Direito de reclamar – Advogado que acusou juiz de abuso se livra de inquérito

Para que uma pessoa seja acusada de denunciação caluniosa, é preciso que a representação apresentada por ela seja aceita e transformada em processo administrativo, judicial ou em inquérito policial. Se a denúncia logo foi rejeitada não há porque acusá-la de denunciação.

Esse foi o entendimento aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça ao caso do advogado Lindovaldo Marques de Brito, que teve trancado o inquérito aberto contra ele por um juiz e um promotor a quem acusava de abuso de poder. O advogado entrou com representação contra o juiz da Comarca de Alterosas (MG) e um promotor de Justiça. Dizia que eles eram os responsáveis por manter seu cliente, Célio Mesquita da Silva, preso por mais de 30 dias sem que houvesse qualquer ordem judicial.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais não conheceu da representação em relação ao promotor de Justiça e rejeitou quanto ao juiz. Os desembargadores concluíram que “não há de ser apurado contra o douto magistrado”. Portanto, nenhum processo administrativo ou judicial foi aberto contra o juiz e o promotor.

De acordo com o processo, o juiz e o promotor estavam certos ao manter a prisão do cliente do advogado Lindovaldo Marques de Brito. Célio Mesquita da Silva estava preso por outro processo, em que houve flagrante e no qual Brito não era o defensor. Isto é, o advogado não sabia da ação que permitia a prisão de seu cliente.

Juiz e promotor decidiram entrar com pedido de abertura de inquérito contra o advogado, por denunciação caluniosa, que foi aceito. No STJ, o advogado pedia o trancamento do inquérito.

Segundo Brito, não há elementos que o enquadrem no tipo penal previsto no artigo 339 do Código Penal: denunciação caluniosa. O dispositivo fala sobre instaurar investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, sabendo que ele é inocente.

“O paciente, ao oferecer a representação criminal retrocitada, apenas exerceu o seu legítimo e constitucional direito de petição (exercício regular de direito), narrando ao tribunal o seu inconformismo em relação à prisão de seu constituinte Célio Mesquita da Silva”, disse o ministro Napoleão Nunes de Maia Filho (relator) ao determinar o fim do inquérito policial contra o advogado.

De acordo com o relator, rejeitada a representação contra o magistrado, não há falar em instauração, efetivamente, de procedimento administrativo. Isso porque, conforme o Regimento Interno do TJ-MG, a instauração do procedimento somente ocorrerá após a análise da representação formulada.

“Inexistindo procedimento administrativo instaurado, porquanto rejeitada a representação, conseqüentemente não se configura o ilícito de denunciação caluniosa, visto que ausente o elemento objetivo exigido pela figura típica”, afirmou o ministro. A decisão da 5ª Turma do STJ foi unânime. Mas não impede eventual responsabilidade civil ou falta disciplinar, que devem ser apuradas em via adequada.

Leia o voto do relator

HABEAS CORPUS Nº 99.855 — MG (2008⁄0024865-3)

RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

IMPETRANTE : LINDOVAL MARQUES DE BRITO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PACIENTE: LINDOVAL MARQUES DE BRITO

RELATÓRIO

1. Cuida-se de Habeas Corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado por LINDOVAL MARQUES DE BRITO, em seu próprio favor, em conseqüência de acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que manteve o curso do Inquérito Policial instaurado em desfavor do paciente. a quem se imputou o crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CPB).

2. Ficou o decisum assim ementado:

HABEAS CORPUS. CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339 DO C. PENAL). PEDIDO DE TRANCAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES POLICIAIS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ANÁLISE A RESPEITO DOS FATOS INVIÁVEL NA ESFERA DO HABEAS CORPUS, SOB PENA DE UMA INDESEJÁVEL SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM DENEGADA (fls. 292).

3. Depreende-se dos autos que houve a instauração de Inquérito Policial, objetivando a apuração de suposta prática do delito de denunciação caluniosa (art. 339 do CPB), porquanto teria o paciente representado criminalmente, junto ao Tribunal de Justiça das Alterosas, contra Membro do Ministério Público Estadual e Magistrado integrante da Justiça Mineira, por suposto abuso de autoridade. Segundo consta, essas autoridades teriam sido responsáveis pela manutenção, no cárcere, por mais de trinta dias, de Célio Mesquita da Silva, nada obstante a inexistência de qualquer ordem judicial impondo tal restrição à liberdade dessa pessoa.

4. Ao julgar a representação formulada, decidiu o Tribunal Estadual Mineiro, com relação à Promotora de Justiça, pelo não conhecimento do feito, rejeitando-a e arquivando-a, quanto ao Juiz de Direito, reconhecendo que nada há de ser apurado contra o douto Magistrado (fls. 84).

5. Sustenta o impetrante, em síntese, a inexistência dos requisitos configuradores da denunciação caluniosa, na medida em que faltariam à conduta praticada os elementos constantes do tipo penal do crime previsto no art. 339 do CPB (dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente).

