, se aprovados, contestados no Judiciário. Segundo os participantes do debate, os projetos estaduais de monitoramento eletrônico dos presos são inconstitucionais por vício de iniciativa. A lei, proposta pelo Legislativo, pode gerar gastos ao Executivo.
O juiz da Vara de Execuções Penais da Justiça do Rio, Rafael Estrela, afirmou que não tem uma posição fechada sobre o assunto. Mas percebe que, antes de analisar o mérito, há a questão da constitucionalidade da lei.
Para Luís Guilherme Vieira, a inconstitucionalidade é formal e material. Isso porque as Assembléias Estaduais não têm competência para legislar a matéria. O advogado vai além. Para ele, o Congresso, onde já há dois projetos sobre o assunto, não pode estabelecer o monitoramento por Lei Ordinária, mas apenas com uma nova Constituinte, por tratar de garantias fundamentais.
O secretário de administração penitenciária do estado, César Rubens de Carvalho, lembrou que o parágrafo 1º, do artigo 36, do Código Penal, estabelece: “o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga”.
Outra questão levantada por Carvalho se refere aos aspectos técnicos. “Não sei se teremos como monitorar em GPS”, afirmou, lembrando a geografia da cidade. Carvalho não é contra o projeto, mas acredita que devam ser estabelecidos objetivos a serem alcançados com o sistema de monitoramento.
Idéias e debates
Para o promotor Cristiano Lajoia Garcia, o meio eletrônico para a monitoração de presos é eficiente. Segundo ele, a maioria dos presos não cumpre a pena em regime aberto ou semi-aberto, devido às condições econômicas. Ele citou o exemplo de presos cuja família mora em outras cidades e que não tem condições de ficar no Rio. Dessa forma, os presos acabam fugindo para retornar para suas cidades e ficarem perto de familiares.
“Humilhante é o presídio como está hoje”, afirmou a deputada Cidinha Campos, autora do Projeto de Lei 1.017/07, que pretende regulamentar a monitoração eletrônica no estado. Para ela, o debate foi tendencioso, pois contou com movimentos de direitos humanos, mas não com associações de vítimas da criminalidade.
Autor de outro projeto de monitoração, o deputado Pedro Paulo afirmou que a iniciativa pode reduzir o problema de o preso em regime semi-aberto não voltar à prisão. Segundo os dados apresentados pelo deputado, em 2007, dos 4,7 mil presos em regime aberto e semi-aberto 17% não voltaram a se apresentar. Pedro Paulo acredita que os juízes ficam até receosos em conceder os benefícios desses regimes.
Cidinha Campos afirmou que sua proposta é uma cópia de iniciativas adotadas em outros países e em alguns estados do país, como São Paulo, Minas e Paraíba. “Talvez seja mais necessário aqui do que em outros lugares”, afirmou. A deputada reconheceu que a proposta está imatura e pretende fazer as emendas necessárias. “O projeto tem que ser aprimorado, mas não arquivado”, concluiu.
Leia os Projetos de Lei
PROJETO DE LEI Nº 1017/2007
EMENTA:
“DISPÕE SOBRE O MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE APENADOS NO ÂMBITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.”
Autor(es): Deputado CIDINHA CAMPOS
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RESOLVE:
Art. 1º. Os apenados submetidos ao cumprimento de pena nos regimes aberto e semi-aberto, quando em atividades fora do estabelecimento prisional, serão monitorados por equipamentos de rastreamento eletrônico.
Art. 2º. O rastreamento eletrônico será feito por meio de bracelete, tornozeleira ou chip subcutâneo, conforme a disponibilidade do sistema prisional.
Art. 3º. O Poder Executivo regulamentará a presente lei.
Art. 4º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Plenário Barbosa Lima Sobrinho, de de 2007.
Cidinha Campos
Deputada Estadual
PROJETO DE LEI Nº 1367/2008
EMENTA: DISPÕE SOBRE O MONITORAMENTO POR INSTRUMENTOS DE GEOLOCALIZAÇÃO PARA OS INDIVÍDUOS SUJEITOS AO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Autor(es): Deputado PEDRO PAULO
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RESOLVE:
Art. 1º – O Estado do Rio de Janeiro providenciará pulseiras ou tornozeleiras eletronicamente monitoradas, com tecnologia de geolocalização GPS, a serem empregadas nos indivíduos que, por decisão da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, se encontrarem:
I – no gozo de livramento condicional;
II – em regime aberto de prisão;
III – em regime semi-aberto de prisão;
IV – sujeitos a proibição de freqüentar lugares específicos;
V – sujeitos a prisão domiciliar;
VI – autorizados a saída temporária de estabelecimento penal, sem vigilância direta.
Art. 2º – Também poderão os magistrados, nos casos que justificariam a decretação de prisão preventiva na forma do art. 312 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), ouvido o Ministério Público e com o consentimento do acusado, optar pela aplicação da pulseira ou tornozeleira de monitoramento.
Art. 3º – O monitoramento eletrônico será revogado, por decisão do magistrado, sempre que se mostrar inadequado ou quando o acusado ou condenado violar os deveres aos quais estiver adstrito durante a sua vigência.
