por Priscyla Costa
Por mais desgosto que possa provocar aos defensores do direito de defesa, a seleção pela polícia de trechos das conversas gravadas em interceptações telefônicas segundo a conveniência da acusação não é uma exceção e muito menos um acidente indesejado. Antes, essa é uma norma que deve ser observada, como reza a Portaria 003/2001, da Polícia Federal, que diz: “Os exames periciais em material de áudio e vídeo, conforme o seu objetivo, devem enfocar o seguinte: transcrição estritamente dos trechos que apresentam a materialização do delito, de acordo com a indicação da autoridade (…)”.
Acusações de que a Polícia Federal manipula o conteúdo das interceptações telefônicas de acordo com as conveniências da acusação tem se repetido nos últimos dias, nas audiências da CPI das Escutas Telefônicas, da Câmara dos Deputados. Em depoimento na CPI, o perito em fonética forense Ricardo Molina afirmou que encontrou irregularidades em centenas de grampos legais que analisou. Segundo Molina, há gravações interrompidas, palavras cortadas e seleção de trechos de conversas a critério dos investigadores.
A deputada Marina Maggessi (PPS-RJ), membro da CPI das Escutas Telefônicas e relatora do Projeto de Lei 3.272/08, que regulamenta a quebra de sigilo das comunicações telefônicas, também declarou que há “erros gritantes” na transcrição das escutas feitas pela PF. Para Marina, os métodos usados pela PF visam à manipulação política e estão orientados por má-fé.
Também acusaram a Polícia Federal de mau uso das interceptações o juiz federal Ali Mazloum e o desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Carreira Alvim. Ambos foram investigados pela Polícia Federal, o primeiro na Operação Anaconda, o segundo na Operação Hurricane. Carreira Alvim acusa a PF de ter vazado para a imprensa uma conversa que não existiu.
A Polícia Federal rebate a acusação. Ao Consultor Jurídico, o delegado Rodrigo Carneiro disse ser “um sofisma difundir que a Polícia só quer buscar a condenação. O inquérito busca apurar indícios de autoria e materialidade de um possível crime notificado à policia, mediante requisição, representação, denuncia anônima ou de ofício. Não buscamos nem condenação, nem absolvição. Se, ao final de qualquer investigação, não há indícios de autoria e nem de materialidade, a conclusão será pelo arquivamento, que será solicitado ao MP”.
“A simples transcrição não é suficiente para trazer indícios de autoria e materialidade do delito. Nem todos os inquéritos resultam em indiciamentos. Há muitos em que pedimos arquivamento ou concluímos pela inexistência de autoria e materialidade. Muitos números são descartados de forma justificada e mediante relatório”, defende Carneiro.
Segundo a assessoria de imprensa da PF, todas as conversas gravadas são enviadas na íntegra para a Justiça. O presidente da CPI das Escutas Telefônicas, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), que é delegado da Polícia Federal, também defende a responsabilidade e competência de seus colegas de corporação.
Regra ilegal
“O que temos é uma regra da Polícia Federal manifestamente ilegal”, afirma o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, conselheiro federal da OAB. Luís Guilherme Vieira, também criminalista, e que já foi advogado de Carreira Alvim, confirma: “A PF não apresenta íntegra da escuta telefônica, nem faz a degravação da íntegra”, diz. “Das operações que já acompanhei, notei que a Polícia transcreve o que indica culpa, apenas. E o critério para isso é o mais subjetivo possível”, observa.
Vieira defende a transcrição da íntegra da escuta telefônica com base o artigo 6º, parágrafo 1º, da lei que regulamenta as escutas telefônicas (Lei 9.296/96). Diz o artigo “deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização. § 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.”
Jurisprudência
Apesar da previsão em lei, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do pedido de Habeas Corpus 91.207, ajuizada pela defesa de Carreira Alvim, decidiu pela desnecessidade da transcrição integral das escutas. Já o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus 66.967 afirmou que a degravação, quando realizada, não precisa ser feita por perito oficial.
“É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados, pois bastam que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal”, entendeu o Supremo. Essa liminar foi indeferida por 4 votos a 3. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes. A questão ainda não foi decidida no mérito.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou ser “válida a prova obtida por meio de interceptação de comunicação telefônica, quando a autoridade policial observa todos os requisitos exigidos pela Lei 9.269⁄96, que, ressalte-se, não determina que degravação das conversas interceptadas seja feita por peritos oficias.” O STJ ainda considerou que “se a defesa não impugna no momento oportuno a autenticidade da voz do paciente, preclusa a alegação de nulidade desta prova”.
Para a Polícia Federal, as decisões confirmam que os meios adotados no procedimento de escutas telefônicas e no inquérito são legais.
Revista Consultor Jurídico