6. Requer, ao final, o trancamento do Inquérito Policial porquanto diz ser atípica a conduta do Impetrante-Paciente, que se limitou a usar o direito de petição previsto no art. 5o., XXXIV, da Constituição Federal, o qual não deu causa à instauração da investigação cabível, visto ter sido arquivada sumariamente a representação em relação ao Juiz de Direito e sequer conhecida quanto á Promotora (fls. 23⁄24).

7. Liminar indeferida (fls. 213); informações prestadas (fls. 217⁄220). Opina o ilustre Subprocurador-Geral da República EDINALDO DE HOLANDA BORGES pela concessão da ordem (fls. 222⁄224).

8. Era o que de relevante havia para relatar.

HABEAS CORPUS Nº 99.855 – MG (2008⁄0024865-3)

RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

IMPETRANTE : LINDOVAL MARQUES DE BRITO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PACIENTE: LINDOVAL MARQUES DE BRITO

VOTO

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339 DO CPB). REPRESENTAÇÃO CONTRA MAGISTRADO E MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. ALEGADA MANUTENÇÃO DE PRISÃO ILEGÍTIMA. ELEMENTOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO TIPO PENAL. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. NÃO OCORRÊNCIA. REJEIÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. CIÊNCIA DA INOCÊNCIA DOS REPRESENTADOS. AUSÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. O tipo previsto no artigo 339 do CPB (denunciação caluniosa) exige, para a sua configuração, que o agente venha a dar causa a investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, sabendo que lhe imputa crime por este não praticado, isto é, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.

2. No caso em exame, a representação criminal promovida pelo paciente, foi examinada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que não a conheceu no tocante à representante do Parquet daquele Estado e rejeitou-a quanto ao Magistrado vinculado àquela Corte Estadual. Rejeitada a representação pela Corte Superior do TJMG contra o Magistrado, não há falar em instauração de procedimento administrativo.

3. Inexistindo procedimento administrativo instaurado, não se configura o ilícito de denunciação caluniosa, porquanto ausente o elemento objetivo exigido pela figura típica – instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. Precedentes do STJ.

4. Com relação ao elemento subjetivo adicional contido no art. 339 do CPB, registrou o douto Subprocurador-Geral da República que o paciente não tinha ciência da improcedência das alegações que fez contra os então representados.

5. Parecer do MPF pela concessão da ordem.

6. Ordem concedida, determinando-se o trancamento do Inquérito Policial, sem prejuízo, todavia, de eventual responsabilidade civil ou falta disciplinar, a serem apuradas nas vias adequadas.

1. O tipo previsto no artigo 339 do CPB (denunciação caluniosa) exige, para sua configuração, que o agente venha a dar causa a investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, sabendo que lhe imputa crime por este não praticado, isto é, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.

2. No caso em exame, a representação criminal promovida pelo paciente foi apreciada pelo egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que não a conheceu, no tocante à representante do Parquet daquele Estado, e a rejeitou, quanto ao Magistrado vinculado àquela Corte Estadual.

3. Observe-se, no ponto, o referido aresto:

Não houve qualquer falta ou ato criminoso cometido pelo honrado Magistrado Representado, mas, sim, ação faltosa, a ser apurada pela Polícia, conforme requisição do diligente Juiz de João Pinheiro, ação ilícita cometida, repete-se, por parte de quem movimentou o preso de Unaí para Três Marias e que o soltou sem atentar que a ordem era de soltura, mas ressalvada que a prisão haveria de ser mantida se ali se encontrasse recolhido Célio por outro motivo.

Assim, diante dos elementos colhidos que mostram que o réu Célio Mesquita da Silva, através de artifício ilícito, empreendeu fuga para escapar do julgamento pela prática de crime triplamente qualificado, na Comarca de João Pinheiro, em razão do qual estava preso em flagrante, o prosseguimento das investigações contra o Representado não tem razão de ser. O ilícito foi cometido por quem acolheu indevidamente o preso em Três Marias por quem o soltou, embora sabendo que a prisão emanava de ordem do Juiz de João Pinheiro. Este ilícito deve estar sendo apurado porque o ilustre Juiz de João Pinheiro, segundo mencionado acima, ao ser cientificado do fato, ordenou providência tendentes a ver esclarecida a ação criminosa – fls. 69⁄70 TJ.

Do exposto, reconheço que nada há a ser apurado contra o Douto Magistrado Leonardo Machado Cardoso, que falta alguma cometeu, pelo que rejeito a representação e ordeno o arquivamento da representação, cientificada a Procuradoria-Geral de Justiça. (fls. 83⁄84).