Art. 4º – O acusado ou condenado, enquanto estiver sujeito ao monitoramento eletrônico, deverá:
I – permitir e não se esquivar de visitas do servidor responsável pela manutenção do equipamento de monitoramento eletrônico;
II – abster-se de qualquer conduta que possa prejudicar o regular funcionamento do monitoramento eletrônico;
III – comunicar imediatamente ao responsável pelo monitoramento a detecção de falha em seu equipamento.
Parágrafo único. A violação dos deveres previstos neste artigo poderá, a critério do magistrado, justificar a revogação da progressão do regime de cumprimento da pena do condenado, a revogação do livramento condicional, da saída temporária ou da prestação de trabalho externo do condenado ou o recolhimento em estabelecimento penal do condenado a prisão domiciliar
Art. 5º Esta Lei entra em vigor 180 dias após sua publicação.
Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 11 de março de 2008.
PEDRO PAULO
Deputado Estadual PSDB
JUSTIFICATIVA
O Direito Penitenciário é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam o tratamento dos sentenciados. Sua construção sistemática deriva da unificação de normas do Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Administrativo, Direito do Trabalho e da contribuição das Ciências Criminológicas, sob os princípios de proteção do direito do preso, humanidade, legalidade, e jurisdicionalidade da execução penal.
Muitos institutos do atual direito penitenciário têm sido objeto de severas críticas e causado grande desconforto à população pela conduta de uma parcela dos condenados que se aproveita da oportunidade de não se recolher ao sistema prisional ou de deixar os presídios sem vigilância direta, para voltar a delinqüir ou se evadir.
A Lei de Execução Penal vigente permite aos condenados no mínimo cinco saídas temporárias sem escolta, em épocas como do Dia das Mães, Páscoa e Natal. Na última Páscoa, a liberdade provisória assegurada pelo indulto abrangeu cinco dias. Apenas no Estado de São Paulo, saíram 10.937 condenados dos quais 851 deixaram de retornar, o que corresponde a uma porcentagem de evasão de 7,78%.
Nossa imprensa divulgou que, ainda em São Paulo, em 2006, dentre os 11.087 presos autorizados a comemorar o Dia dos Pais com suas famílias, 808 não retornaram aos presídios, havendo dois falecido em confronto com a polícia e trinta e dois sido detidos pela prática de crimes durante o período do indulto. Já no Dia das Mães, em 2007, dentre os 12.645 presos beneficiados pelo indulto, 965 não teriam retornado.
A realidade nacional e fluminense não é muito distinta.
Não são raros os episódios envolvendo fugas de indivíduos submetidos à prisão domiciliar, evasão de condenados sujeitos aos regimes aberto ou semi-aberto, evasão de beneficiários de indultos, etc. Tais fatos, além de provocarem a descrença no sistema prisional, fazem com que magistrados zelosos relutem em conceder benefícios a quem faça jus, por receio de futuras evasões e descumprimentos de medidas.
Analisando as penalidades que envolvam a proibição de freqüentar lugares específicos, constata-se que o Estado não dispõe atualmente de mecanismos que lhe permitam fiscalizar o respeito a tais proibições. Tal fato motiva diversos magistrados a aplicar outras penalidades (inclusive pecuniárias) em detrimento dessa modalidade de sanção. É fato notório que, em diversos países, a proibição de aproximação de estádios de futebol imposta a indivíduos anteriormente envolvidos em brigas de torcidas passou a se tornar muito mais eficaz no combate à violência nos estádios de futebol após a adoção do monitoramento eletrônico, evitando dessa forma encarceramentos desnecessários, bem como outras medidas que poderiam se revelar inócuas. Idêntico raciocínio é válido para todas as demais situações nas quais se faça necessária a verificação do cumprimento de proibição de freqüência a locais definidos.
Instrumentos que viabilizam o rastreamento eletrônico de condenados representam um avanço tecnológico já empregado em diversos países, dentre os quais os Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Suécia, Austrália, Japão, África do Sul, Portugal, etc.
Analisando a questão do custeio, é de fácil constatação que o monitoramento eletrônico representa uma forma menos onerosa de controle para o Poder Público que o encarceramento, a manutenção e a construção de estabelecimentos prisionais, sobretudo em uma sociedade na qual estudos indicam que a manutenção mensal de um preso ultrapassa em mais de duas vezes o valor do salário mínimo vigente.
Sob o aspecto correicional da pena é evidente que o acompanhamento viabilizado pelo monitoramento eletrônico reforça a fiscalização do cumprimento dos deveres dos apenados quando da fruição de benefícios como o regime aberto, saídas temporárias, livramento condicional, etc., impondo-lhes valiosa disciplina.
No que tange a ressocialização do preso, tal metodologia permite ao condenado a manutenção de seus laços sociais e familiares. Ainda mais relevante é o afastamento que tal medida permite, aos presos menos perigosos ou já em estágio avançado do cumprimento de suas penas, de um sistema prisional que muitas vezes contribui para sua degradação.
Por todas as razões de segurança e garantia do cumprimento de penas, controle do sistema carcerário, economia para o erário, humanização e ampliação das possibilidades de reinserção social para os condenados, redução do desvio da atividade investigativa ou ostensiva para a atuação em atividades de captura de evadidos pelas polícias, etc., imprescindível se mostra a adoção desse avanço tecnológico por nosso sistema penitenciário e justiça !
Por todo o exposto, conto com o apoio dos meus pares para aprovação do presente Projeto de Lei.
Revista Consultor Jurídico