Espaço de culto – Cemitério religioso sem fins lucrativos não paga IPTU

São imunes à incidência do IPTU os cemitérios que funcionam como extensões de entidades religiosas, que não tenham fins lucrativos e se dediquem exclusivamente a serviços religiosos e funerários. O entendimento foi firmado, na quarta-feira (21/5), pelo Supremo Tribunal Federal.

O relator da matéria, ministro Eros Grau, fundamentou seu voto a favor da tese da imunidade tributária do cemitério nos artigos 5º, inciso VI, e 19, inciso I, da Constituição Federal. Os dispositivos asseguram a liberdade de crença e de culto e garantem a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Eros fez uma distinção clara entre os cemitérios de caráter comercial, que alugam jazigos. Segundo o ministro, o cemitério em questão, assim como muitos outros de entidades religiosas, é extensão do templo dedicado ao culto da religião. Para o ministro, a entidade se dedica à preservação do templo, do cemitério e do próprio culto que professa. Equipara-se, assim, a entidade filantrópica.

Em julgamento, o Recurso Extraordinário da Sociedade da Igreja de São Jorge e Cemitério Britânico de Salvador (BA), da Igreja Anglicana, que contestava decisão do Tribunal de Justiça da Bahia. Os desembargadores baianos não reconheceram o direito de a instituição deixar de recolher o IPTU referente à área de seu cemitério.

Situados em local nobre da capital baiana (a Ladeira da Barra), a capela e o cemitério anglicanos foram construídos há 200 anos por ingleses que acompanharam a família real portuguesa em sua vinda ao Brasil, em 1808. Segundo a defesa, foi lá que, em 1810, Dom João VI celebrou com o governo britânico o tratado de livre navegação. O local é tombado pelo Patrimônio Histórico da Bahia e há um processo de tombamento, com a mesma finalidade, em curso no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Ministério da Cultura.

Cemitério particular

O Supremo também deve dizer em breve se cemitério particular está imune ao IPTU. Na mesma sessão, pedido de vista do ministro Celso de Mello interrompeu julgamento de recurso contra decisão do extinto Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que decidiu pela incidência do imposto.

Beatriz das Neves, autora do recurso, alega que o Cemitério Santo André é imune à tributação, pois o terreno é alugado para empresa que o explora como cemitério privado. Sustenta que a decisão do tribunal paulista, violou o artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição. Segundo ela, o imóvel deve ser considerado como templo de qualquer culto. Nos túmulos são feitas homenagens e ritos que configurariam o culto.

O ministro Joaquim Barbosa examinou as questões com base na imunidade dos templos de qualquer culto, na capacidade contributiva em referência à livre concorrência, livre iniciativa e isonomia. Ele frisou que o caso é marcado por três circunstâncias relevantes: a propriedade imóvel pertence a uma pessoa laica; o imóvel estava alugado a uma empresa privada sem qualquer vínculo com entidade eclesiástica; o imóvel é empregado em atividade lucrativa cujo produto não é destinado a manutenção de atividades institucionais essenciais a qualquer entidade religiosa.

Para Joaquim Barbosa, é certo que a propriedade pertence a uma pessoa natural e não a entidade religiosa. “Também é inequívoco que o produto arrecadado com o pagamento dos alugueres da propriedade imóvel ou mesmo com o produto da venda ou cessão dos jazigos não se destina precipuamente a manutenção de atividades essenciais de entidade religiosa. Pelo contrário, o produto da exploração do imóvel visa ao acréscimo patrimonial do proprietário do terreno e de quem mais o explore economicamente”, destacou.

“O que não me parece coerente é concluir que terrenos explorados comercialmente por entidade não eclesiástica para fins que não são necessariamente próprios a expressão da crença, sejam considerados como templos”, disse o ministro, que rejeitou a condição de templo de qualquer culto ao terreno em questão.

O ministro observou que a propriedade é destinada a prestação de serviços funerários e em especial ao sepultamento. “Ora, serviço funerário é atividade de interesse público especificamente de saúde pública e de saneamento, não se trata ontologicamente de questão de índole religiosa, pois é possível conceber a existência de doutrina mística que ignore por completo esta questão”, disse.

Joaquim Barbosa explicou que, para reconhecer a imunidade tributária, também seria necessário observar que a exploradora do terreno se dedica “inexoravelmente a prática de ritos religiosos fúnebres”. Segundo ele, pode-se presumir que os ritos religiosos não são obrigatório. “Vale lembrar que para o proprietário ou para o locatário, a realização de ritos fúnebres é desnecessária para o sepultamento”.

Segundo o ministro, “a imunidade opera tão somente para garantir que o Estado não interfira indevidamente na liberdade de culto e no exercício da fé”. Para ele, “reconhecer a aplicabilidade da imunidade recíproca à tributação de imóvel locado a particulares para exploração de atividade econômica de cunho privado, redundaria em privilegiar a exploração econômica particular e não a proteção da liberdade religiosa”. Joaquim Barbosa concluiu que o caso não apresenta requisitos necessários ao reconhecimento da imunidade.

Também não estão presentes os requisitos subjetivos, conforme o ministro. Ele afirmou que a tributação não traz qualquer risco a liberdade de culto. “A pessoa natural titular do domínio do terreno demonstra capacidade contributiva por explorar economicamente o terreno. A pessoa jurídica, que também explora economicamente o terreno com a comercialização de jazigos, também demonstra capacidade contributiva e finalidade não religiosa e, por fim, a não tributação implica risco a livre concorrência à livre iniciativa e à isonomia”, entendeu o ministro.

O ministro Carlos Britto divergiu. “Os cemitérios estão recamados de religiosidade, de um sentimento puro, além do mais, enterrar os seus mortos é um dever e paga-se ainda para enterrar e manter guardado ali o seu morto com um tributo, IPTU”, argumentou o ministro.

“Estamos sendo muito transigentes com essa fúria arrecadadora, com essa sanha fiscal do poder público que não respeita sequer a última morada do indivíduo”, entendeu. “O local do culto vale por si mesmo, nada tem a ver com a entidade que eventualmente vitalize, até economicamente, este espaço”, afirmou.

O ministro considerou que interessa à Constituição favorecer, proteger o local de culto. “Me parece que a Constituição, sem esperar pela lei, já consagrou a imunidade aos templos, ou seja, locais, espaços físicos de qualquer culto”.

RE 578.562 e 54.481

Revista Consultor Jurídico

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