4. Com efeito, rejeitada a representação contra o Magistrado, não há falar em instauração, efetivamente, de procedimento administrativo. Isso porque, nos termos dos art. 164 do Regimento Interno do TJMG, a instauração do procedimento somente ocorrerá após a análise da representação formulada:

Art. 164 — A instauração do processo administrativo será feita:

I — Por ordem do Presidente do Tribunal, de ofício ou:

a) atendendo a requerimento do interessado;

b) em cumprimento de deliberação da Corte Superior;

c) por provocação de representação legítima, nos casos do inciso I, alínea a, e do inciso III do artigo anterior

II — por determinação da Corte Superior, de ofício ou mediante representação legítima, nos casos do inciso I, alínea b, e do inciso II do artigo anterior;

III — por Portaria do Presidente do Tribunal de Justiça, de ofício ou provocado por representação legítima, nos casos do inciso IV do artigo anterior.

(…). (RI do TJMG obtido no site www.tjmg.gov.br, em 02.05.08).

5. Inexistindo procedimento administrativo instaurado, porquanto rejeitada a representação, conseqüentemente não se configura o ilícito de denunciação caluniosa, visto que ausente o elemento objetivo exigido pela figura típica – instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.

6. Confiram-se, nesse sentido, julgados desta Corte Superior:

Sindicância administrativa (arquivamento). Denunciação caluniosa (não-configuração). Crimes contra a honra (calúnia e difamação). Pena-base (aplicação acima do mínimo legal). Fundamentação (caso).

1. A instauração de sindicância administrativa logo arquivada não é suficiente para configurar o crime de denunciação caluniosa.

2. À luz das circunstâncias judiciais, impunha-se, no caso, pena-base acima do mínimo legal.

3. Recursos especiais improvidos. (REsp. 680.919⁄SP, Rel. Min. NILSON NAVES, DJU 04.06.07).

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. INVESTIGAÇÃO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA. ATIPICIDADE. CARACTERIZAÇÃO.

1. A instauração de sindicância administrativa, no âmbito da Corregedoria do Ministério Público, para apurar falta disciplinar de Promotor de Justiça, ainda que resultante de comportamento penalmente típico atribuído ao agente, não é suficiente à incidência do tipo do artigo 339 do Código Penal, que requisita instauração de investigação policial ou instauração de procedimento judicial, civil ou administrativo.

2. Ordem concedida. (HC 32.018⁄MG, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJU 12.04.05).

PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. INQUÉRITO POLICIAL. PROCESSO JUDICIAL. AUSÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 07⁄STJ.

1 — Para a configuração do delito de denunciação caluniosa é imprescindível que o fato descrito na denúncia importe na instauração de inquérito policial ou de processo judicial, não bastando para tanto a existência de procedimento administrativo.

2 — O deslinde da questão referente à conduta dos denunciados demanda incursão à seara fática dos autos, vedada em sede de recurso especial, ut súmula 07⁄STJ.

3 — Recurso especial conhecido em parte (letra “c”) e improvido. (REsp. 249.473⁄MG, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJU 22.10.02).

7. Ademais, com relação ao elemento subjetivo adicional contido no art. 339 do CPB, registrou o douto Subprocurador-Geral da República que o paciente não tinha ciência da improcedência das alegações que fez contra os então representados, na medida em que não patrocinava a causa em que o Sr. Célio Mesquita da Silva veio a ser preso em flagrante; in ipsis verbis:

Noutro giro, cumpre observar que na notitia criminis oferecida contra Lindoval Marques de Brito alegou-se que ele, na condição de advogado, possivelmente tinha conhecimento de que Célio Mesquita da Silva deveria permanecer preso em virtude de flagrante delito ocorrido em João Pinheiro (fls. 87⁄88).

Contudo, a análise dos autos revele que não constava do Sistema de Dados da Polícia Civil que o réu se encontrava preso em razão de flagrante delito, fato que demonstra não ter o paciente ciência da improcedência das alegações que fez contra o Juiz de Direito e a Promotora de Justiça de Três Marias (fls. 113 e 118⁄119).

Observa-se ainda que o paciente não figura como advogado na ação penal 0363.06.021.032.7 – instaurada em decorrência da prisão em flagrante mencionada alhures -, razão pela qual não se pode afirmar que ele tinha ciência da legalidade da prisão do seu constituinte (fls. 113).

Portanto, não se encontra presente, in casu, o elemento subjetivo do tipo penal de denunciação caluniosa, consubstanciado na demonstração inequívoca da consciência do agente quanto á falsidade da imputação.

Ademais, o paciente, ao oferecer a representação criminal retrocitada, apenas exerceu o seu legítimo e constitucional direito de petição (exercício regular de direito), narrando ao Tribunal o seu inconformismo em relação à prisão de seu constituinte Célio Mesquita da Silva (fls. 224).

8. Isso posto, em consonância com o parecer ministerial, concede-se a ordem, para determinar o trancamento do Inquérito Policial instaurado, sem prejuízo, todavia, de eventual responsabilidade civil ou falta disciplinar, a serem apuradas na vias adequadas.

Revista Consultor Jurídico

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